Nemesis é um filme bastante curioso dentro da já singular filmografia de Albert Pyun. Lançado em 1992 com a alcunha Nemesis: O Exterminador de Androides, o longa se localiza no futuro de 2077 e se apropria de uma estética pós-apocalíptica que lembra Cyborg: O Dragão do Futuro, que é outro filme do diretor que eventualmente analisaremos.
Essa versão começa com um close em Alex Rain, personagem de Oliver Gruner. Sua apresentação é estilosa, lembra um pouco o que viria ser o outfit comum aos personagens de Matrix, com trajes escuros e óculos de sol. Ele aparece parado enquanto uma voz em off explica a desolação daquele mundo e a destruição ecológica pela qual passou o planeta Terra.
Uma organização terrorista conhecida como Hammerheads do Exército Vermelho domina o globo, já a humanidade é comandada por um grupo criminoso, conhecido como The New Model.
Rain segue tentando sobreviver, buscando pessoas para formar um exército de resistência, variando essa busca entre humanos puros, robôs e ciborgues. A ideia fixa dele é derrubar o tal regime, mas o filme claramente é mais preocupado em arrumar desculpas para exibir corpos esculturais, tiroteios sem maquiagem além de gerar possibilidades de demonstrar quanto o trabalho de maquiagem é competente.
O diretor havaiano estabelece aqui um clima noir, tal qual foi em Viagem Radioativa, mas as cores sobressaem, assim como os acordes de um jazz instrumental. A paleta de cores serve para antecipar sentimentos, sensações e acontecimentos.
Alex é um protagonista bastante canastrão. Ele ganha a atenção do público graças a sua presença, mesmo não tendo um desempenho dramático razoável. Acaba sendo uma figura física marcante e afeita a extremos até nos vestuários. Ele aparece boa parte da trama sem camisa e quando não, está super vestido, com sobretudo e roupas bastante pesadas, especialmente no início do filme.
Já no início se notam os belos efeitos de maquiagem criados por David P. Barton, supervisionados Gene Warren Jr. No início as interferências são mais tímidas, satisfatórias até, ainda mais se levar em conta a proposta barata do filme, mas no decorrer do longa o quadro muda, melhora, há uma escalada de qualidade positiva nas próteses e partes mecânicas dos personagens.
Considerando que Pyun havia feito o filme Capitão América apenas dois anos antes, é indiscutível a subida de qualidade. A situação aqui é bem mais inventiva. Claramente em uma história original o cineasta dispunha de maiores liberdades em criar e conduzir história.
O roteiro de Rebecca Charles é bastante pitoresco, para dizer o mínimo. Não há uma linha narrativa muito organizada, o personagem de Alex vai e volta na linha temporal, mostra passagens de tempo que não fica claro se passam no passado da sequência anterior ou no futuro.
Já no início é bem difícil ignorar algumas "tosquices", como o herói correndo com várias camadas de casacos em um cenário de obras. O chão é repleto de areia, com morrinhos e um aspecto de lixão. A produção quer fazer crer que o canteiro de obras é uma representação de quanto o cenário no geral está desolado, restando apenas a desesperança no geral.
Já os opositores de Rain usam roupas diversas, algumas monocromáticas, outras exageradamente coloridas, há moças com vestidos curtos, enquanto outros se vestem com camadas e mais camadas de casacos.
A moda em 2077 é bem variável, mas prioriza claro a possibilidade de mostrar carne afinal, é preciso que um filme tenha seu apelo comercial para plateias que buscam pela seminudez feminina.
Alex é parte máquina e esse é um diferencial em sua configuração. Ele leva muitos tiros de Rosaria, uma personagem de visual curioso, que utiliza uma calça bastante apertada, que valorizam as curvas de Jennifer Gatti, mas segue vivo, sem grandes problemas.
Ela aparenta ter alguma importância na trama no início, mas é facilmente descartada, como a maioria dos personagens aliás. Aqui as pessoas entram e saem sem muita cerimônia.
É maravilhoso como Pyun faz uma transição temporal. Depois de um "trauma", o personagem central aparece em Baja, New America, acompanhado do cão que ele salvou antes e que claramente não tem sequer a mesma cor da versão mais jovem. Possivelmente o diretor colocou um filtro alaranjado na outra cena para tentar- sem sucesso - mascarar que o Husky Siberiano adulto não tinha tantas semelhanças com o anterior.
Alex teve um affair ao que parece, com Jared (Marjorie Monaghan), uma sintética renegada, cujo visual é andrógeno. Essa personagem é introduzida junto com outra moça, que anda com ela como se fosse um casal, inclusive com penteados que combinam.
Pyun e Charles já previam parte do que seria o visual da população dos anos pós 2020, levando em conta obviamente o que era comum na década passada ao filme, nos anos oitenta. A busca por um referencial nos anos 1970 e 80 nesse caso escancara o quanto o mundo encaretou, já que inserir um personagem assim não é um aspecto tão diferencial na obra.
Jared é uma personagem comum, que não se torna uma entidade alienígena por isso, ao contrário, ela é parte de um universo e de um cenário comum. Fosse posta hoje em dia em tela, certamente chamaria a atenção da parte mais conservadora de comentaristas, que acusariam ela de ser parte de uma agenda lacradora, da cultura woke ou seria acusada de qualquer comentário preconceituoso e canalha genérico.
O protagonista por sua vez reaparece já recuperado, com mais inserções mecânicas, corte militar e visual simples. Ele aparenta estar mais focado também, mais concentrado em sua missão.
Não demora a mostrar outra linha temporal, que só se diferencia das outras graças aos penteados e perucas de Alex (que agora estava cabeludo, ele troca de visual tal qual uma diva pop) conversando com um sobrevivente sobre as dificuldades de recrutar gente para sua inglória luta.
Se a trama parece confusa graças a jornada cheia de reviravoltas e troca de figurinos, aos manos as batalhas são bem divertidas e inventivas. A coisa fica mais séria quando a trama viaja para Shangloo, em Java. Esse cenário parece ter influências do reino do Japão, mas seu cenário é claramente litorâneo, em Hawai'i Volcanoes National Park no Hawaii.
O excesso de informação também destoa e chega a ser engraçado. Quando entra em um novo cenário Alex avisa verbalmente que chegou em Shangloo, mesmo depois da cartela denunciar isso.
Há muitos personagens, como Billy, que é um vilão de faroeste interpretado que aparece nu, observando o herói de longe. Para surpresa geral, ele é interpretada por Thomas Jane., que teria participações em O Justiceiro e O Nevoeiro.
Há também o veterano Cary-Hiroyuki Tagawa - de diversos filmes de artes marciais como Massacre no Bairro Japonês e Mortal Kombat - fazendo Angie-Liv, um dos homens de moral dúbia, que aparece associados aos vilões.
O elenco aliás é cheio de gente hoje conhecida, como Jackie Earle Haley, o Rorschach de Watchmen, que aparece no final, Brion James de 48 Horas e O Quinto Elemento, que faz um dos capangas do chefão, e claro, o principal vilão, Tim Thomerson, ator acostumado a peças trash como Patrulheiros do Espaço, Águia de Aço além de outras tantas aparições nos filmes de Pyun, como Dollman: 33cm de Altura...E Atira e A Exterminadora. Ele faz o Comissário Sam Farnsworth, um dos chefões do crime.
A narrativa não linear faz pensar que a intenção era fazer um pot-porri das aventuras de Alex, uma reunião de momentos bizarros, como um compilado de uma série de ação. E funciona.
Há vários bons momentos, como a morte do androide Michelle (Vincent Klyn), bem-feita demais. Os efeitos práticos têm normalmente soluções muito bem resolvidas.
Outra curiosidade é mesmo tendo muitos momentos de nudez não aparecem somente mulheres. Há uma quantidade boa de homens expostos, incluindo o personagem central, com um plano detalhe em seu traseiro que insiste em se repetir durante a exibição.
Os momentos nonsense sobem de grau, como gente dando tiro na parede ou no chão, no formato dos corpos, improvisando portas para conseguir mudar de cômodo. Ainda rola uma filmagem próxima do rosto do herói que é sensacional, em meio a uma operação de algumas de suas partes robóticas.
Pyun manda bem nisso, mas pesa a mão nos figurinos e nas armas falsas. O ápice é quando uma senhora bastante idosa retribui a agressividade de um ciborgue atirando nele, matando sem pestanejar mesmo que seus braços estejam tremendo em todos os instantes da sequência.
Esse trecho reúne os momentos mais inspirados da equipe de maquiagens também no que tange ferimentos. Tanto os machucados quanto as partes robóticas são bem urdidas, não parecem artificiais, imitam bem partes reais dos corpos humanos.
Se o filme não tem grandes cenas de luta ao menos possui boas coreografias e acrobacias. Os interpretes claramente tem boa noção de danças, especialmente os mais jovens.
Um personagem que acerta um tiro faz isso dando um salto perfeito de um teto para o chão. A personagem - e principal alvo do herói - Max Impact é uma boa demonstração disso. Ela que é feita por Merle Kennedy tem uma boa importância para a milícia que se tornaria o ponto central da luta contra o Regime e é assim basicamente a sua boa forma e as suas habilidades.
Há zero dramaticidade, depois que personagens importantes morrem, seus aliados choram por um momento e segundos depois já fazem piadas infames. Ou esses tempos tornam as reações em algo instantâneo no quesito evolução, ou o roteiro é tão mal engendrado que não passa gravidade para o espectador. A balança pende mais para a segunda opção, obviamente.
A sequência do avião e o esqueleto de stop motion que Sam se transforma é difícil de engolir, feito pela Fantasy II Film Effects. Ela termina com o antagonista explodindo de maneira tosca, na borda de um vulcão.
Esse desfecho poderia facilmente ser melhor pensado. Fica a sensação de que houve pressa da parte dos produtores, o que é uma pena, pois destoa de toda boa construção até então.
Nemesis: O Exterminador de Androides é errático, mas é divertido demais. Suas qualidades são muitas, parece algo grande demais para as suas restrições orçamentárias, tanto que se tornou uma franquia de quatro filmes, além de mostrar ao público que sobrava inventividade ao cineasta, para além da filmografia bastante irregular que ele seguiu até sua morte recente.
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