Frankenstein ou o Prometeu Moderno é um romance que mistura elementos dramáticos, de horror e ficção científica. Seu mote é sobre um homem que consegue um grande feito: trazer a vida uma criatura que é feita de partes mortas.
Escrito por Mary Shelley, o romance nasceu a partir de uma competição de histórias entre autores.
Nessa reunião estariam Lord Byron, o marido da autora Percy Bysshe Shelley e a própria. Segundo consta, o trio estava junto no verão de 1816, em uma viagem de férias delajunto ao esposo em Capagne Chapiis.
Hospedados em um chalé em Genebra, Shelley estava prestes a completar 19 anos.
Em meio a dias chuvosos e depois de lerem histórias de fantasmas, Byron sugeriu que cada um deveria escrever um conto assustador, ou seja, uma história curta cujo objetivo era estar dentro do gênero horror.
A competição foi obviamente vencida pela autora, que depois, expandiu o texto para um romance, que foi divido em três volumes.
O formato do livro facilita demais a leitura, uma vez que os capítulos são curtos e diretos ao ponto.
A narração de cada um dos trechos é expositiva, contando a história como cartas, fato que se tornaria até uma moda, visto que o romance Drácula, escrito por Bram Stoker publicado em 1897 também pega emprestado o estilo.
O início se dá com uma carta de saudade de Robert Walton, para sua irmã Margaret, ele que está em viagem, saído de São Petersburgo, na Rússia.
Longe de casa o homem de 28 anos sente solidão e tristeza, comandando uma embarcação. O capitão não tem amigos, sente falta de compartilhar ideias e gostos particulares.
Na segunda carta, conta anedotas dos marujos, e só fala de coisas de fato diferenciadas quando deixa subir a bordo um homem ferido, que parece estar à beira da morte e diz querer ir com eles, mesmo sabendo que aquela era uma expedição ao Polo Norte.
O homem estava em trenó puxado por cães, mas ele não foi o primeiro avistado, já que as pessoas no navio perceberam uma figura estranha, apressada, terrivelmente alto vindo antes dele. O homem chama esse outro de demônio.
Esse início são cartas introdutórias, antes da história de verdade começar, com o primeiro volume já sendo narrado pelo tal passageiro, Victor Frankenstein.
No relato se aborda origem dos pais de Victor, de sua futura esposa, a bela filha de italianos Elizabeth Lavenza, que foi criada com ele como se fosse sua prima, e fala um pouco sobre a amizade com Henry Clerval, um descendente de mercadores de Genebra.
Victor era de família nobre, com posses, genebrês, oriundo do país hoje conhecido como Suiça. Ele era estudioso, gostava de ler Cornelius Agrippa, depois leu Paracelso e Alberto Magno. Estudava na escola de Genebra, mas era tão avançado em suas leituras próprias, que dizia ser um autodidata.
Aos 17 anos foi para a universidade de Ingolstadt, na Alta Baviera, região da Baviera, atual Alemanha. Ao se distanciar descobriu que sua amada contraiu uma doença grave, escarlatina, que quase a matou. A jovem sobreviveu, mas a mãe de Victor, ao cuidar da sobrinha adotiva, contraiu e a doença e morreu, deixando o cotidiano familiar do personagem trágico já no início do relato.
Na universidade, se aproxima de um professor, chamado Krempe, que diz que suas influências são todas ultrapassadas. Isso o deixa cabisbaixo, demonstrando então uma característica vaidosa e ensimesmada que o acompanharia até o momento do fatídico experimento.
Frankenstein tem uma epifania ao ouvir outro professor, no caso, Waldman. Seu desejo em ser pioneiro e desbravador encontra eco nesse mestre, e ele se torna quase um pupilo do mesmo. O novo mentor tinha um bom olhar sobre Paracelso e os outros autores, e convenceu o aluno a estudar filosofia natural, ligada a fisiologia.
Vala falar um pouco sobre a carreira e vida da autora. Mary Wollstonecraft Gordon, nasceu em agosto de 1797 em Londres e é filha do filósofo William Godwin, escritor ateu que tinha posições radicais contra o governo britânico, e Mary Wollstonecraft, feminista pioneira e conhecida por escrever Reivindicação dos Direitos das Mulheres (1792).
Antes de Frankenstein escreveu History of a Sic Weeks Tour (1817), junto a Percy Shelley.
Diz-se que foi encorajada por Percy a transformar o conto em romance, e já em 1818 saiu o livro, em 21 foi traduzido para o francês e em 1823 virou peça de teatro. Shelley morreu em 1851, com cinquenta e três anos.
A autora escreve bem e emula a forma de falar e narrar fatos dos melhores contadores de histórias de sua época. Seus diários são retos e diretos, sem firulas guardadas as proporções da época. Uma boa demonstração disso é a construção do seu personagem central, que é substancialmente diferente de suas versões "adoentadas' do audiovisual.
Victor é descrito como um jovem de grande beleza física e intelecto invejável. Possivelmente Shelley mirou o modelo físico de seu marido, o poeta romântico e filosofo P.B. Shelley. Ele trabalha solitário, sem um assistente corcunda como aparece nos cinemas, e faz seus estudos em um quarto comedido e humilde de estudante, não em um castelo medieval grandioso.
O protagonista humano é alguém obsessivo em suas leituras, não consegue deixar de lado seus livros, papéis e pesquisas. Primeiro, verifica como funciona a putrefação corporal dos animais ao morrerem, e depois, chega a um modo de reformular o processo de decomposição, em um método que mantém segredo.
Fazendo testes em pequenos animais, decide dar vida a uma criatura alta, de dois metros de altura e peso equivalente, a tal "criatura".
O ser ressuscitado não tem nome, recebe alcunhas como monstro, demônio, miserável, abominação...toda sorte de xingamento é utilizada para sua figura. A descrição dele inclui cabelos, dentes perolados de tão brancos, mas os olhos careciam de alma. Victor a abandona no laboratório, depois encontra Henry Clerval, e ao voltar o monstro não está mais lá.
De Genebra, chegam cartas avisando que seu irmão William morreu, assassinado por conta de um roubo, e Elizabeth se culpa por isso, na que ela negou a ele usar um broche com a foto de sua mãe, fato que o fez colocar assim mesmo e ser pego na área externa da casa.
Victor passa a achar que é o seu monstro, que está a dois anos perdido.
O primeiro volume termina com uma moça assumindo a culpa pela morte do menino, evidentemente sem ter qualquer responsabilidade, ao menos na visão de Victor, que tenta provar para si mesmo que não delira, e que foi o monstro quem matou seu parente
O volume dois começa com o isolamento de Victor, e a criatura o encontra, e vai ter com ele.
Ela também é bem diferente da versão vista nos cinemas. É um ser articulado, que fala muito bem, que tem anseios sentimentais, e que deseja driblar a solidão e ser amado.
Considerando que tem consciência, fica a dúvida de como ele aprendeu a se comunicar, como ele consegue entender línguas e consegue verbalizar o que pensa. A teoria mais plausível mira possivelmente memórias reprimidas dos corpos que serviram de base para a criatura, mas isso não fica claro.
O que também não fica claro é como ele consegue tudo isso e não entende os conceitos básicos, como o ideal do certo e do errado. O monstro se assemelha a uma máquina, dotada de capacidades básicas, mas carente de capacidade de sentir na plenitude coisas como amor e culpa, e é por isso ele fica confuso com os laços familiares, com ódio, raiva, amor e afeto entre homens.
Frustrado com os sentimentos que não entende, ele mata as pessoas por não saber lidar com isso, incluindo especialmente quem é caro ao seu amo, Victor.
Ele diz que ninguém o ama, e que ele não tem relações como as de maternidade, mas ele seria capaz de ter um sentimento assim e de retribuir? É essa pergunta que fica, para o cientista e para o leitor, uma vez que para a Criatura, ele seria capaz sim.
Esse tema é tão caro e comum que está presente inclusive em obras recentes, como M3gan, onde um robô que serve de tutora infantil é capaz de corrigir e impor regras a uma criança, mas não sabe lidar com limites simples, como não agredir humanos. Tanto M3gan quanto o Monstro acabam causando mal por falta de noção do que é correto ou não.
Há uma barriga enorme no livro, uma extensão desnecessária de relatos do monstro observando a família de um cego que o permitiu viver por perto durante um tempo. Há muitos detalhes desinteressantes, que tornam a leitura maçante, mesmo que esse exemplo sirva para pavimentar a ideia de que ele não será aceito pelas pessoas.
Ele acha livros, que abrem a sua percepção, o fazem pensar para além das simples fronteiras da cabana onde residia, mas além de mostrar que o conhecimento libera a alma, também mostra uma aflição típica de quem tem uma enxurrada de conhecimento jogada em si.
Shelley acaba abordando o clichê de que o conhecimento causa a desalienação e também deprime, ainda mais sem filtro e sem os ensinamentos de alguém mais experiente como ocorre nesse exemplo.
Conhecimento pode ferir, pode atar o indivíduo e deixa-lo preocupado para além de eventos mundanos, e isso nem sempre é bom, mas ao subir degraus de sabedoria, decidiu pedir ao seu criador um par, uma mulher. Ele só quer ter o que a humanidade tem: amor e reciprocidade, e vendo que mulheres humanas seriam incapazes de ter afeto por ele, deseja ter uma criatura igual a si, só que feminina.
Victor se inclina a ceder ao pedido de seu "bastardo", mas para criar uma fêmea para ele, precisaria voltar a se dedicar aos estudos, e ele o faz, até viaja junto a Clerval, guardando para si o segredo e o intuito de seus novos estudos.
Como essa é uma história trágica, o último volume tem muitas mortes e tristezas, por mais que Frankenstein finalmente alcance um de seus grandes objetivos que é casar.
Desde que começou a construir o monstro, Victor parece fadado a sofrer, e quem o cerca tem a mesma sina.
No final, Walton retorna a trama, falando novamente a sua irmã Margaret, dessa vez sobre o quanto ele ficou fascinado pela história do estudioso, e lamenta pelo estado de saúde precário dele, depois de tanto perseguir o ser que outrora foi a sua criação.
O segundo título do livro O Prometeu Moderno serve de prenúncio para a história de Victor, que é em suma uma extrapolação da ciência para aplacar a solidão do isolamento. Ele faz a criatura para satisfazer seu ego, e se inclina a ir em frente graças ao fato de estar longe de mãe, pai, irmãos e amada.
Outra possível leitura é que o monstro é a manifestação do destino e a dificuldade do homem em lidar com a dor da perda. Shelley usa um homem que é genial, rico e bonito como o símbolo da vaidade e ingenuidade, um sujeito que acha que só porque sempre teve tudo, pode driblar questões comuns aos humanos como a morte.
Nessa toada, ele ou usa a criatura para resumir suas culpas - especialmente na perda dos entes queridos e até a inconsequência de seus atos profanos, já que na tentativa de burlar a ordem natural das coisas, ele criou um alguém irracional e de puro instinto, com feições humanas apesar de feias, mas sem total capacidade de entender os limites éticos e os conceitos de certo e errado.
Ao menos na parte ética ele tem a quem puxar, já que Victor sacrifica valores morais em prol do bem próprio, mas isso não vem ao caso de discutir o intento da máquina de carne que é a criatura, que no final de Frankenstein, termina tão depressiva quanto ele.
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