Review: Louie S05E07 - The Road, part 1

louie507bÉ curioso analisar o início da parte final da temporada de Louie vendo o protagonista do programa fazendo as malas. Quando fazemos as malas para traçar um destino, seja ele curto ou longo, nos colocamos dentro daquele receptáculo, nos convertemos a roupas e coisas que pensamos que nos definem, calculamos os dias e que roupas seriam necessárias para aquele dia e que nos definiriam enquanto indivíduos. Por mais que nos preocupemos com moda ou sejamos mais desleixados ou nem pensemos quando compramos roupas, aquilo que vestimos diz muito sobre quem somos, nossas personalidades, nossos desejos, nossos sonhos, nossas vidas. E com Louie não é diferente. Ele é um personagem que sempre se vestiu de forma simples, cores primárias (quando usa cores), ou basicamente a camisa preta com um jeans velho. Esse é Louie na série, e por algumas entrevistas e shows que já vi do comediante, este é o Louie na vida real. Não há muita distinção aqui. O que há é apenas um minimalismo da pessoa, um sujeito com seus 47 anos, duas filhas, divorciado (tudo isso é exatamente igual a vida real), uma pessoa que não busca algo a mais para si, que pensa que já se estabeleceu, que já tem uma bagagem de vida que lhe mostrou tudo que poderia ter alcançado. E isso me remete bastante a um dos meus artistas dos quadrinhos favoritos, Mike Mignola, o criador de Hellboy. A evolução minimalista no traço do quadrinista é gritante, basta pegar Hellboy #1 e abrir alguma de suas revistas hoje em dia, 20 anos depois, A simplicidade é algo de se espantar, porém, é algo para se admirar bem mais do que seus primeiros trabalhos. De certa forma, como o vinho, Mignola e Louie se aprimoraram, e ao menos encontraram seus verdadeiros “eu” e se estabeleceram como duas grandes figuras da indústria artística, mesmo que em mídias diferentes. E o que Louie estabelece nessa primeira parte do episodio final é basicamente isso, como ele já é alguém e que isso é o que quer, é o que já está estabelecido e aparentemente comprovado como o melhor para ele e para sua carreira, família, etc.

Então após a arrumação de sua mala, Louie parte para uma viagem e se mostra descansando no avião quando de repente é acordado por uma pancada que o leva a sentir uma dor excruciante, ele realmente geme por algum tempo, e isso meio que trará o cerne central dessa jornada que irá refletir em todo o arco da temporada: O renascimento do personagem. Aqui, como em um parto, o comediante acorda em um lugar totalmente novo, sentindo uma dor exorbitante e meio que sem saber onde se encontra, perdido, sem saber se foca na dor ou em se estabelecer seja geograficamente ou como indivíduo. Daí para frente, o personagem é obrigado a reviver momentos de sua vida “passada”, a vida nada minimalista, a vida do conhecer, do explorar, do experienciar o novo, o inédito. Só que o reviver desses momentos não agrega nada de novo e o protagonista sabe disso. Seja tendo que sustentar conversas que já teve milhões de vezes, ou seja, revivendo momentos terríveis em motéis baratos. Louie como Ser não quer mais isso, porém é confrontado com essas coisinhas que, querendo ou não, o remetem a um tempo onde ele não tinha escolhas, onde era jovem e tudo isso não importava, hoje, a construção interior de sua personalidade o faz desprezar esse tipo de coisa, temer quase que como uma fobia. Então aqui, o que pode se pensar é que toda essa repetição ocorre como uma despedida desse eu anterior, dessa vida já vivida, é uma repetição necessária como forma de adeus, adeus a todas as temporadas da série, adeus a todos os momentos que gostamos, adeus ao mundano, ao comum, ao belo.

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Só que esse adeus só poderia estar completo após Louie se deparar com uma família vinda do Oriente Médio, que não fala a mesma língua que o protagonista e que claramente é a definição viva de choque cultural. Isso está ali como uma espécie de lembrete não só ao personagem, mas a todos nós, de que um dos, se não “o” momento mais belo da vida de Louie tenha sido quando este se conectou com uma família do Oriente Médio por via de um pequeno patinho que suas filhas colocaram em sua mochila. Quem é fã da série vai lembrar deste momento, é algo quase que sublime e até hoje um dos melhores episódios da série. E aqui quase que de forma metalinguística, Louie se faz reviver aquele momento, só que desta vez em tom de despedida, o colocando junto a uma garotinha perdida, fazendo com que ele, como de costume, tente revolver os problemas da criança, tente ajuda-la a se reencontrar, leva-la para junto dos seus. É claro que aqui o comediante se faz refletir na menina, trazendo essa sensação de estar perdida para ele, fazendo com que ao tentar ajudar, ela desapareça, evapore sem causar nem de leve uma reação de espanto, se ela sumiu ali, então já não é mais problema de Louie, o que faz jus a mais uma temática do episódio e que também está voltada a despedida: o desapego. Claro que ele seguir em frente e não tentar ajudar ainda mais a garotinha também tem uma ligação forte com o “acordar” dele no começo do programa, fazendo alusão a um mundo de sonhos, especialmente por ser mundano (só pra recapitular para todos a ideia de mundano/belo/importante para a temporada), Personagens entram e saem de cena e isso não precisa fazer sentido, Louie continuará com a sua jornada, até porque, ele já viu tudo, não?  É então que tudo faz sentido, que esses temas de “despedida” e “renascimento” vêm a tona: a mala some. Sim, a mala do começo da jornada, a mala que continha Louie, a mala da personalidade, a mala do Ser é perdida em um aeroporto, um lugar de chegadas e partidas (assim como um hospital, não?). E após um desespero natural, o personagem acaba aceitando a perda de si e abraça o seu renascimento, E tudo isso é representado no episódio, na cena final com ele saindo de uma loja que vende malas, arrancando as etiquetas de sua nova mala, comprando roupas novas e seguindo seu caminho rumo ao fim da temporada, quem sabe ao fim da série, mas tudo isso só acontecerá diante de um novo Louie, um Louie que sempre está tentando se encontrar, e aqui parece que percebeu que a melhor fórmula para que isso aconteça seja justamente se perder.

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