Crítica: Questão de Tempo

21053062_20131025204305591.jpg-r_640_600-b_1_D6D6D6-f_jpg-q_x-xxyxxUma atípica comédia romântica que encanta por suas passagens e sutilezas.

Pode-se dizer que Richard Curtis é especialista em realizar comédias românticas que, não por acaso, abordam temas além da paixão, que acabam destacando-se mais que a própria plot central. Foi assim quando escreveu o eficiente Um Lugar Chamado Notting Hill em que, em segundo plano, tratava sobre as oportunidades que surgem em nossas vidas, e que por certas convenções sociais, deixamos passar; ou em seu primeiro longa-metragem como diretor, Simplesmente Amor, que numa série de contos, apontou a importância do sentimento, surgindo como o grande elo e solução para todos os casos.

O subgênero referido sempre sofreu certa abusão por parte dos espectadores, principalmente do público masculino, que erroneamente engessaram o estilo, numa espécie de redoma particular, e rotulam como tolas e sentimentaloides, as passagens contadas. Certamente não viram títulos como Embriagado de Amor, Alguém Tem que Ceder ou mesmo o clássico Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, que caminharam pelo gênero e são obras absolutamente fantásticas, tanto em aspectos dramáticos, como artísticos. Então é um preconceito que, como bem concebe a palavra, equivocado ou sem uma mínima base teórica.

Dito isso, é realizador ver um sujeito como o Curtis, brincando e reinventando, por que não, essa vertente; incrementando ficção, sem que isso soe bobo ou artificial. O que é visto em seu novo filme, Questão de Tempo, que escreve e dirige, com muita competência e personalidade, uma história que contém temas delicados que vão de relacionamento familiar e conjugal a conceitos atípicos de viagens no tempo. Fisgando a atenção da plateia desde o primeiro plano, quando alerta, através de uma narração em off do protagonista, que o que virá pela frente não será algo tão habitual, assim como sua ascendência.

A fita fala sobre Tim (Domhnall Gleeson), um tímido rapaz que quando completa 21 anos, descobre através de seu pai que, assim como seus antepassados, tem o poder de voltar no tempo e, ainda que não possa alterar o rumo da história, pode modificar alguns fatos que afetarão, futuramente, sua vida e das pessoas mais próximas. Desse modo, ele decide regressar ao passado, no intuito de corrigir besteiras feitas e se dar bem conquistando uma namorada, coisa com o qual sempre teve problemas. É aí que Tim conhece Mary (Rachel McAdams), uma garota de poucos amigos, mas extremamente encantadora, que parece ter sido feita especialmente pra ele. No entanto, ele sempre usa seus poderes pra ajudar amigos, o que acaba alterando o curso das coisas, fazendo com que Tim lide, de forma mais estreita, com os reais problemas da vida, além de entender que esta habilidade não poderá protegê-lo sempre dos percalços que virão pela frente.

Na medida em que a história vai caminhando, nos surpreendemos com o rumo que Curtis vai dando a sua trama, introduzindo elementos e subtramas que serão fundamentais para que o espectador compre sua proposta anômala. O relacionamento de Tim com o pai, interpretado brilhantemente por Bill Nighy (O Fim do Mundo), é um dos pontos mais fascinantes do filme. Sua conivência, ainda que simplória, é aludida de forma muito amável e singela. Alguns diálogos são esplêndidos, e nos farão repensar fatos pessoais, fora das telas, em relação à figura paterna e todo seu legado.

Assim como o convívio ao lado de Mary – vivida por uma Rachel McAdams (Amor Pleno), que confere uma credibilidade absoluta à sua personagem –, que, aos poucos, acompanhamos o amadurecimento do casal, em várias exterioridades. E não poderia deixar de citar também o desempenho do jovem Domhnall Gleeson (Dredd), que aposta numa atuação sútil, mas que cativa por ser uma figura tão frágil e humana, mesmo com o poder que tem à sua disposição.

Referente aos aspectos técnicos, diria que a trilha sonora, assinada por Nick Laird-Clowes (Sociedade Feroz), mais instrumental que incidental, com várias canções de nomes como The Killers, The Cure e Nick Cave, tem fator importante para a película, pois é responsável por medir bem o clima passado no andamento acenado. Já a fotografia de John Guleserian (Breathe In), aposta numa de imprimir a identidade do humor de seu protagonista, com tonalidades mais claras, simbolizando a brandura de Tim e suas intenções. Igualmente a montagem de Mark Day (Harry Potter e as Relíquias da Morte), que dita bem o ritmo fílmico, com raccords inteligentes, criando elipses orgânicas, nas idas e voltas do personagem.

Ao fim do filme, o efeito obtido é de conforto, bem como uma sessão terapêutica, que nos faz relembrar casos conflitantes, mas importantes, pois, ao final, descobrimos que estes são, na verdade, nossos melhores momentos. Lembro-me de sentir algo semelhante, vendo o excepcional Campo dos Sonhos, que abordava, com muito mais força, essa temática entre pai e filho. E da mesma maneira, dentro de uma ficção e remetendo a recordações. Mas é como aquele caso de identificação, cada um pode reagir de uma maneira distinta. Diferente da constatação que Questão de Tempo, é uma obra deleitosa e, sem duvida, o trabalho mais maduro de Richard Curtis, ainda que não seja tão complexa, do ponto de vista conceitual.

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