Branca de Neve : A nova e polêmica versão em live action da Disney

Uma breve análise a respeito do lançamento dessa nova versão de contos de fadas.

Depois de uma série de refilmagens de animações da Disney, chegou a hora do estúdio de Mickey Mouse enfim trazer para o cinema o seu filme mais clássico. Esse novo Branca de Neve de Marc Webb é uma versão repaginada do conto original dos Irmãos Grimm, mas tem uma inspiração maior obviamente no filme animado de 1937, o chamado Branca de Neve e os Sete Anões.

Antes inclusive do filme ser lançado, uma série de polêmicas começou a brotar no entorno da obra, fossem oriundas da internet ou não.

Fato é que a maioria era absolutamente vazia, baseada no vento.

O começo dessas discussões teve a ver com a escolha de Rachel Zegler, para fazer Branca de Neve. Atriz de origem latina, nascida em Hackensack em Nova Jersey, é uma artista talentosa e reconhecida, cujos trabalhos foram elogiados, especialmente ao fazer Maria Vazquez em Amor, Sublime de Amor, na versão de 2021 que Steven Spielberg entregou.

Também estaria em Shazam! Fúria dos Deuses, no spin-off Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes e no filme de terror e lançamento recente Y2K: Bomba-Relógio.

A negatividade:

Independente até das falas da atriz, é fato que ela chamou atenção negativamente graças a sua origem e aparência.

Por ter uma cor mais morena, se tornou o centro de críticas, que iam desde o fato dela não ter a pele alva, até a sua magreza, cabelos e outros elementos.

É curioso, já que Zegler de fato tem ascendência latino-americana, sendo filha de uma mãe colombiana. Foi por isso inclusive que ela fez West Side Story. Mas também é fato que o seu pai é polonês, não à toa ela tem esse sobrenome.

A real filiação dela pouco importava, ela ter origem no país que faz fronteira com a Alemanha - Branca de Neve e os Sete Anões tem origem nesse país - não é levado em conta.

A ignorância, para esses detratores, é uma benção, é motivo de orgulho.

A grande questão era que ela tinha pele morena e ainda resolveu dobrar a aposta, já que sendo perseguida por fãs da versão clássica travestidos de haters, a artista resolveu fazer declarações sobre o que achava que deveria ser a Branca de Neve ideal.

Membros de grupos extremistas normalmente não suportam contrariedade, mesmo quando são enquadrados criminalmente.

Mas afinal, o que ela falou?

As falas reais:

Na promoção do filme, Zegler acabou fazendo uma série de comentários de qualidade discutível, para dizer o mínimo.

A ideia da atriz era afirmar que os espectadores mais jovens não assistiriam uma história datada e se veriam nas aventuras e desventuras de sua personagem.

Só quero dizer que não estamos mais em 1937 e nós escrevemos uma Branca de Neve que não será salva por um príncipe e que não sonhará com o amor verdadeiro. Ela está sonhando em se tornar uma boa líder, tão boa quanto o seu pai disse que ela poderia ser, que fosse destemida, justa, corajosa e verdadeira. 

Visto assim, não parece nada demais, no entanto ela fez crítica ao desenho de 1937, reclamando que havia um grande foco na história de amor dela - o que é curioso, pois revisto, se percebe que a relação de Branca de Neve e do Príncipe Encantado não possui profundidade alguma.

Ela também classificou o amado da personagem como um "cara que literalmente a persegue" e que é estranho e não encantador.

Ela elogiou Andrew Burnap, chamou o seu personagem de "um cara legal” e disse que o longa é uma jornada interior que ela a personagem faz para encontrar seu verdadeiro eu.

Branca de Neve : A nova e polêmica versão em live action da Disney

As falas obviamente não são boas, mas também estão longe de ser o desastre que os críticos a postura da atriz fizeram parecer.

Ainda assim, não são sábias, ainda mais levando em conta que essa é uma obra mainstream e cara, que precisa de bilheteria para se pagar, ainda que certamente venda muita coisa em merchandising. Afastar o público, seja ele qual for, não faz sentido, ainda mais para um conglomerado faminto por dinheiro.

A modernização, ocorreu ou não?

Outra questão polêmica é que se falou que a história seria modificada e mega modernizada, fato que, ao menos de maneira literal, isso não ocorreu.

Ora, até para quem conhece pouco a respeito da história que inspirou Walt Disney, sabe que há muitas diferenças entre o conto dos Irmãos Grimm e o longa animado, além disso, já existem dezenas de versões, algumas delas, apontamos no nosso recente artigo, Branca de Neve e as versões, ou seja, modificações e modernizações não são novidades na abordagem dessa história.

Esse Branca de Neve é bastante fiel ao filme de 1937.

Ele é um musical, de temática infantil, voltada para o público majoritariamente feminino, mas não há um grande panfletarismo, ou algo que o valha.

O modo de governo

Há quem reclame que o reinado da família de Branca de Neve é bonzinho demais, muito próximo do povo, mas isso não é novidade em obras da Disney.

Talvez o seja para a lore de Branca de Neve e os Sete Anões, mas de resto, é algo bem comum em obras do estúdio, seja em live action ou em banda desenhada.

A história é alongada, há uma quantidade grandiosa de momentos esticados. Além disso, Gal Gadot faz uma versão histriônica da Madrasta, com bons momentos - principalmente nos números musicais - e outros ruins, especialmente quando se cobra dramaticidade dela.

Branca de Neve : A nova e polêmica versão em live action da Disney

Já Zegler está bem, bonita, altiva, encantadora e afinada. Ela é sim uma boa versão da personagem-título.

Muita gente poderá achar que ela não está bonita, certamente influenciado pelo corte de cabelo tosco que escolheram colocar nela. A ânsia da Disney por tentar ser o mais fiel possível a versão desenhada acaba tornando alguns momentos que deveriam ser icônicos em risíveis.

Para a limitação dos anos 1930, fazia sentido colocar Branca como alguém sem expressão, de cabelo curto, enquanto a vilã Bruxa Malvada era cheia de detalhes, rugas e defeitos claros em tela.

Em live action colocar a personagem com cabelo curtíssimo não funciona tanto.

Mesmo que haja uma justificativa na trama - cortam o cabelo dela justamente para tornar ela mais parecida com uma serva e menos com alguém da realeza - se desvaloriza a personagem que era a mais bela de todas.

Branca de Neve : A nova e polêmica versão em live action da Disney

Como a beleza anunciada para ela não inclui só o lado externo, essa questão é bem driblada, inclusive de maneira literal no roteiro, mensagem essa que sempre esteve presente nos contos de fadas, em alguns de maneira mais óbvia e em outros não.

Já a comparação de beleza entre madrasta e enteada sempre é uma questão polêmica, seja em quaisquer versões do conto. Charlize Theron era mais bonita que Kristen Stewart em Branca de Neve e o Caçador, assim como era Julia Roberts é mais bela que Lilly Collins em Espelho, Espelho Meu.

É difícil achar uma versão do conto que não haja uma disparidade entre a beleza da madrasta se comparado a mocinha. Inclusive no filme original a Rainha é bem mais bonita.

A questão fundamental e muitas vezes ignorada é que o anúncio do Escravo Espelho sempre foi uma prospecção. A Rainha é linda, mas como toda pessoa, ela envelhecerá e está envelhecendo.

A beleza é algo idealizado, mas também é passageiro.

Branca de Neve : A nova e polêmica versão em live action da Disney

É natural que ela se perca, o que não é natural é tentar frear essa condição. É parte da vida, além disso, o desejo tolo da personagem a faz se tornar o inverso disso, alcançando a feiura acelerada, que em algumas versões (não essa) sequer é invertida.

A questão dos anões e os novos personagens

Muita gente reclamou - esse analista incluso - que os filmes live action da Disney tem sido extremamente preguiçosos, por não acrescentar nada novo e por serem versões muito parecidas com os desenhos clássicos.

Sendo assim, sempre perdem na comparação, já que a magia colorida em um filme animado sempre será maior, além do fato de que os animais antropomorfizados são mais carismáticos nas versões animadas.

Ora, Branca de Neve sofre um pouco disso, mas também tem divergências dessa máxima.

Por um lado, os animais com quem Branca lida não parecem seres felizes e alegres como eram na outra versão.

São realistas demais, não tanto quanto o que se vê em O Rei Leão, mas ainda assim, são chatos, o que é péssimo, tanto que um dos números musicais mais legais do original simplesmente é excluído e dada a qualidade dos bichinhos, talvez fosse melhor mesmo.

No entanto, o que de fato chama a atenção são os Sete Anões.

Nos materiais de divulgação já ficava claro, que eles tangenciavam o Vale da Estranheza. No filme, eles abraçam essa condição, sendo muito esquisitos.

Branca de Neve : A nova e polêmica versão em live action da Disney

Pudera, decidiram fazer em CGI, com uma qualidade visual fraca, ainda mais se considerar que foi feito pelo estúdio de cinema mais rico do mundo.

Mágicos:

Além caracterização exagerada, os anões foram mudados. São eles na verdade seres mágicos, da floresta, com mais de séculos de vida e com poderes fantásticos, que ajudam eles a encontrar bens preciosos nas minas.

O que parece estranho - fora a óbvia aparência deles, que com o passar do filme, se torna algo que se acostuma - é para onde vão os diamantes e pedras preciosas encontradas.

No início do filme, a Rainha Má captura toda a riqueza e a guarda. A mulher manipula o povo da cidade, tira até os momentos lúdicos de sua rotina.

As joias teriam o mesmo destino? Aparentemente não, já que há um grande distanciamento entre a floresta encantada e o reino.

Os anões são Dopey/Dunga, feito por Andrew Barth Feldman, Bashful ou Dengoso de Tituss Burgess, Grumpy ou Zangado de Martin Klebba, Sneezy ou Atchim de Jason Kravits, Happy/Feliz de George Salazar, Doc ou Mestre de Jeremy Swift e Sleepy ou Soneca, de Andy Grotelueschen.

Os personagens adicionados

Durante as gravações, vazaram imagens de um grupo de atores, que acabaram sendo alvo de diversas piadas, chamados até de "estudantes de humanas de universidade pública".

Pela internet, se interpretou que esse grupo eram os anões da Branca de Neve, que foram transformados em representantes de minorias, graças a cultura woke e lacrate.

Seriam então os arautos do bom mocismo da Disney, os avatares da cultura Woke, os agentes lacradores a favor de Mickey e cia.

Branca de Neve : A nova e polêmica versão em live action da Disney

Há muita burrice envolvida nisso, além do mais, falta faculdades mentais básicas aos combatentes da extrema direita. Eles não contaram direito, afinal, há 8 personagens na imagem, não sete, como são os anões.

Webb talvez tenha previsto um comentário como esse, dos "estudantes de humanas" tanto que escolheu colocar esses personagens como artistas sem função, que em tempos sombrios e cinzas como os que são vividos, não tem serventia ao reino.

Eles então se tornaram os rebeldes, que se refugiam na floresta. Entre eles há inclusive Quigg (George Appleby) que é um homem com nanismo de fato, cujo personagem não se resume a isso, sendo divertido, com boas frases de efeito e camadas.

No entanto, fora esse e o líder deles - o par romântico da protagonista, Jonathan, de Burnap - os outros não tem muita função.

Os acréscimos artísticos:

As novas músicas são boas, o trabalho de Jeff Morrow (A Pequena Sereia) e da dupla Benj Pasek e Justin Paul (Aladdin e O Rei do Show) é criativo e belo, combinando à contento com todo o resto do filme.

As coreografias são criativos e os números são todos bem organizados, afinados, cantados de uma forma apaixonada e poética.

Ainda não tive a oportunidade de ver a versão dublada em português, para ter noção como foi feita a tradução e localização. Em breve deverei conferir, mas o que se viu no original é muito digno de elogios.

Já os cenários tentam ser muito parecidos com os originais, dessa forma, o reino parece meio genérico, exceção talvez a torre maligna da bruxa.

Esse sim é um belo lugar, seja nos seus aposentos, onde reside o espelho mágico, ou na área de alquimia, onde a Rainha estuda as poções e feitiços.

Branca de Neve : A nova e polêmica versão em live action da Disney

De resto, o tom das cores lembra o pasteurizado e feio aspecto do recente Wicked.

As cores se sobressaem pouco, se valoriza tons átonos, dessa forma, se perde beleza e magia.

A mensagem

Dito tudo isso, a essência da versão da Disney é mantida. Branca de Neve está longe de ser tão pálida como foi Peter Pan e Wendy, também não é tão protocolar quanto foi Pinóquio ou tão empolgante quanto Mogli: o Menino Lobo, no entanto, consegue ser mais vibrante que O Rei Leão e Mufasa: O Rei Leão, ficando ao lado da versão de Aladdin que Guy Ritchie concebeu, além de lembrar bastante a versão de Cinderela, que foi uma das primeiras versões live action de princesas da Disney, com bastante elogios, diga-se.

Poderia ter ousado mais e seu elenco poderia ter criado menos hype negativo. Está longe de ser desastroso como se pintava e Webb enfim consegue fazer um filme digno de sua filmografia pré-ingresso no universo de Espetacular Homem-Aranha.

Segue sendo lastimável que o longa acabe se resumindo as polêmicas de bastidores, já que é muito mais do que isso.

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