Minnesota Clay é um filme europeu de faroeste que ajudou a pavimentar a moda italiana de fazer filmes dentro do gênero de cowboy, mocinho e bandido. Lançado em 1964, foi idealizado pelo brilhante Sergio Corbucci e se insere, tecnicamente, antes do movimento do Bangue Bangue à Italiana ou os Westerns Spaghetti, embora tenha em si vários dos chavões do gênero.
Protagonizado por Cameron Mitchell - que vive o personagem título - narra a história de um homem preso, já perto da fase idosa, que consegue escapar da prisão, basicamente para pegar seu antigo parceiro, que causou o infortúnio de fazer ele ser encarcerado, uma vez que o fez ser culpado por um crime que esse sujeito cometeu.
Em meio a essa jornada, Clay passeia por vários dos clichês que povoariam não só o cinema de Corbucci, como todo o cenário dos faroestes italianos dos anos 1960 e 1970.
Essa é coprodução entre Itália, França e Espanha. Foi produzido pelo não creditado Turi Vasile de Pernas de Ouro e Quando as Mulheres Pecam. O roteiro foi feito por Corbucci e Adriano Bolzoni, que também é o argumentista. Ele escreveu Uma Pistola Para Ringo, Gringo Selvagem e Por Um Punhado de Dólares. Teve colaboração também de José Gutiérrez Maesso de O Califá de Bagdá e Os Maníacos.
O filme se chama originalmente Minnesota Clay e tem poucas variações na nomenclatura, como Le justicier de Minnesota no Canadá, L'homme du Minnesota na França, Balas Assassinas em Portugal e Pistolar Clay na Eslovênia.
O longa foi filmado na Itália e na Espanha, especialmente na região da Catalunha. As cenas de estúdio foram no Elios Studios em Lazio-Roma, rodou momentos em Esplugues de Llobregat em Barcelona, também teve filmagens em Madri, em lugares como Colmenar Viejo, Manzanares el Real, Torrelaguna, La Pedriza, Manzanares el Real.
Os estúdios responsáveis por gerenciar o filme foi a Ultra Film, Jaguar Films e Franco London Films. Foi distribuído pela Titanus na Itália, Video Mercury Films na Espanha, pela Francoriz Distribution na França e pela Harlequin International Pictures nos Estados Unidos.
Mitchell vinha de outros trabalhos na Itália. Ainda nesse 1964 fez o faroeste Atirador Solitário e o Giallo Seis Mulheres Para o Assassino. Seu auge foi nos anos cinquenta, onde fez clássicos como Como Agarrar um Milionário, Ama-me ou Esquece-Me e Voltei a Ser Homem. Na dublagem inglesa do filme, Mitchell fez não apenas a sua voz, mas dublou também os personagens de Georges Rivière e Antonio Casas.
Já Sergio havia feito alguns filmes épicos, ou que ao menos tentavam ser assim. Havia feito as cinebiografias "lendárias" de Rômulo & Remo e O Filho de Spartacus, também realizou a comédia A Vida Íntima de Suas Excelências e o terror Dança Macabra.
O início dos créditos o nome de destaque é o de Mitchell, que vem inclusive antes do nome do filme. Depois do título, vem o nome de George Rivière, que na época assinava George Riviere. Ele interpreta Fox, o antigo parceiro, que traiu Clay. Após a introdução é mostrado um lugar montanhoso, bonito, habitado por pessoas em situação.
O lugar é uma pedreira, onde pessoas fazem um trabalho braçal bizarro de quebrar pedras, sob o olhar vigilante de homens fardados de azul, com espingardas que prontamente acertarão quem não obedecer qualquer ordem dada.
Ali há homens brancos, pretos, mexicanos, todos de origens diversas, que trabalham no sol, desesperados. Clay é mostrado trabalhando ali, como um sujeito comum. Ele é desafiado por um colega de trabalho, que o ataca e acaba caindo na água, depois que ele desvia.
Ao cair na água, o sujeito quase se afoga, mas é salvo justamente por ele, ao passo que o homem se sacrifica para salvar seu quase algoz, ele também rapta e rouba o doutor Stevens, de Julio Peña - dublado na versão em inglês pelo conhecido ator de voz John Stephenson - mas não faz mal a ele, só o usa para se livrar da vigilância dos agentes da ele. Clay é tão confiante que permite que o doutor fique com uma arma, que poderia ter sido usada contra si, mas obviamente não foi.
Sua fuga tem o motivo ligado a tentativa não só de revanche, mas também para liberar-se da culpa. Ele era um pistoleiro que foi preso por um crime que não cometeu e que começou a perder a visão na cadeia.
Ele sabe que terá pouca saúde e tempo, quer gastar ambos na busca por Fox. Sua fuga é ligada também a um conflito com autoridades, já que Fox se tornou um xerife, quase como um coronel de uma cidade, regendo o lugar com mão de ferro.
Clay é muito bom, não só como atirador, mas também em comportamento. Em pouco tempo de tela ele salva Estelle, a mulher do general Ortiz, interpretada por Ethel Rojo, de pistoleiros bandidos, depois visita túmulos de pessoas de seu passado.
Quando enxerga as lápides, ele treme, a vista embaça, parece um prenúncio de que em breve ele também cairá, além de ser um anúncio de que ele deve ter pressa.
Ele encontra Fox, agora como alguém benevolente, ao menos, supostamente. Como delegado, ele decide poupar o amigo e o poupa no primeiro momento. Ele parece querer se aproveitar da presença do personagem-título, embora não fique claro qual é o seu intuito. Talvez ele tenha confiança em si tão grande que acredita que poderá dobrar Clay ou possivelmente deseja ser perdoado por ele.
Clay se associa a geração mais nova. Passa seus dias junto a um casal, a bela Nancy (Diana Martín) e ao jovem Andy (Alberto Cevenini), encontra também o velho Jonathan Mulligan, um personagem conhecido seu, interpretado por Antonio Casas que é pai de Nancy.
Corbucci filma bem. Consegue variar entre estilos, aborda formas clássicas de filmar, em planos horizontais mais longos, tal qual o que ocorre na forma clássica de filmar do cinema estadunidense western e movimenta a câmera rapidamente para ângulos mais fechados, especialmente ao mostrar Clay passeando de cavalo pelo rio.
Clay pede ajuda ao general Ortiz, personagem do icônico ator espanhol Fernando Sancho, veterano de obras como Uma Pistola Para Ringo, Django Mata por Dinheiro, O Dia da Desforra, Ódio por Ódio e Se Encontrar Sartana, Reze Pela Sua Morte.
Para ter chances de enfrentar seu antigo amigo ele mira arrumar a ajuda do mexicano, no entanto, a caracterização do sujeito é caricata. Ele é pançudo e sujo, aparece se saciando de frango de maneira porca, se emporcalhando com a carne e gordura da ave, no meio de um cenário desértico.
Logo depois de comer ele aparece manejando objetos sujos, como moedas, como se a vida dele se resumisse a apenas isso, usufruir do vil metal e comer e beber sem qualquer modo, como um porcalhão.
Fox envia os homens ao rancho Mulligan, para matar Clay, acabando assim com o suposto armistício que eles tinham.
No decorrer da história há algumas cenas constrangedoras tecnicamente, especialmente quando aparece Sancho, com o líder revolucionário bem destacado, claramente com uma luz diferente das que estão os seus soldados atrás. Problemas de orçamento e agenda, aparentemente, obrigaram a filmar a sequência de forma diferenciada, com trechos diferentes.
Corbucci previu a onda dos Zapata Westerns, colocando os latinos como parte da trama, eventualmente até atacando o herói, já que acha que foi ele quem roubou o ouro de Ortiz.
As viradas do roteiro são mostradas de maneira abrupta, inclusive a traição de Estella, que emboscou o seu par sem um motivo bem demonstrado, embora esse sempre fosse grosseiro com ela. Além de demonstrar que as pessoas são vaidosas e orgulhosas nessa trama, também fica claro que ninguém aqui é confiável.
Há ótimas cenas, como a sequência de perseguição a noite, onde os pistoleiros de Fox tentam pegar Clay, após descobrirem sua fuga. Os uniformes dos capangas são bonitos, escuros, pretos, lembram fardas da segunda guerra, estilosas, mas sem deixar de lado a caracterização de cowboys.
Clay derrota todos, alguns como Scratchy (Gino Pernice) ainda caem de forma dramática, não voando, como seria comum dentro dos clichês dos faroestes italianos, mas ainda assim bem mais emocionante que uma simples queda de mortos nos filmes de ação ocidentais.
O protagonista ainda faz toda a jornada com a sua vista piorando. Aos poucos ele perde o sentido da visão e para ter vantagem, ataca a noite, onde a visibilidade de seus inimigos diminui, aumentando assim o nivelamento entre as partes.
A música de Piero Piccioni é muito bonita, dá um épico a aventura, ambienta. Ele fez O Bandido Giuliano e O Desprezo e esteve em trilhas de filmes hollywoodianos, como O Grande Lebowski e O Lado Bom da Vida. Sua trilha resgata drama e tragédia em seus acordes, dá peso as mortes e aos conflitos.
Como era comum em sua filmografia, Corbucci não faz de Clay um herói. Ele não tem receio em se assumir como um sujeito fora da lei, tanto que flerta com o banditismo. Ao menos é um fugitivo, que só sacia com a vingança plena, que é tão inconsequente que se permite ficar cego e inválido, só para pegar seu alvo.
As coisas terminam bem para ele, entregue a polícia, justificado, com óculos que supostamente corrigem seu problema de visão e claro, vivo. No final, ele até dispensa suas lentes, atirando nelas no ar. Fica patente que seus olhos melhoraram, quase que por milagre. Isso é uma saída tola, mas demonstra que ele está acima da normalidade do velho oeste. É quase uma deidade.
Minnesota Clay é um bom apontamento para o que viria a ser os westerns spaghetti. É uma bela exploração temática, com personagens divertidos e bem construídos e por mais que não seja exatamente da parte do movimento dos bangue-bangue à italiana, ao menos é um trabalho que ajudou a pavimentar todo o gênero informal, além de ser um dos trabalhos mais inspirados e inspiradores de Sergio Corbucci.
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