Todo fã de cinema B passou por algum dos bons e péssimos filmes de Albert Pyun. O cineasta estadunidense era colaborador de estúdios menores e era responsável por conduzir produções um tanto...pitorescas, para dizer o mínimo.
Sua filmografia inclui adaptações de gibis como Capitão América de 1990, filmes de ação que imitavam blockbusters como Cyborg: O Dragão do Futuro, e continuações pouco convidativas como Kickboxer 2: A Vingança do Dragão e Kickboxer 4: O Agressor, além das sequencias de Nemêsis, série de filmes cuja obra inicial foi dirigida por ele.
Pyun não tinha muito critério, tendo verba ele fazia praticamente qualquer proposta que lhe desse. Mas, no começo de sua carreira, ele não era tão ligado a produções tão escancaradamente derivativas.
Entre os destaques três chamam mais atenção: A Espada e os Bárbaros, Viagem Radioativa e Caçada Perigosa. Neste review optamos por falar do seu primeiro longa-metragem, que completou 40 anos nesse 2022.
Curiosamente começamos a análise com uma contradição, uma vez que essa é uma obra que tenta surfar na onda do Capa e Espada iniciada também em 1982 com a estreia de Conan: O Bárbaro. Claramente o estúdio programou a produção para estrear na mesma época do filme de John Millius, chegando aos cinemas com antecedência de um mês, em abril de 1982.
Mesmo sendo uma obra que claramente imita uma tendência, há muita diversão e escapismo em sua proposta, como boa parte das boas adaptações de histórias que miram a idade média ou a fantasia medieval. O drama começa com uma narração intrusiva, que dá a dimensão de que essa é uma história antiga e fantástica.
Apesar de expositivo, o texto ajuda a compor a experiência que uma criança tem ao ler um livro antigo, voltado exatamente para a sua faixa etária. Logo aparece o vilão, que aproxima de uma caverna, com uma bruxa, percebendo algo bem estranho nas paredes.
Enquanto a feiticeira invoca as trevas aparecem cabeças perfiladas, reunidas lado a lado em um altar. Elas gemem e formam um coro de lamento, clamando para que a vida repouse sobre o corpo do feiticeiro Xusia de Delos.
Aqui se percebe um belo trabalho de efeitos de maquiagem de Allan A. Apone, uma que Xusia tem uma configuração visual muito bem-feita. Sua aparência é única, ele possui dedos longos que lembram os de uma bruxa, e tem uma coloração semelhante ao fogo, lembrando um diabo clássico, oriundo dos contos e quadros antigos.
Titum Cromwel é o rei de Aragon. Interpretado por Richard Lynch (de Invasão U.S.A.), ele quer conquistar o reino vizinho de Ehdan, e para isso busca auxílio da criatura mágica que é Xusia.
O texto é um bocado maniqueísta, mostra os personagens se rendendo facilmente a atos maléficos. O monstro mata a bruxa que o despertou, basicamente para provar a sua fidelidade ao vilão tirânico, e quase toda a trama segue nessa toada.
A criatura funciona mais em cenas escuras, quando está sob a luz do sol, fica patente que a maquiagem não foi feita para tal. É em um desses momentos que Cromwell mostra seu caráter desonesto, matando o monstro depois que ele espalha sua feitiçaria pelo reino do Rei Richard.
Quando não é mais útil, o guerreiro é descartado, mas obviamente que o roteiro guardaria surpresas para o final. De qualquer forma, fica a ideia fixa de ciclos de traições, com vilões matando seus aliados conforme a conveniência.
Logo o ataque a Ehdan ocorre, e Pyun evita filmar as batalhas, não superestimando nem suas capacidades cinematográficas e nem o seu orçamento. O reino de Ehdan cai fora de tela, e o que se vê é uma criança, que testemunha a morte de seu pai, o rei Richard, fugindo para tentar salvar sua mãe.
Esse rapaz é Talon, o futuro herói da jornada.
A sequência como um todo é bem bizarra, não tem sutilezas e Cromwell mata as pessoas sem qualquer dó, mesmo com o rei rendido. Logo depois, a rainha se recusa a coroar o vilão como rei legítimo (porque ele queria essa solenidade depois de simplesmente ter matado o outro monarca, segue um mistério.
Talon ataca alguns soldados que o perseguem, mostrando a sua arma sagrada, uma espada estranha, que possui três laminas, e que se for empunhada corretamente, dá ao seu portador maiores chances de vitória.
Há um salto temporal, com tempo o bastante para mostrar Talon já adulto, como um guerreiro e cavaleiro, interpretado por Lee Horsley, da série western Paradise.
O texto não é sutil, já demonstrando que Xusia ficou em sono suspenso, por oito anos, se recuperando da quase morte e preparando uma revanche pela traição de Cromwell.
Dentro do reino dominado, após uma guerra civil, há a esperança de que Mikah (Simon MacCorkindale), o filho de um conselheiro do antigo rei, se insurja e vire o herdeiro legítimo ao trono. Não é sabido que Talon está vivo nesse momento, e curiosamente, até o fim do filme esse fato segue em segredo.
Mikah possui a simpatia de Machelli (George Maharis), o conselheiro de Cromwell, seu ministro da Guerra e principal homem de confiança. Mesmo diante de um script que apela para obviedades, há espaço para tramas de traição.
Mas os tempos aqui são estranhos. Em algum ponto, Talon chega ao reino de Ehdan, e recebe uma proposta de Alana (Kathleen Beller) para que ele salve Mikah das garras do ditador, que o prendeu.
Para isso, o guerreiro exige que ela se deite com ele, e termina soltando a sentença: "A vida do seu irmão por uma noite com você, mas quero meu prêmio perfumado".
Não há personagens fáceis de torcer nessa versão, ao contrário, todos são canalhas, mesmo os do lado "bonzinho".
É curioso como a música composta por David Whitaker ao tentar soar épica acaba lembrando o clichê das trilhas de filmes de heróis nos anos 1990 e 2000, tendo semelhanças consideráveis com o trabalho de Danny Elfman no Batman de 1989 e Homem Aranha em 2002. Ainda assim, é muito boa, tão original que lembra o que fez sucesso quase dez anos depois do lançamento desta obra.
O grave problema do filme é o roteiro. A sucessão real é confusa, assim como os planos do tirano, que foi capaz de subjugar seus inimigos e acabou se livrando do grande aliado, mas sem tomar o devido cuidado, permitindo então que ele sobrevivesse, para assim sofrer um ataque revanchista.
Considerando que moralmente quase todos os personagens tem ao menos um pecado, dá para inferir que essa é uma versão mais espiritualmente ligada aos contos e novelas de Robert E. Howard do que a versão do cimério feita por Arnold Schwarzenegger.
Possivelmente os roteiristas pensaram em referenciar isso, acreditando que Millius e seu roteirista Oliver Stone fariam isso também, e como não fizeram tanto, acabou que essa versão parece mais profana que a obra sobre o bárbaro.
O surreal reside especialmente na cena de casamento entre Cromwell e Alana, com Talon amarrado em uma cruz, abaixo deles, em uma roda de tortura, com a boca amordaçada.
Estranhamente ele é tratado como bárbaro, mas não o é, aliás é o inverso disso, e o filme acerta ao mostrar os reinos antigos tratando seus inimigos como descerebrados de maneira gratuita. Se o rei tirano subestimou Xusia, subestimaria também Talon.
Enquanto ocorre a cerimônia, uma revolta nasce mas masmorras. Prisioneiros se libertam e vão na direção dos nobres para impedir o enlace, não sem antes Talon libertar uma de suas mãos, retirando assim a mordaça, gritando o nome de seu inimigo.
A tentativa de tornar esse momento em algo épico conflita com a pouca habilidade de Pyun em conduzir cenas de ação. O diretor não conduz bem conflitos, mas investe bem em cenas mais posadas, como a que Talon protagoniza, pulando junto a sua espada numa plataforma alta, com sua silhueta escura e o cenário atrás avermelhado, em um tom escarlate belíssimo.
O final ainda tem reviravoltas, com personagens que pareciam fazer jogo duplo revelando uma identidade que claramente não tinha qualquer pista plantada antes. Há conspiração e incitação de movimentos rebeldes, movidos de maneira meio infantil, mas que é compensada pela belíssima cena de transformação entre homem e criatura.
Obviamente que os momentos finais reservariam um duelo de espadas entre o vilão e o legítimo herdeiro do trono, e ao menos essa luta é bem feita, sangrenta, repleta de chances de vitória para ambos, com frases de efeito e a revelação de quem era Talon, afinal isso não podia faltar.
Além de toda essa batalha longa, ainda havia a promessa de outro filme com o mesmo protagonista, chamado Tales of the Ancient Empire. Essa produção chegaria a ser feita antes de Pyun partir, chamda no Brasil de Lendas de Um Antigo Império, lançada apenas em 2010...
A Espada e os Bárbaros tem personalidade, e entre as obras que miram explorar a Conanmania é a que mais tem traços de ineditismo. Mesmo sendo mal engendrada em termos de lutas, há muita diversão, escapismo, com personagens que tem carisma e boa presença.
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