A sabedoria popular entre fãs de cinema é que refilmagens são movimentos desnecessários. Se conta nos dedos as versões que fazem jus ao original dentro do esforço de atualizar tramas e mitos clássicos da sétima arte, que dirá superar.
O filão de filmes de horror é infelizmente permeado de tentativas assim. Algumas poucas acertam, como foi o caso de Viagem Maldita, remake do clássico Quadrilha dos Sádicos, que traz um novo significado ao cinismo e desesperança do clássico do mestre Wes Craven, e O Massacre da Serra Elétrica de Marcus Nispel, que perde a essência do clássico de Tobe Hooper, mas foi tão bem-sucedido que marcou época e lançou a tendência de refilmar produções dos anos 1970 e 80.
Eis que a New Line viu sua galinha de ovos de ouro se despedir duas vezes, como O Novo Pesadelo, último filme de Freddy Krueger, capitaneado por seu criador, que foi mal de bilheteria. Depois ocorreu o crossover mega hypado Freddy vs Jason de Ronny Yu, que foi um fenômeno entre fãs do cinema de gênero.
Diante desse sucesso e de reboot de Sexta-Feira 13 em 2009, urgia refazer A Hora do Pesadelo, e em 2010 enfim chegou o remake, comandado por Samuel Bayer, com roteiro de Wesley Strick e Eric Heisserer, e estrelado por um elenco de considerável respeito, com Krueger feito por Jackie Earle Haley, e as vítimas interpretadas por Kyle Gallner, Rooney Mara, Katie Cassidy, Thomas Dekker e Kellan Lutz, e os veteranos Clancy Britton e Connie Britton.
Não dá para ser ingênuo ou infantil, acreditando que a intenção de um estúdio em refazer uma obra de sucesso é algo além de busca por lucro, mas o que se vê aqui no início é uma tentativa de fazer algo diferenciado.
A começar pela música de Steve Jablonsky, em um tom clássico, que lembra o visto em filmes dramáticos, além da primeira cena de pesadelo, surrealista e com um cuidado no uso de cores que beira o sublime.
A sequência se dá numa lanchonete, lembrando de leve a cena na Mom's, que abre Noite de Pânico, filme de Jack Sholder que analisamos há pouco tempo. Dean (Lutz) acorda de um cochilo, depois que Nancy (Mara) passa por ele.
O filme acaba caindo em tolas insistências. No primeiro filme Craven tenta deixar ambíguo quem seria sua garota final, colocando Tina Gray em primeiro plano ao invés de Nancy, e aqui também se apela a isso, já que a Kris de Cassidy aparece como o enfoque primário, ficando "viúva", já que Dean, que age como seu par, se suicida em sua frente.
Mais tarde, outras insistências se provaram ainda mais bobas, com a motivação de Freddy que chega a ofender o espectador.
A maquiagem que Haley utiliza tenta parecer realista, como a de um homem queimado comum, mas o artifício ao invés de ser um diferencial, acaba fazendo a caracterização soar genérica.
Isso torna a comparação com Robert Englund desigual, beirando o patético, uma vez que o ator fazia uma versão verborrágica e violenta do ícone, sendo o ponto alto inclusive em várias das péssimas produções entre as sequências.
Freddy não tem personalidade, tampouco possui uma marca própria. Ele é reduzido a um vilão genérico dos anos 2000-2010, se tornando ainda mais patético quando emula cenas clássicas da obra prima de Craven.
Kris segue sua jornada como protagonista, é ela que tem ps primeiros sonhos premonitórios. É ela também que suspeita de que algo errado cortou seu passado e dos outros jovens da cidade de Springwood.
Para Nancy, resta apenas o clichê da linda garota feia (mesmo que sendo interpretada por uma atriz já conhecida por seu talento e beleza em 2010), que desenha figuras estranhas e assustadoras em seus cadernos.
A utilização de CGI é excessiva, mesmo ao tentar imitar cenários comuns a filmes de terror recentes como Jogos Mortais, o que se vê é uma construção amadora e artificial.
Pudera, até bons filmes como Garota Infernal de 2009 sofrem com esse mal, que dirá uma produção feita sem grandes anseios autorais.
Bayer é um diretor famoso por colaborar com bandas da moda. Dirigiu clipes entre o emocore e o punk comportado dos anos 2000, com colaborações junto a Blink 182, My Chemichal Romance e Green Day. O visual de Jesse (Dekker) claramente imita o comum aos Emos, ele de fato parece um garotinho do subúrbio carioca que ama Nx Zero e a Fresno.
Mas fazer videoclipes é diferente da arte do cinema, e mesmo quando ele tenta empregar violência o que se vê é um movimento vazio, com sangue tão ridiculamente falso que da pena.
Chega a ser curioso como o sujeito que conduziu o clássico videoclipe Smells Likes a Teen Spirit do Nirvana não conseguiu trazer substância ao seu filme. Acaba que essa versão é bem mais comportada que o vídeo da banda de Seattle.
Praticamente todos os personagens tem ciência de que algo os está atacando nos sonhos, e a partir daí cada um deles vira investigador por conta própria. Não há ninguém burro ou ignorante, todos são espertos, supostamente, uma vez que caem como patos nas armadilhas do vilão.
Earle Haley tenta fazer uma presença diferenciada. Sua voz gutural assusta, assim como o tom de homem malvado torturador. Ele é bem diferente do personagem clássico e dada a proposta, é uma boa alternativa, mas que não se sustenta.
Não é criada nenhuma atmosfera, Bayer achou que só mudar o visual e escurecer a paleta de cores era o suficiente para dar identidade ao filme.
O texto é capenga, até para contar o passado de Krueger há pressa. É bem expositivo, e resgata uma ideia descartada do roteiro de Craven, de tornar Freddy um abusador de crianças.
Ora, a New Line é conhecida como a "casa que Freddy Krueger construiu", desse modo, mesmo sendo um vilão de slasher espiritual, não é concebível que ele seja um abusador. Matar crianças é claro um crime grave, mas está longe de ser tão hediondo quanto aliciá-las.
A pedofilia é um crime malvisto acima até de atos homicidas, não tem como um personagem pretensamente de franquia ser um estuprador de vulneráveis, desse modo, esse é um filme impossível de ter continuação.
A ideia das crianças terem ciência de que o assassino dos sonhos pode ter sido injustiçado até é uma boa sacada.
As cenas em si são boas, mostram um galpão abandonado, seus arredores e a perseguição dos pais de Springwood a ele, mas isso é sabotado antes mesmo de ser desmentido, com a exploração de um blog em vídeo, de um rapaz asiático que morreu da mesma forma que as crianças da cidade, mesmo sem qualquer ligação com a rua Elm...
Mesmo considerando que Krueger não cometeu os crimes atribuídos a si, qual a lógica dos meninos em simplesmente ir atrás de onde o vilão vivia? O que esperavam encontrar?
Se ele tivesse de fato boas intenções e fosse vítima como eles consideram, não atacaria as crianças, que eram seu objeto de devoção, e sim os pais delas.
Ele atacar gente vulnerável já é um bom indício de vilania, mas o roteiro precisava explicitar tudo.
Os momentos finais têm boas sacadas, como Nancy presa em poças de sangue no corredor, que resultam em uma referência reversa a morte do Glen Lantz de Johnny Depp.
No resultado final pesa a quantidade exorbitante de clichês e momentos genéricos. Parece que existe um checklist do que enfiar.
Há álbum de foto com revelação bombástica, uso de um sótão escuro macabro, found footage desnecessário, flashback expositivo, quarto secreto do vilão, cenas em escolas abandonadas, website que explica partes substanciais da trama, desenhos macabros, e até uma cena onde a protagonista observa o assassino por uma fresta.
A violência gráfica é legal, mas é utilizada sem propósito. Até o protagonismo de Nancy é violado, com Quentin (Gallner) agindo para salvar sua pele, dividindo a responsabilidade de acabar com o monstro, tirando a força da postura dela como final girl.
A Hora do Pesadelo é bastante aquém tanto do filme original quanto da cena de horror de sua década. Até rendeu uma boa bilheteria, mas sepultou a franquia, depois de um montante de duras e merecidas críticas.
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