A saga Sexta-Feira 13 passou por muitos percalços ao longo dos anos entre o auge de popularidade e baixas tremendas após o sexto volume. Pamela Voorhees vingava a memória do filho em Sexta-Feira 13, Jason retornou a vida na Parte 2, o assassino viajaria pelo mundo atrás de jovens fogosos para além do campo de Crystal Lake.
Como é de praxe quando as ideias zeram, os produtores resolveram levar o seu personagem ao espaço, surgindo assim Jason X, o famigerado décimo filme da marca.
Dirigido por James Isaac, conhecido pela construção de efeitos especiais de filmes notórios como O Retorno de Jedi, Gremlins e Inimigo Meu, o longa tem uma tônica mais voltada para a paródia escrachada. Isso se percebe graças as suas viagens narrativas e literais. Teoricamente, é o ponto mais longínquo entre todas as tramas apresentadas até aqui, já que se passa em boa parte em 2455.
Nessa época os direitos de Jason e cia estavam com a New Line, e em meio a negociações para o crossover com A Hora do Pesadelo, o produtor (e criador do conceito) Sean S. Cunnigham forçou a barra para o estúdio fazer um filme, a fim de não deixar os personagens caírem no esquecimento, e para isso chamaram o iniciante Isaacs para conduzir.
De acordo com a cena final do último filme - que é tão deslocada do resto da trama que é difícil chamar de spoiler - Jason deveria enfim enfrentar o assassino dos pesadelos, mas esse confronto foi adiado, uma vez que Freddy vs Jason só chegou aos cinemas em 2003.
Jason X foi teve seu lançamento em 2001, o ano cabalístico de início do milênio, e como tudo era novidade, era preciso mesmo um fato novo.
Em materiais de bastidores e making offs não fica claro quem teve a ideia de localizar a desventura psicopata no espaço, fato é que não era uma novidade dentro do filão de filmes B de horror, visto que em 1996 foi lançado Hellraiser IV - Herança Maldita e nesse mesmo ano, também foi para os cinemas O Duende 4: No Espaço.
Fato é que Cunningham não queria deixar a franquia parada, e decidiu aderir a ideia do roteirista Todd Farmer, que decidiu ao invés de esperar, simplesmente ir para o confronto, colocando Voorhees numa posição nunca antes vista, ignorando os fatos ocorridos na parte nove, Jason Vai Para o Inferno: A Última Sexta-Feira 13.
Farmer decidiu brincar com um recomeço, na parte introdutória, levando Jason a julgamento, fato que antes não havia sido explorado na franquia, e a sentença envolvia criogenia, com o personagem sendo preso em uma cápsula gelada, para ser não só encapsulado, mas também estudada anos depois.
O filme tem em Sean Cuningham, a função de produtor executivo, enquanto Noel Cunningham, seu filho, é o produtor direto, herdando do pai a função antes empregada.
A experiência de Noel não era desprezível, já que havia feito uma breve aparição no filme de 1980 e fez trabalho de edição entre assistência e trainee nos filmes Abismo do Terror (1989), A Casa do Espanto IV (1992), Namorado Gelado, Coração Quente além de Jason Vai Para o Inferno em 1993.
Depois desse, dificilmente se viu ele produzindo filmes novamente, ao menos não em uma posição de tanto destaque quando nesse Jason X.
A cena de créditos iniciais mostra duas referências primordiais, primeiro lembrando um lugar em chamas, como o inferno bíblico, depois passando por dentro das redes neurais do assassino, resgatando memórias entre experiências, exames com sangue e close nos olhos, cujo visual imita claramente o início de Clube da Luta de David Fincher, filme que se tornou um cult classic em 1997.
Jason aguarda a execução, com sua dura pena, onde seria congelado e aprisionado em uma experiência bancada pela companhia Crystal Lake Research.
Em algum ponto da construção desse texto, decidimos enumerar os absurdos da trama, e esse é o mais chamativo.
Crystal Lake era um acampamento pacato, tão esquecido por todos que não era abordada como cenário desde Sexta-Feira 13 - Parte 7: A Matança Continua. De repente, virou um lugar tão famoso que tem até um centro de pesquisas cientificas.
O responsável por encerrar Jason no gelo é o doutor Wimmer, que quer levar o espécime para Scranton.
Logo, ele encontra a resistência da profissional de segurança Rowan, personagem de Lexa Doig, que será não só a garota final, mas também a pretensa heroína no filme, em ambas linhas temporais.
Wimmer é interpretado por David Cronenberg, diretor de filmes de horror e drama, que só aceitou o convite para participar graças a insistência de Isaacs, que havia feito os efeitos especiais em um dos seus filmes, Existenz.
Cronenberg havia atuado em Raça das Trevas de Clive Barker, e depois disso, fazia apenas aparições pequenas, como aqui.
Seu único pedido foi que seu personagem morresse logo, e de maneira sangrenta, fato que ocorreu, obviamente.
O embate entre o doutor e Rowan é bem esquisito e desimportante. A sequência inteira é filmada no escuro e o único destaque de fato é a tal câmara crioestática da Kwa, que ainda não estava na pronta.
Era uma baboseira assumida, apresentada em forma de paródia como se fosse uma piada, para enfim ir até onde importava de fato. Jason e Rowan acabam sendo os sobreviventes, congelados até séculos no futuro.
Vale lembrar que apesar da parte dramática ser qualquer nota, a violência empregada nesse início é ótima. O Jason de Kane Hodder faz uma pequena chacina, e nem tiros de espingarda são capazes de detê-lo. No máximo, ele é atrasado em seu intuito assassino.
Hodder já tinha experiência no papel, uma vez que fazia Jason desde a parte sete, além de ter feito aparições em filmes tarimbados, como Seven: Os Sete Pecados Capitais em 1995.
Já na outra linha temporal em 2455, é apresentado um grupo de estudo, formado por especialistas estúpidos, bem no estilo que ficaria patente em produções sérias e ricas como Prometheus e Alien Covenant.
A diferença aqui é que a maioria é jovem, estudante, e no torpor da puberdade, resolvem simplesmente mexer e abrir a câmara onde Voorhees estava. Para além da possibilidade de liberar um assassino serial, não é inteligente abrir uma cápsula sem investigação.
Ora, ninguém tinha a obrigação de saber o que a Crystal Lake Research guardava, e os arquivos podem ter sido perdidos, mas é de bom tom procurar saber o que se está mexendo antes de interferir em algo que está guardado. Obviamente que algo dá errado, e a sequência termina com o monstro congelado caindo, com seu facão afiado retirando o braço de um dos rapazes pesquisadores.
Como nesse futuro há nanotecnologia, o membro é reposto facilmente. Isso poderia ter um efeito em terror horrendo, já que Jason fatia jovens, eles poderiam voltar a ter seus membros, para serem dilacerados novamente, mas nem em efeito de piada isso é lembrado de novo, exceto na trama do Uber-Jason.
Nesse futuro, a Terra deixou de ser habitada e os homens vivem na Terra 2. A Grendel, nave que resgata os sobreviventes, tem um design até bonito, dado o caráter paupérrimo da obra.
As cenas estáticas, em CGI eram bem ruins na época, mas a remasterização melhorou esse aspecto, já as cenas com miniaturas são bem legais, dão de fato mais consistência a exploração no estilo Space Opera.
A embarcação é descrita como um catamarã, de categoria 4, uma nave de transporte de carga tripulada por um instrutor e seus estudantes pesquisadores, que se distanciam completamente do estereotipo nerd normalmente relegado aos cientistas.
No interior da nave imperam luzes neon azul, então naturalmente os cenários lembram os filmes de matança dos anos 90, com uma decoração que também faz referência a motéis, inferninhos e prostíbulos.
Outro bom uso do filme é a canção de Harry Manfredini, que remete ao tema do original algumas poucas vezes, mas tem seus bons momentos de orquestra. Em alguns pontos, lembra uma versão mais engraçada do confronto de Kirk e Gorn no episódio Arena de Jornada nas Estrelas: A Série Clássica, com um instrumental crescente, enquanto a ação se desenrola.
Os Efeitos visuais são ok, e tem supervisão de Kelly Lepkowsky, cuja experiência inclui trabalhos não só com Isaac - como em Inimigo Meu - mas também com a ILM, tendo trabalhado em Indiana Jones: A Última Cruzada e A Ameaça Fantasma.
Dentro da base estelar se percebem as funções dos personagens, embora nenhum deles se destaque, e notável a tensão sexual que corre, não só entre os casais assumidos, mas entre professor e algumas alunas.
Todos os personagens são arquétipos e clichês. Tem um maconheiro, um casal que só sabe trepar, o rico ganancioso, o piloto meio caminhoneiro, o gênio da robótica, uma ciborgue, o sargento mal-encarado.
O que não dá para elogiar é a falta de imaginação nos figurinos. Os homens se vestem como rockeiros indie, com blusas que lembram a moda grunge, enquanto as meninas usam roupas muito curtas, ou seja, repetem o que era comum aos anos noventa e 2000, passaram 450 anos e a moda segue a mesma.
Os nomes dos personagens são bem esquisitos: Azrael, Tsunaron, Jalessa, Kicker. A inspiração foram os nicks de um grupo de jogadores do game de MMORPG Everquest que Farmer jogava. Ele inclusive se insere no filme, como um personagem que também era seu nick: Dallas.
Voorhees é famoso nessa realidade, tanto que os homens poderosos aqui pensam como Weems no passado, achando Jason valioso demais para simplesmente matá-lo.
Daí colocam ele para descongelar, e na sala de autopsia - que aliás, não faz sentido, já que eles sabem que ele não está morto - começa a matança. A cena de análise dele é simples e bem-feita, sai uma gosma preta do rosto de Jason ao ser cortado.
Aqui se notam duas boas coisas, primeiro, a variação dos acordes originais de Manfredini, e segundo que coincidência ou não Jason volta no momento em que o filme mostra cenas (no plural) de sexo e/ou insinuações disso. É como se o cheiro do amor ou de fornicação causasse nele o despertar.
Depois disso começa a chacina, a começar pela médica, que tem seu rosto congelado e depois esmigalhado...
Tem uma ótima sacada, com a fotografia assinada por Derick V. Underschultz mudando de textura ao passar pela sala de simulação. Como Jason invade o cenário sem cerimônia, a impressão primária é de basta entrar alguém armado em cena que a realidade muda.
Obviamente que logo isso deixa de ser um fato de confusão.
Jason mata fazendo referências a mortes clássicas nos outros 9 filmes, desde decapitação com um soco até bater na pessoa com o corpo de outra, quando não ele simplesmente quebra colunas, e acerta cabeças na parede.
Como parte da construção genérica dos personagens há um uso largo frases de efeito, algumas bastante descritivas. Não é incomum ver as vítimas fazendo piadas de como elas morrem, enquanto estão no processo de execução.
Farmer parece querer tornar seu texto verborrágico, mas ao esbarrar no fato de Jason não ser Freddy, teve que colocar as piadas anedóticas na boca das vítimas.
Isso bate de frente com o comportamento bastante humano dos sobreviventes, que gritam desesperadamente ao se verem presos e com alguém batendo no lado de fora. Isso acrescenta drama, mesmo que de forma tosca, as meninas correm desesperadas e querem se ver livres daquela situação
Voorhees é cruel, corta soldados no meio, os prende em ganchos, pega pessoas no escuro e os libera quase mortos para causar um efeito amedrontador. Claro que isso e aplacado pelo fato do texto não se levar a sério, mas a atmosfera é bem estabelecida.
Vale destacar a tentativa de bugar Jason, com o melhoramento de Kay-em, a Androide sensual interpretada por Lisa Ryder. Ela que antes tinha dificuldade de se adaptar ao seu par - foi criada por Tsuranon (Chuck Campbell), que dá a entender que faz uso sexual dela... - ganha uma atualização, que a transforma em uma máquina de tiros com visual gótico BDSM, que imita tendências de filmes como Blade: O Caçador de Vampiros, Matrix.
Entre os absurdos não citados está o fato de que Rowan sobrevive na linha do século XXI para nada fazer. Ela entre e sai da trama na mesma condição.
O que de fato é fraco é a construção de Uber-Jason. Seu visual tenta ser arrojado, mas parece apenas uma armadura tosca. Ele que já parecia imortal agora também é tecnológico, e isso pesa contra, parece roubar no jogo.
Algumas referências a Star Trek soam forçadas, como o simulador ser idêntico ao holodech de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração. Outra questão meio boba é a abertura para uma continuação, terminando ambíguo, com a máscara de Jason caindo na Terra 2, e a base estelar Solaris ter sido obliterada sem praticar a mínima resistência ao choque com um cargueiro.
Noel Cunningham disse que houve 8 possíveis cenários para este filme: na Africa, na neve, talvez no polo norte...optaram pelo espaço porque parecia a saída mais inteligente, e dada a galhofa assumida, não dá para dizer que foi uma má escolha.
Como o texto é tão nonsense, o filme acerta ao não se levar a sério e em fazer sequências metalinguísticas, como a simulação do acampamento em Crystal Lake com NPCs que servem de isca a Jason, afirmando que bebem, usam maconha e fazem sexo pré-matrimonial basicamente para deixar ele nervoso e ocupado.
Jason X é injustamente mal falado dentro da franquia, por ser assumidamente mais comédia e sátira do que horror, e nem é como se houvesse um esforço para esconder isso, já que é patente a sua intenção. Seu resultado final é um espécime divertido e muito bem feito dada sua proposta, bem melhor pensado que Jason Vai a Nova York e outras sequências do clássico.
Confira também o nosso especial da franquia, onde reunimos artigos, críticas e análises a respeito de Sexta-Feira 13.
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