All Hallows' Eve é um longa-metragem antológico de terror lançado em 2013. Parte de uma moda que reúne histórias curtas em uma só fita, esse filme três historietas, todas idealizadas pelo cineasta Damien Leone.
Chamado no Brasil como Terrifier: O Início é uma produção diferenciada especialmente por ser uma antologia de um autor só, prova disso é que a sequência All Hallows' Eve 2 de 2015 teve três diretores diferentes, incluindo o produtor desse primeiro capítulo da saga Jesse Baget.
A obra compila dois curtas antigos de Leone, no caso 9st Circle, ou Nono Círculo, de 2009. Essa é a primeira aparição do icônico palhaço monocromático Art, já a outra, Terrifier, foi lançada dois anos depois, ficou tão famosa que foi aumentada e ainda teve o pôster largamente utilizado, inclusive para ilustrar essa compilação analisada.
O conteúdo aqui é bem parecido com os longas Terrifier e Terrifier 2, com tramas violentas, repletas de gore, que mostram torturas e glamourizam a dor.
Leone tinha um background diferenciado. Seus trabalhos incluíam a produção de efeitos especiais práticos e de maquiagem de ferimentos, especialmente em obras do cinema B, a exemplo de Assassino das Sombras e O Dia da Múmia e Frankenstein VS. A Múmia que o mesmo dirigiu, em 2015.
Leone se junta ao estúdio Ruthless Pictures para fazer esse longa-metragem. A distribuição ficou por conta da Image Entertainment. Vale lembrar que a história do curta Terrifier é bem diferente da versão longa-metragem, ao menos em termos de narrativa de fatos, já que boa parte do espírito é reprisado inclusive na continuação mais recente.
Leone não só criou o personagem Art the Clown, que aqui é interpretado por Mike Gianelli, como também fez o roteiro de toda a sequência. O argumento foi dele e de Baget.
É sabido que o primeiro curta foi filmado por Leone no formato 35 mm, no ano de 2006. Sua estreia havia sido em circuito específico, no festival Backseat Film Festival em 2008.
No entanto a ideia de reunir os curtas para esse Terrifier: O Início surgiu quando Jesse Baget viu o outro curta-metragem. Leone disponibilizou Terrifier no YouTube, Baget viu e quis incluir ele em um filme antológico com curtas de outros cineastas, tal qual ocorre nas compilações de ABC da Morte, XX, Southbound V.H.S, Tales of Halloween etc.
Em conversas privadas, Leone convenceu o produtor a permitir que somente ele fosse condutor no longa. A ideia seria colocar as duas histórias, mais uma inédita, com o acréscimo de uma trama de ligação entre esses momentos. Baget achou que seria uma boa ideia, concordou e All Hallows' Eve ocorreu.
Leone fez novas filmagens, mas não rodou nada novo para O 9º Círculo. Escolheu então deixar Terrifier para finalizar a trama, colocando uma nova história na interseção entre os curtas já existentes. A ideia era a de descansar Art, para que o final tivesse mais impacto.
A equipe de produção é bem curta aqui. A música foi composta por Noir Deco, artista que Leone descobriu graças ao Youtube. A fotografia foi assinada por cinco cinematógrafos, Tom Agnello, Christopher Cafaro, C.J. Eadicicco, George Steuber e Marvin Suarez.
Também se destacam na produção Gary LoSavio, que é co-produtor e fez acrobacias no curta Terrifier e foi gerente de locação em Frankenstein vs Múmia, além de Lisandro Novillo, produtor associado nesse, foi técnico de VFX em Doutor Estranho e parte da equipe de produção no Assassino A Preço Fixo de 2011 e Terror na Água 3D.
A narrativa começa a partir de um letreiro com as cores transparentes, brincando com o gore que virá a seguir, sendo mostrado de maneira tímida, antes da super-exposição que ocorrerá muito em breve.
O ponto de partida é uma noite de halloween, onde a babá Sarah, de Katia Maguire, cuida de dois irmãos, Timmy, de Cole Mathewson e Tia, interpretada por Sydney Freihofer.
As crianças brigam bastante, travando assim a rivalidade típica de parentes infantis que são obrigados a conviver juntos. Depois que arrecadam um monte de doces, o rapaz repara que dentro de sua sacola há uma fita de VHS.
Nesse trecho, Timmy insiste para que os três vejam o que há no registro. O que mais chama a atenção é que a casa de fato possui um aparelho de video cassete, em pleno 2013.
Os pais da dupla de crianças devem ser pessoas que gostam mesmo de cinema, possivelmente colecionadores ou acumuladores, que ainda mantém em sua decoração de casa um aparelho que reproduz um tipo de mídia que não costuma ser mais comercializada.
Depois de deliberar, os três decidem ver o que há nela, mesmo que a cuidadora tenha receio do que aparecerá. Ela estava tão ou mais curiosa com o conteúdo ali presente.
Nesse trecho introdutório, a fotografia é qualquer nota. A claridade é absurda no início, já que os personagens estão em uma casa cujo ambiente tem várias luzes claras acesas.
Logo a imagem muda, e passa a mostrar a tal fita, com um vídeo datado de 1982. Em um primeiro momento, Sarah se assusta, por achar se tratar de ser um filme snuff, ou seja, ela pensava que essa era uma das produções que mostram cenas de violência ou mortes reais, reunidas ou para chocar o espectador ou para satisfazer um tipo específico de espectador mais sádico. Ela tinha razão, de certa forma.
Art é feito por Gianelli, que é um ator diferente do que se viu nos longas, onde era executado por David Howard Thornton. É perceptível percebe que há diferenças pontuais tanto entre os curtas, quanto nas novas filmagens, especialmente com relação ao figurino.
Em todos os momentos, é Gianelli quem faz o palhaço, é a sua expressão facial que está em fotos de divulgação, claro, com muita maquiagem preta e branca.
O conteúdo é de fato assustador, especialmente por ter momentos de início que parecem tão nonsense que flerta com um momento idílico. Em alguns pontos fica a impressão de que esse é um filminho de estudante de cinema de primeiro período, com essa sensação sendo atropelada quando entra o gore.
A desculpa para a falta de qualidade das imagens nesses trechos é perfeita. A fotografia pode ser horrível que é facilmente justificável, já que é uma fita cassete velha, cuja gravação beira o amador.
Art foi idealizado para ser uma versão mais brutal dos ícones do slasher e principalmente graças aos longas de Terrifier, ele hoje habita o panteão de Jason e Michael Myers. O palhaço aparece com dez minutos, em uma cena em sala de espera, onde injeta algo via seringa em uma vítima.
Enquanto a menina está entorpecida, ela enxerga o palhaço malvado com olhos mega iluminados, que fazem parecer com faróis de carros no trânsito à noite.
A sequência logo vira um número de tortura, mostrando mulheres presas, acorrentadas em um cenário sujo, insalubre. Seja quem for a pessoa que idealizou essa captura se revela dona de uma grande misoginia, já que as vítimas são todas mulheres, colocadas em situação de sofrimento e vulnerabilidade.
Aqui aparecem criaturas deformadas bizarras, cuja configuração visual varia de qualidade, com uma parecendo uma bola de carne que segura um cutelo e outras parecendo demônios feitos e genéricos. São experimentos de Leone que miram homenagear filmes B antigos, com seres humanos que se transmutam, ou são apenas entidades metamorfas. Algumas são boas, outras parecem derivativas, referenciando manifestações do inferno.
Há ali uma espécie de culto demoníaco bizarro também, com velas e preces.
A quantidade de cenas inéditas é considerável. A maior parte do que foi gravado aqui são as interações dos irmãos, fato que não inclui só brigas, mas também uma parceria, já que Timmy permite que Tia durma com ele, quando ela diz que está com medo.
As transições mostram Sarah vendo televisão, terminando de assistir A Noite dos Mortos-Vivos de George A. Romero, que só está lá obviamente graças ao fato de ser um filme de direitos autorais liberados.
Ela põe as crianças para deitar e decide retomar a fita, para ver o resto das gravações sozinha, enquanto bebe vinho em uma posição que valoriza suas coxas, afinal, esse é um filme de horror baseado em clichês, que precisa fetichizar a beleza feminina.
Nesse ponto não há inteligência ou qualquer metalinguagem, Leone é refém desse tipo de exploração porque sim.
A segunda parte foi idealizada para ser maior, com um grande ataque alienígena, com marionetes, mas devido a restrições de tempo e orçamento, o alienígena foi retratado pelo ator Brandon deSpain fantasiado.
A história de abdução é feita em um cenário reduzido, filmado em uma casa abandonada, focada na personagem Caroline de Catherine A. Callahan.
Ela não interage com mais ninguém, exceto por telefone, quando conversa com John, cuja voz é de Michael Chmiel (que seria também o frentista da terceira história), que conversa com a moça por telefone.
Esse é a menos inspirado entre os contos, falta violência gráfica, sobram trajes típicos de séries de tv. Vale pelo aspecto paupérrimo da pele do ET, que usa uma máscara de halloween, fica inclusive a dúvida se aquilo é de fato um invasor de interplanetário ou uma pessoa fingindo ser assim.
A ligação com Art nesse segundo tomo é apenas no enfoque em uma fotografia na parede, que tem o palhaço no centro.
O mímico assassino finalmente reaparece, primeiro em um quadro, no final da segunda parte, depois, sai enxotado do banheiro de um posto de gasolina, onde ele mijou a parede inteira.
Segue a história de uma viajante, interpretada por Marie Maser, que é uma figurinista de cinema, que está indo para uma locação. Ela conhece Art quando o vê sendo expulso do tal posto de gasolina, após ter sujado o banheiro no final do turno do cuidador do estabelecimento.
Ela fala com o frentista, que tem de ir dentro da loja, verificar um barulho estranho. Apreensiva, ela entra para ver o que ocorre, e assiste Art serrando a cabeça dele. Leone não poupa o espectador, mostra pedações de corpos, além de sangue sujando a roupa clara do palhaço.
Ele ainda ressurge, pedindo carona quilômetros depois, deixando claro que ele possivelmente é uma entidade zombeteira e bizarra, ou a fuga da moça é uma ilusão apenas.
Leone capricha no gore, tudo é mega agressivo e explícito. A menina não consegue fugir, não consegue terminar sequer as ligações que tenta fazer com a polícia, tal qual ocorreu com Caroline. Art interfere na realidade, ao menos nessa versão do mito.
Ele se utiliza múltiplas formas de ataque, desfigura uma vítima, Jennifer Castellano, arranca as mãos dela e tenta sufocar a outra. A história é levada como um pesadelo terrível.
A menina ainda consegue fugir, sai com um arranhão embaixo do olho esquerdo, mas pega uma carona na estrada. Em outro carro Art a alcança e emparelha com esse, causando um acidente.
Ele mutila a menina, a deforma, arranca braços, pernas, seios, a desfigura e escreve xingamentos em sua pele, como cunt, pig, slut, bitch, Art aponta para ela e ri, em silêncio, reforçando a ideia de imitar um mímico, também resultando em mais um dos muitos comentários misóginos de Leone.
Esse é de fato o mais assustador momento do filme, ainda fecha continuando a cena de serragem do atendente do posto, com Sarah tentando desligar a televisão, depois de recebe um telefonema, com um diálogo igual ao do último curta.
O argumento metalinguístico é ótimo, com o palhaço aparecendo em um lugar repleto de canos, tomando consciência no final de que está em uma tela de TV. A invasão que ele faz no campo real é uma boa ideia, pois espelha o que é registrado na fita e ainda conversa com clássicos do cinema de horror, como O Chamado ou Ringu.
Leone ainda toma cuidado em granular a imagem, deixando visualmente claro que Sarah e Art estão enfim no mesmo universo, como se ela entrasse em uma dimensão em que o palhaço conseguisse viver. Como ele é uma figura possivelmente com poderes sobrenaturais, é esperado que ele consiga fazer muita coisa, mas se teletransportar para a realidade certamente não estava entre essas chances.
Leone ainda brinca com os créditos finais, interrompendo eles para mostrar Art se aproximando, deixando a mensagem de que o espectador será o próximo. Há uma verdadeira ode ao grotesco, ao cinema b e as sessões grindhouse.
All Hallows Eve é um produto de pouca pretensão, que mira mostrar o palhaço agressivo preto e branco praticando suas maldades, fomentando em si uma figura de medo capaz de marcar a memória do fã de terror, body horror e cinema explícito. O longa possui equívocos, mas é curto e direto, funcionando como um experimento de seu realizador, que aumentaria o grau de violência muito em breve, estabelecendo uma nova entidade assassina que é capaz de utilizar toda sorte de arma a seu favor.
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