A Máscara do Terror : o esquecido filme de assassino de Romero

 A Máscara do Terror : o esquecido filme de assassino de RomeroA Máscara do Terror é um filme de horror, que narra a história de um homem pacato e comum que acaba se tornando um assassino enlouquecido graças a força das circunstâncias. Conduzido pelo mestre do horror George A. Romero, foi lançado no ano 2000 e é um espécime normalmente esquecido em sua filmografia.

O longa é protagonizado por Jason Flemyng, que interpreta um publicitário que é maltratado por todos a sua volta, incluindo colegas de trabalho e até pessoas de suas suas esferas pessoais mais íntimas, como a sua esposa. Em um dia qualquer ele acorda com uma nova configuração facial, com uma máscara branca simples e feia presa ao seu rosto. A partir daí ele começa a praticar atos que normalmente não faria, uma vez que sempre foi um sujeito passivo e sem coragem.

Em meio a esses "atos de rebeldia", a gravidade das atitudes escalona, vai crescendo até resultar em um homicídio, movido por um instinto assassino que aparentemente estava internalizado, uma vez que não parecia estar lá antes.

Originalmente chamada de Bruiser essa é uma obra franco-canadense e foi rodado em Ontário, no Canadá. É um trabalho conjunto dos estúdios Le Studio Canal+, Barenholtz Productions e Romero-Grunwald Productions.

A parte da trama que pode ser descrita sem grandes spoilers começa exibindo o Henry Creedlow de Flemyng em um momento íntimo. Ele está no banheiro saindo do banho, depois de limpar o espelho ele termina a sequência introdutória dando um tiro no próprio rosto.

Apesar do choque, esse foi apenas um chiste, já que aparentemente o sujeito não cometeu suicídio, já que imediatamente depois ele aparece se olhando no espelho. Esse talvez seja o aceno ao público menos dúbio do filme, ao menos no que toca os trechos violentos.

É bem comum ver Henry agindo de uma maneira que pode ou não ser real. Ele é afeito a devaneios, mas na maior parte das vezes, a alternativa menos "viajada" não é dada em tela, é só sugerida para o público. Há claro a possibilidade do personagem realmente ter se matado no início, com todos os acontecimentos posteriores sendo fruto de uma imaginação espiritual dele, enquanto vai para o além, mas isso não é mais abordado

Fato é que a partir desse ponto, o real, o tangível e o onírico invariavelmente se misturam, não ficando claro se os eventos que aparecem diante das câmeras são literais literal ou apenas uma manifestação da mente de Creedlow.

Toda a análise na crítica passará pela possibilidade desse trecho ter sido um pensamento dele, materializado em tela para mostrar o desespero dessa alma. No entanto, não fica claro a origem desse pensamento, tampouco é dado que o publicitário nutria sentimentos suicidas ou tendências depressivas. Ele poderia já ter isso desde sempre, fato que explicaria um pouco de sua morosidade, ou pode ter desenvolvido com o tempo.

Outra possibilidade é que talvez aquela fosse uma demonstração de um possível looping temporal ou algo que o valha. Teorias à parte, a rotina dele é bem comum, ele sai do banheiro, fala com sua esposa Janine (Nina Garbiras). No caminho para outro cômodo, ele e é atacado por Popsie, a cadelinha poodle de sua parceira. Até mesmo os animais são capazes de tratar ele como um excluído.

Aqui se nota a presença da música de Donald Rubinstein, que praticamente inexiste a maior parte do tempo, só aparecendo nos momentos de tensão, incomodo ou nos devaneios onde Henry se imagina em cenas violentas.

Isso é um bom artifício, pois dá gravidade aos momentos, embora torne a interpretação desses trechos em eventos óbvios.

A partir daqui falaremos com spoilers.

 A Máscara do Terror : o esquecido filme de assassino de Romero

Esses trechos são bastante agressivos, com o diretor dando vazão a um sadismo completo. Chega ao cúmulo de haver um trecho onde Flemyng batendo até em uma mulher idosa, terminando com ele colocando o corpo dela para ser atingido por um trem.

Tudo é desenhado para mostrar Henry como um psicopata, como um homem de desejos violentos, que já carregava em si tendências homicidas e que usou do advento da máscara para conseguir colocar esses demônios para fora.

O texto tenta localizar ele como um homem que revida o fato de ser menosprezado e faz isso da maneira mais visceral possível. Como o ponto de partida do filme é quando ele já está na meia idade, as humilhações pelas quais ele passou podem já ocorrer há muito tempo. Como são presentes com ele já adulto, tornam-se ainda mais graves, a partir daí quase se justifica a brutalidade dos seus atos.

O que de fato não fica muito claro é se Romero coloca esse conjunto de atitudes ocorre basicamente graças a insatisfação do sujeito ou se a ideia central é que essa sanha assassina era uma evolução natural de uma vivência tão sofrida quanto vinha sendo a rotina de Creedlow. Seja qual for a intenção do diretor, o personagem entra em um colapso físico.

O fato de acordar com o objeto branco em seu rosto é uma manifestação de horror corporal, ainda que branda, já que é apenas uma superfície branca que parece um efeito de maquiagem típica de salões de beleza presentes em qualquer bairro de zona urbana no mundo. O visual é simples, tão bobo que chega a ser risível, já que parece uma espuma branca enrijecida, com um buraco para a boca e dois furinhos onde ficam os olhos, tão pequenos que certamente seu portador não enxergaria direito.

 A Máscara do Terror : o esquecido filme de assassino de Romero

Henry não parece ter qualquer incomodo, tanto que ele se movimenta normalmente, passa até a ter uma personalidade diferente, que gradativamente se torna mais corajosa.

Não demora até que ele largue sua postura usual de capacho, fazendo a sua primeira vítima, matando de maneira acidental a faxineira. Em um primeiro momento, parece mesmo que ele não fez de propósito, mas como ele parece ter sentido um prazer mórbido com essa morte, talvez a reação surpresa dele fosse uma tentativa de se auto enganar, uma mentira contada a si mesmo para não se assumir como um homem que gostou de matar.

Surpresa mesmo reside no fato dele ter mudado o seu rosto, no entanto o roteiro não se preocupa em determinar a origem dessa transformação. O momento imediatamente anterior a ele pegar no sono foi uma briga com sua esposa, onde a mesma assumiu que não quer ficar mais com ele, deixando-o mais uma vez humilhado, gratuitamente diga-se.

Janine é mostrada como alguém tão má que nem parece real. É dado que ela flerta com o playboy Milo Styles, personagem interpretado magistralmente por Peter Stormare, que é o patrão de Henry, o dono da agência publicitária, junto a Rosie.

Eventualmente Milo e Janine contraem uma relação de adultério, deixando claro o quanto ambos são pessoas de caráter sujo, os bons arquétipos vilanescos.

Depois de esconder o corpo morto, Henry tenta se fugir de casa quando Janine retornou a residência. Com dificuldades ele consegue sair, fazendo isso de uma maneira tão irreal que parece estar apenas fantasiando tudo.

A máscara que dá nome ao filme não parece funcional, mas aos poucos ela se molda ao rosto dele, se adequa ao ponto do buraco da boca se mover enquanto ele fala. Aos poucos ele conseguisse ter uma sinergia com o artefato, fazendo com que ela fizesse parte do seu corpo.

Henry decide então acertar as contas com as pessoas que lhe fizeram mal. Decidindo ir ao trabalho, acaba coincidindo o destino com sua esposa, que foi ter com Milo, mas antes que ele pudesse flagrar os amantes, outra pessoa foi mais rápida.

A Rosie de Leslie Hope fotografa a indiscrição de Milo e o ameaça. O sujeito fica tão desesperado que vai atrás dela, sem boa parte das roupas que carregava - afinal, estava se aprontando para uma relação carnal - e acaba afastando, deixando Janine isolada. Como um bom predador sorrateiro Creedlow entra em cena, para agredir e matar sua esposa.

A cena é canastrona e violenta, termina em um enforcamento, um artifício mortal que acaba fazendo com que as pessoas acreditem que a mulher se suicidou. Todo esse duplo sentido parece ocorrer a revelia da vontade e comportamento de Henry. Ele não arquiteta nada, age por impulso, como se os tabus comportamentais e o contrato social não existissem mais.

O homem está sem barreiras e obstáculos morais, é puro instinto e tem a seu favor um conjunto de circunstâncias quase mágicos, que acabam favorecendo sempre o seu ponto de ação e postura.

 A Máscara do Terror : o esquecido filme de assassino de Romero

Há poucos personagens dignos de nota aqui, um dos que acaba se destacando graças ao interprete é o detetive McCleary, que é encarregado de investigar as causas da morte de Janine. Ele é feito Tom Atkins, veterano ator de filmes de horror e B, parceiro contumaz de John Carpenter, que fez com ele tanto Bruma Assassina como Halloween III. Sua apresentação é no mínimo peculiar, já que coincide com um surto de Stormare.

McCleary aparece justamente quando Milo percebe que sua amante morreu e sua atitude é suspeita, passional, agindo como uma diva em crise, sem qualquer paciência com as perguntas que lhe são feitas. Uma vez que ele está só com roupa de baixo, na frente do prédio onde trabalha, enquanto sua amante está pendurada pescoço, é natural o surto e colapso do personagem, mas ainda assim, ele discute em termos chulos com um policial, fato que não ajuda a parecer inocente diante dos estranhos fatos que ocorreram ao seu redor.

Bruiser está longe de ser uma das melhores produções em que o nome de Romero está envolvido. É um projeto pequeno, com orçamento ínfimo, baseado na atuação de um medalhão que tem o rosto escondido na maior parte da história.

Seu texto é isento de grandes mensagens, é simples, direto, explora as consequências do mundo corporativo e faz uma reflexão bastante cínica de como é a vida de boa parte da população, já que a maioria esmagadora das pessoas tem o papel de empregado e não de patrão.

Considerando o alinhamento político comum aos filmes de Romero, dá para notar que ele desdenha dos novos ricos, do modo inconsequente em que normalmente vivem, condenando até a glamourização do uso indiscriminado de drogas.

Milo é o resumo disso tudo, um homem que só pensa em si, egocêntrico, vaidoso, falastrão e decadente. Claramente as pessoas só o suportam por conta do seu dinheiro e poder. No entanto, mesmo sendo demonizado, é o único personagem que possui camadas e nuances, é o único entre homens e mulheres que parece tridimensional. Como o script é de Romero, dá para notar a dificuldade do cineasta em produzir uma história de personagens mais profundos.

Ele sempre foi um mestre em criar situações reflexivas, que conversam com a condições universais, mas seus personagens não parecem ter tanta textura ou complexidade, são normalmente arquétipos rasos.

Em um filme como Despertar dos Mortos, funciona, afinal é um mundo em colapso, os personagens podem parecer derivativos e genéricos, uma vez que apelar para arquétipos humanos universaliza a história. Se a ideia é mostrar que aquela situação poderia ocorrer com qualquer um, tudo bem apelar a clichês conhecidos, mas em uma obra toda baseada em um sujeito enlouquecendo e se vingando de todos que lhe contrariaram, em um cenário de elite, onde poucas pessoas tem acesso é preciso aprofundar mais na alma dos personagens, é preciso mostrar mais quem eles são, para que o mergulho nos dramas individuais não pareça em vão.

Filmes de assassinos não precisam ser profundos. O Silêncio dos Inocentes e Terrifier tem temas em comum e abordagens completamente diferentes. A grande questão é que Romero parece querer aludir a um terceiro tipo de assassino em sério, tentando emular o texto de Bret Easton Ellis, especialmente em Psicopata Americano, mas aqui falta caracterização, inteligência no roteiro e aprofundamento.

Caso a escolha fosse por trazer uma fita divertida sobre gente matando gente, até se entenderia, mas até para fazer isso o filme peca, uma vez que seu ritmo é bem pouco dinâmico. Não é o caso, e nem parece ser culpa da montagem de Miume Jan Eramo. Claramente é uma escolha Romero mesmo.

Também há um grave problema técnico, já que ele parece uma obra com poucos predicados cinematográficos. A fotografia de Adam Swica é saturada, chapada quando está claro e turva na escuridão. Swica trabalharia novamente com Romero em Diário dos Mortos e Ilha dos Mortos e mesmo sendo produções duvidosas, se nota que o trabalho dele não é tão paupérrimo quanto é aqui.

Pesou contra si o baixo investimento. Não dá para alegar inexperiência, uma vez que já trabalhava no ramo entre curtas, longas e séries de televisão desde 1988.

O filme ainda conta com participação especial da banda punk californiana Misfits, com Chud, Michale Graves, Jerry Only e Doyle Wolfgang von Frankenstein aparecendo brevemente.

 A Máscara do Terror : o esquecido filme de assassino de Romero

O quarteto toca Scream, Fiend Without Face, Bruiser e Descending Angel, mas sua participação é meramente cosmética, já que tem zero função narrativa.

No meio da apresentação/show, ocorre uma sequência confusa e violenta. Henry se liberta finalmente de sua máscara, ela cai no chão e ganha um outro portador, sai de sua posse de maneira tão repentina e inexplicada quanto como entrou.

Henry era para ser complexo, mas nem a mudança física que ele sofre serve para pavimentar uma mudança real. Ele só cumpre na realidade algumas de suas fantasias íntimas, na maior parte do tempo segue sendo uma pessoa inerte, sem ação, refém da própria covardia.

Nos momentos finais ele enlouquece mais intensamente, tenta envolver Rose em sua trama de vingança e não fica muito claro o motivo dele enxergar nela uma igual, talvez a veja assim pelo fato dela ser traída por Milo. Forçando o ponto de vista, ele pode enxergar nela uma igual, mas a realidade é que isso parece ser apenas carência, já que eles mal trocavam olhares na agência, antes de descobrir que o Milo seduzia e se envolvia com outras mulheres.

O momento em que Creedlow se livra de sua sina ocorre - supostamente - por conta dele ter finalmente se defendido dos maus tratos. Ele só "largou" a máscara quando agiu de maneira diferente, não importa quantas pessoas ele matou, a sua condição só mudou quando ele também mudou. É uma mensagem piegas demais, ainda mais em se tratando de um cineasta underground como Romero.

O desfecho fica ainda mais confuso, quando chega a cena final, pré-créditos.

Flemyng aparece com um visual mudado, em um novo cenário de trabalho, ainda no ambiente corporativo, em um escritório, mas em uma função com menos responsabilidades.

Seu ofício é semelhante ao de um assistente, ele passa documentos para os outros funcionários, tem um visual é despojado, com cabelos grandes e roupas simples, usa um walkman, é bem mais despreocupado com a aparência e com questões de orgulho ou soberba.

No entanto, quando um chefe grita com ele na frente dos seus colegas, a máscara branca retorna ao rosto do personagem, para encerrar as filmagens deixando lastro para pensar que ele matou o superior ali mesmo.

Não se sabe se ela reaparece toda vez que ele se sente injustiçado ou se ela tem um tino para a justiça social no decorrer dos eventos ligados a cadeia alimentar do mundo corporativo.

Essa cena junto ao fato de Janine ter contraído a máscara durante a apresentação de rock deixa tudo bastante confuso e enevoado. O filme ainda sobre os seus créditos finais com uma versão mais rápida de Take on Me, tocada pelo Wolhlstandskinder, uma banda de pop-punk alemã cuja carreira teve bons momentos, mas que não acertaram nesse cover.

Máscara do Terror é irregular, um filme menor de Romero, mas ainda carrega parte das suas marcas autorais, especialmente na questão de discutir as consequências do acúmulo de capital e como as relações trabalhistas podem afetar as pessoas. A parte massa véio funciona, mas as tramas mais sérias são apresentadas de maneira preguiçosa, com uma grande vazies nas mensagens e nos personagens.

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