Réveillon Maldito é um filme de horror que pega carona na popularidade de produções como os gialli italianos e Psicose, se baseando no tropo de fazer terror em uma data festiva. Lançada em 1980, é uma obra dirigida por Emmet Alston.
A exploração começa de forma curiosa, com uma tomada aérea, sobre um grande prédio. Por conta dessa introdução e graças a época em que se passa, acaba tendo a coincidência de ter sua introdução semelhante ao clássico de ação Duro de Matar, com Bruce Willis, que seria lançado anos depois,
O que de fato é curioso é que esse é um filme de matança anterior a grande moda dos slasher movies. Até o seu lançamento, havia ocorrido poucas obras desse segmento, como Halloween: A Noite do Terror em 78, Sexta-Feira 13. O cenário em que o estilo seria moda ocorreria após o lançamento do filme analisado.
Logo são mostrados alguns personagens, a maioria adolescentes ou jovens adultos, com estilo, vestuários e personalidades absolutamente genéricos. Também ocorrem ataques de um assassino de luvas escuras, quando uma moça está prestes a entrar no chuveiro.
É curioso como essa apresentação lembra a construção dos vilões de filmes giallo, onde o assassino usa roupas escuras e tem sua identidade escondida ao longo da fita. Em Reveillon Maldito, a condição do assassino não é um mistério, ao contrário, já no início é mostrado quem é o matador.
Dessa forma a ação é direta, deixando para depois o desenvolvimento e a explicação dos métodos do psicopata ao longo da história. No Brasil o filme foi lançado apenas em fitas cassete VHS, pela antiga Globo Vídeo. Anos depois ele teve uma boa remasterização, da SHOUT e pode ser assistido em serviços de streaming, eventualmente.
A obra se chama New Year's Evil no original. Há poucas variações, como Año nuevo satánico no México, Fin de año maldito na Espanha. Em Portugal se chama Ano Novo Sangrento e na Alemanha Ocidental chamada Rocknacht des Grauens.
Foi financiado pela Cannon Group, distribuído pela Cannon Films e foi rodado na Califórnia, com cenas em Los Angeles, Hollywood. Teve gravações na Hollywood Boulevard, Golden Arrow Liquor, Oxnard Street, Van Nuys Drive-In Theatre, North Hollywood.
A direção de Alston é pontual, discreta e parecida com o que era comum aos filmes de John Carpenter e Sean S. Cunningham. Ele vinha de poucas experiências no cinema, havia dirigido apenas um longa, a comédia Three-Way Weekend e anos depois, seguiria com a Cannon, em Ninja- Programado Para Matar e A Força do Ninja e em outras produções de ação e horror como Demônio do Espaço.
O roteiro é escrito por Leonard Neubauer (Run for the Hills e Serpente Negra), baseado no argumento dele e do cineasta, e contém produção da famosa dupla Menahem Golan e Yoram Globus, que nesse mesmo 1980, haviam produzido Esquizofrenia e Experiência Fatal, ambos no filão do terror, além do sci-fi musical A Maçã.
Apesar de não ser creditado como tal, Christopher Pearce foi quem cuidou da maior parte das tarefas de produção. Ele recebeu o crédito de produtor associado e sua carreira inclui serviços em outras peças do cinema B, como X-Ray: Massacre no Hospital, Resgate no Iraque e Noites de Terror (Night Terrors).
O longa teve produção executiva de Billy Fine de Correntes do Inferno e Buraco Infernal e Mark L. Rosen de Alligator: O Jacaré Gigante e A Espada e os Bárbaros.
Após a primeira cena de violência, o filme passa a dar foco em um grupo de roqueiros, meninos e meninas cujo visual varia entre o comum ao movimento punk e o new wave. Eles são garotos rebeldes, alguns parecem andrógenos e/ou efeminados, cometem pequenas infrações, agem como vândalos.
Mesmo causando balbúrdia fica bastante claro que eles são bem mais velhos do que tentam aparentar, alguns até possuem uma calvície indisfarçável, fato que é bastante denunciado em tela.
A parte musical aliás é bem importante para o tema e para a narrativa do filme, já que a noite da virada tem tudo a ver com apresentações de bandas, em um grande show beneficente, que é encabeçado pela apresentadora Blaze, personagem bela e voluptuosa, que se chama Diane Sullivan e é interpretada por Roz Kelly da série Happy Days e do telefilme A Maldição da Viúva Negra.
Durante a transmissão há algumas performances de conjuntos bons, como a Rock Band Shadow e a Made in Japan. Além do concerto há também uma música original bem orquestrada, assinada por Laurin Rinder e W. Michael Lewis. Todo o clima de suspense só funciona graças a essa trilha instrumental, que aliás foi muito alardeada, tendo até anúncio de venda de discos nos créditos finais, embora ele jamais tenha sido comercializado.
Boa parte do subtexto do filme conversa com as fases do rock que eram moda no final dos anos 70 e começo dos 80, brincando com a transição entre movimentos.
Essa época ainda imperava o Punk Rock de Ramones, Clash e Sex Pistols, mas tinha uma forte concorrência do ritmo da New Wave - cujos expoentes contam com The Runaways, Talking Heads, Dead Boys.
Aqui é tratado que esses dois estilos se misturam, não só pelo que toca no palco central, mas também graças a aparência dos musicistas. É bem estranho, uma vez que essas duas tribos normalmente eram rivais, não se misturavam,
No bojo da exploração da rebeldia é tudo misturado, com gente usando couro em jaquetas e cabelos coloridos, além de muita maquiagem até nos homens. Como estão todos misturados, é fácil confundir quem é quem, tanto no espectro da identidade sexual quanto no caráter musical.
Ainda existiam as gangues de motoqueiros, espelhadas nos Hell Angels, também há muita gente fantasiada, tantas que lembra até um desfile de carnaval. Cada um desses aspectos é facilmente identificado no longa, o que torna a experiência em assistir ao filme numa viagem interessante à década de oitenta.
A trama principal segue mostrando os bastidores da vida pessoal de Blaze. Logo, Derek Sullivan (Grant Cramer) é apresentação, como um rapaz com aspirações artísticas, que é inseguro e quer se tornar ator.
Ele é filho da apresentadora e sua primeira cena já demonstra a obsessão que ele tem pela figura materna - tão grande que flerta com a condição de Complexo de Édipo. Assim que avista Blaze ele conta uma novidade, de que trabalharia com entretenimento, já que passou em teste para atuar em um seriado de televisão.
A mulher simplesmente o ignora, faz pouco caso da nova notícia, mas não fica exatamente claro se ela desdenha do filho, se ela considera que ser ator de TV não é grandes coisas, ou se a mulher só não deu tanta atenção por estar ocupada. O mais provável é que seja um misto de todas essas possibilidades, com ele podendo ou não ter feito isso sem maldade.
O rapaz espera por seu pai, que não é mostrado nesse início e claramente parece que ele e Diane não vivem o melhor dos momentos. Aparentemente a ideia seria referenciar um divórcio, mas há de lembrar que a época, em 1980, isso era um tabu maior do que é hoje.
O assassino volta a atacar, e ao fazer isso é exibicionista, já que liga para o programa de Blaze, emulando a condição do assassino do clássico A Noite do Terror. Além disso, ele faz uma voz estranha, grave e atravessada, tendo assim muitas semelhanças com o horror natalino.
O sujeito se auto proclama Evil - Maldito ou Malvado, segundo as traduções brasileiras - e lembra O Estrangulador de Nova York de Lúcio Fulci, lançado dois anos depois, onde o psicopata finge ter voz de pato.
Em algumas mortes também se notam referências a filmes desse tipo, como um assassinato com saco plástico – que é inclusive pôster de Black Christmas – e outros momentos que envolvem elevadores, que seriam referenciados até em produções futuras, como no desconhecido Em Pânico.
Entre os números de mortes, há vários momentos ótimos, como quando a enfermeira para de ficar com um rapaz para avisar a ele que só o conhece há dez minutos, seguido da mesma relação quase sexual que ocorria antes. Essa moça, como qualquer outra que fizesse menção a transar, foi punida com a morte, se tornando uma das vítimas de Evil.
O roteiro tenta parecer profundo, com Derek fazendo monólogos estranhos, sobre morte e desejo de matar. Não fica claro se é preparação para o papel ou se de fato ele está tendo um colapso mental, motivado pelo abandono parental ou pela influência do assassino psicopata.
Fora isso há nele mais do que apenas tristeza pelo desprezo de sua mãe. Ele nutre sentimentos mistos por ela, um pouco de fascínio, raiva e possivelmente uma vontade incestuosa.
Ele utiliza peças de roupas femininas para esconder seu rosto, parece estar provando figurino, possivelmente ensaiando para um papel, mas não necessariamente o da série em que passou e sim do criminoso dissimulado homicida.
As regras de matança slasher não estavam muito bem definidas em 1980 e isso se percebe no assassino, vivido por Kip Niven, que até usa disfarce para executar as pessoas, mas revela o seu rosto para a lente da câmera muito cedo.
O que é revelado só depois é o parentesco dele com alguns personagens. Ele é Richard Sullivan, pai de Derek e marido (ou ex-marido) de Blaze. Possivelmente o sujeito enlouqueceu graças a natureza expositiva do trabalho de sua esposa.
Como ela é uma pessoa bonita, desinibida e preocupada apenas em aparecer a despeito até de pautas conservadores, o homem embarcou na condição exibicionista dela, se entregando a insanidade por conta da pressão social e claro, ciúmes.
Ao menos é esse o argumento normalmente usando para justificar seu ímpeto homicida. Considerando que o texto base o condena, é possível afirmar que o script é bem progressista, especialmente se comparado aos seus primos de gênero.
Assassinos seriais moralistas e misóginos são arquétipos comuns a filme de horror. Nesse aspecto, Reveillon Maldito é idêntico aos slashers genéricos. Evil mata mulheres que desejam sexo e como seus ataques ocorrem justamente em uma época onde boa parte das pessoas bebem e se sentem mais emotivas e carentes, o cartel de vítimas aumenta, já que boa parte das moças procura alguém para ser o seu par. Richard aproveita sua beleza e elegância, provoca as mulheres, vai até elas, as seduz e as mata, deixando pelo menos uma morte para cada hora exata.
Esse método é criativo e caiu muito bem, já que leva em consideração a chegada do ano novo em cada fuso horário, especialmente os das cidades da América do Norte. Há um anúncio com pompa, mostrando a virada em localidade como Chicago, Illinois, na Times Square em Nova York, Aspen no Colorado e Los Angeles, Califórnia, sempre ocorrendo uma morte.
Uma diferença cabal para o que ocorre com assassinos em série famosos, é que Evil não é tão metódico ou preso as regras. Fora o fato de deixar um cadáver por hora, não há muito método, ele até mata mais de uma menina por hora quando tem oportunidade.
Ele ataca em lugares diversos, bares, hospitais, até em um cinema drive in, interrompendo um casal que tenta transar e está assistindo trailers de filmes grindhouse.
Entre as produções citados nominalmente estão Banquete de Sangue (1963) de Herschell Gordon Lewis, Blood Bath (1966) de Jack Hill e Stephanie Rothman e o italiano A Rainha Vermelha Mata 7 Vezes (1972) de Emilio Miraglia.
O filme é divertido, possui um ritmo rápido, mal se percebe o tempo passando. A motivação do vilão é curiosa e machista, guarda semelhanças com o que atualmente se chama de incel ou os celibatários involuntários.
Ele considera que todas as mulheres são com sua esposa, as chama de manipulativas e mesquinhas, dignas assim de morrerem. Entre os fãs de filmes de horror, há que defenda que esse foi o primeiro vilão incel do cinema, ou ao menos um dos primeiros. Visto por esse ângulo, essa questão não foge muito da realidade.
Reveillon Maldito tem uma estrutura semelhante a de um thriller, com um personagem que está acima de tudo e todos, e que tem motivação torpe, toda baseada em sua relação com Blaze/Diane.
Ele prende sua musa a um elevador, mostrando ser completamente insano, tanto que ele se joga do topo de um prédio como se não fossa nada. Mergulha para a morte de maneira silenciosa, sem alarde, delicado como uma pluma. Ele se espatifa no chão sem nenhum efeito sonoro exceto a música.
Ao final se abre a possibilidade de Derek repetir os pecados do pai. A questão parece forçada, mas a realidade é que o filho nutre várias semelhanças com o assassino. Ele usa a máscara que o pai manejou o filme inteiro, foi dele a sugestão de que o pai fosse ao hotel, por exemplo.
Outro fator sempre lembrado é que, segundo um policial que analisou as mortes, havia indícios nas vítimas de que os ferimentos foram foi feitos por alguém que nutria ódio pela mãe. A impressão que fica é que esse ou era um despiste ou o personagem de Richard também tinha rejeição a própria mãe, mas averiguando bem, talvez Derek e ele estivessem em conluio.
Pouco antes da ação final, Richard afirma que fez tudo aquilo pelo filho, então ao menos na motivação havia algo ali, havia um sentimento possivelmente compartilhado, fato que aumenta as chances de haver ali uma cooperação mútua.
É uma pena que ele não tenha tido continuações, pois mesmo que tenham personagens patéticos, tudo é muito animado, divertido e maluco, além de que datas de virada não são tão exploradas em filmes de terror.
Réveillon Maldito é um bom filme de horror, especialmente para quem gosta de trasheiras. Ele tem seus momentos absurdos, um vilão icônico e vingativo, de moral dúbia e visual marcante. Poderia ser mais sangrento, mas dada a projeção da Cannon, já era esperado que não fosse pautado pelo gore. Ainda abre possibilidade de legado, tanto na trama quanto para uma continuação, que jamais veio, o que de fato é uma pena.
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