Tropas Estelares: um conto político espacial por Robert A. Heilen

Tropas Estelares: um conto político espacial por Robert A. HeilenTropas Estelares é uma Space Opera lançada em 1959 que narra a história de Juan Rico, um jovem que com grandes pretensões na carreira militar que se alista para um confronto bélico espacial. O romance de Robert A. Heinlein é um marco da ficção científica, vencedor do prêmio Hugo e referência quando o assunto é ação espacial, servindo de inspiração para artistas como James Cameron, especialmente em Aliens: O Resgate e Avatar.

O livro moldou tudo o que se pensa atualmente sobre batalhas espaciais com robôs e mecas, animes como Neon Genesis Evangelion e a série Gundam, são exemplos disso no oriente, enquanto no ocidente produções como Círculo de Fogo. de Guillermo Del Toro e quase tudo que envolve porradaria de robôs bebe diretamente da fonte de Heinlein.

Na primeira orelha da edição da Aleph há um bom comentário, sobre a narrativa: "os historiadores parecem nunca chegar a um acordo sobre como devem chamá-la, 'Terceira Guerra Espacial (ou Quarta)', ou se 'Primeira Guerra Interestelar' seria melhor", e essa questão dúbia é um mote explorado dentro da narrativa.

A confusão de nomenclatura é mais que mero bla-bla-bla, é uma artimanha estratégica, de modificar a narrativa a respeito da verdade de acordo com a demanda que o governo exigia dos alistados para a guerra, ao menos segundo a narração em primeira pessoa do personagem Rico é.

Heinlein foi muito criticado na época do lançamento do livro. Chamado de fascista, por quem não entendeu que o livro fez uma crítica a uma sociedade exageradamente militarista, e de comunista por parte dos leitores mais conservadores, que encararam o texto como uma condenação ao modo bélico que os Estados Unidos segue desde que se tornou independente.

O curioso é que dentro do escopo narrativo, seu personagem central nem sequer é estadunidense, é filipino, mas ainda assim a ideia por trás de um estado forte, intervencionista e que se vale do medo para incentivar seus jovens a entrar nas fileiras armadas é uma extrapolação do ideal bélico idealizado pelos Estados Unidos da América.

Há uma eterna discussão sobre o intuito de Heinlein ao escrever esse livro, se a ideia era glorificar o modo e visão militares, se era aludir a Guerra Fria que tomava o mundo em nos anos cinquenta do século XX justapondo forças capitalistas como Inglaterra e Estados Unidos a União Soviética marxista, ou se era uma mera constatação de que o modo de vida humana corria risco de não mais existir graças a inerente característica humana de sempre entrar em conflitos.

Tropas Estelares: um conto político espacial por Robert A. Heilen

Robert A. Heinlein, já idoso, autografando o livro.

Fato é que períodos de guerra facilitam o avanço da tecnologia, dada a demanda por armamentos e equipamentos estratégicos e mesmo no pós-guerra o consumo a produtos derivados dessa tecnologia certamente são abraçadas por mercados consumidores.

Desse modo, ficção científica (ao tratar de guerra) pode ser encarada sempre como ficção tecnológica, como bem apontado no estudo acadêmico do Aranhas gigantes comunistas e um capitalismo morto de Raphael Silva Fagundes, e partindo desse princípio, é natural que o monopólio cultural também colaboraria dentro do esforço e dos avanços de forças dos EUA e da URSS.

Olhar para o governo de Joseph Stalin, - político e soberano soviético mais emblemático da união socialista de nações - como alguém inimigo do mundo após o tratado de união contra as forças nazistas na Segunda Guerra foi um movimento defendido por Winston Churchill, autoridade britânica na 2ª Guerra Mundial, mas foi imitada a exaustão mesmo após a vitória sobre os alemães. Dessa forma, para os Estados Unidos, era preciso não só estar na frente na corrida armamentista e na corrida espacial, mas também na ideia cultural e na ideologia que se ramifica a partir da produção cultural, nos livros, cinema, seriados.

É aí que entra o romance de Heinlein. Há um bom trecho, no artigo citado, que ajuda a definir parte das diferenças ideológicas entre soviéticos e ocidentais.

O imaginário que faz parte da situação na qual a ciência é produzida influencia diretamente na motivação do cientista de realizar suas pesquisas. Eduardo Dorneles Barcelos mostra que havia “uma diferença de motivação entre os cientistas soviéticos e ocidentais” quanto à necessidade futura de expandir a humanidade para outros planetas: “os primeiros acompanhariam Konstantin Tsiolkovski no otimismo da expansão do potencial humano no espaço, enquanto os segundos apontariam que esse processo decorreria de conflitos sociais, geradores da migração para o espaço exterior”

Os adeptos da URSS achariam portanto que o progresso levaria a conquista de outros mundos de maneira mais pacífica, via ideia. Já os ocidentais acreditavam que as guerras ajudariam a realizar a expansão cósmica, e essas interpretações influenciariam a produção do Sci fi da época de Heinlein.

Fato é que biógrafos do autor, como Éric Picholle e Ugo Bellagamba lembram que o Heinlein se filiou ao movimento EPIC (End Poverty in California), um partido a esquerda quase radical, mas aparentemente, após seu ingresso na academia naval norte-americana entre 1929 e 34, ele teria mudado sua ideologia.

Algumas atitudes que provariam isso residem em posições suas, como ter se colocado contra as restrições aos testes nucleares em 1956. Já no ano de 1961 o escritor defendeu abrigos contra bombas e a posse não regulamentada de armas.

Dada a leitura de que os impérios antigos tiveram seu declínio exatamente quando abriram mão do poderio expansionista e intenção bélica, é natural que Heinlein visse o comportamento soviético como algo ruim, como uma infestação, como a praga dos insetos ou aracnídeos, e desse modo, os humanos atacarem Klendathu, o planeta natal dos insetos faz sentido, mesmo que eles estivessem parados, estáticos, longe da Terra.

Curiosamente os registros históricos dão conta que Stalin enquanto líder da URSS desencorajava outras nações a provocarem seus próprios movimentos revolucionários. Uma visão normalmente atribuída aos americanos é que essa atitude era meramente um despiste, e a leitura de Tropas Estelares faz pensar que Heinlein era adepto dessa ideia.

Ao mesmo tempo em que a estratégia ideal seria uma ofensiva, era preciso construir os antagonismos como igualmente expansionistas, mesmo que não fosse o caso, a exemplo de Stalin.

A Terra está em um futuro não muito distante, sob a tutela de uma federação interplanetária, mas bem diferente da utopia que Gene Roddenberry instituiria em 1966 com seu Jornada nas Estrelas. Aqui, homens e mulheres são cidadãos apenas após servirem como militares nas forças armadas.

O cidadão tem direito a voto, tem maior facilidade burocrática para estudar e até para ter filhos a liberação é mais facilitada. Todo o controle está na mão do Estado, que prepara os jovens para ir até a guerra, e o faz dopando-os, uma vez que eles estão sob efeitos de drogas injetáveis, com preparação hipnótica, usando subterfúgios para adequar a mente a obediência suprema.

A narração em primeira pessoa de Rico garante imersão e um senso de naturalidade ímpar, uma vez que conversas com o psiquiatra militar e os sonhos de um garoto apaixonado são postas lado a lado, como parte da rotina comum de um alistado cidadão.

No treinamento, os sargentos que preparam os soldados coisificam os recrutas, chamando os soldados de macacos, repetindo que entre equipamentos e treinamentos, cada um custou meio milhão de unidades monetárias sejam elas quais forem.

Os alistados são números, ao contrário do que se fala sobre o papel social do cidadão.

Gasta-se mais tempo de leitura situando como são os treinamentos do que a batalha em si. As incursões descritas no início são demonstrações do poder de fogo dos homens, um recado e uma movimentação simbólica não só do treino dos soldados, mas também para os insetóides, já que são lançados armamentos nos planetas, para fazer o inimigo entender o potencial de fogo da Federação.

Mesmo que o combate seja frio e sem embate físico direto em um primeiro momento, a opção é em atacar lugares esmos, na ânsia por demonstrar aos aracnídeos que facilmente poderiam destruir uma cidade ou lugar habitado.

Todos lutam, até o capelão, que reza as crenças para motivar as tropas, como também gente do operacional, cozinheiros e redatores (que é o que se entende por imprensa nessa realidade) partem para o embate. Ninguém é dispensado, todos estão a disposição, todos são substituíveis, exceto as pessoas de alta patente e a inteligência de guerra.

Antes de desembarcar o alistado fica na escuridão total, embrulhado "como uma múmia", mal pode respirar- a descrição de Heinlein quase faz o leitor sufocar junto ao soldado raso.

Num primeiro momento, eles enfrentam seres humanoides magrelos e de muito calor corporal, os escravos dos aracnídeos, que podem servir de paralelo aos países socialistas fora da União Soviética. Isso também serve para desatar alguns nós e dúvidas humanas, como o desejo de não se alistar, que Johnny tinha no início. Rico foi influenciado por seu amigo de infância Carl.

Ele era abastado financeiramente, herdeiro de uma fortuna familiar e ajudava financeiramente Carl, que por sua vez, era um sujeito academicamente eficiente, um prodígio, inteligente demais para sua baixa idade. Para alguém de uma família de poucas posses, seguir carreira militar era natural, mas o pai de Johnny certamente queria que o filho seguisse outros rumos.

A ideia de castas é bem estabelecida, com o Rico Sênior acusando o Serviço Federal de ser inútil e parasitário, um gasto desnecessário de recursos públicos.

Mais tarde a percepção desse personagem muda, graças a uma experiência pessoal e emocional, mas até aqui ele parece resoluto, e até tenta comprar o filho, oferecendo a ele uma viagem para Marte.

Mas Johnny já havia sido convencido, não só por Carl, mas também por seu professor de história, um veterano de guerra chamado DuBois. Sujeito é mal encarado, pouco se importa se os alunos absorvem o conteúdo programático, já que claramente não acredita na propagação teórica. Ele é arrogante e desdenha dos livros passados, e debocha da literatura marxista.

É anti-intelectualidade e está na função de docente por ter sido afastado graças a seu aleijamento. O personagem é calculado milimetricamente para causar no protagonista o desejo de servir, nem que para isso tenha que ir para a guerra.

Uma das diferenças cabais do filme para o livro é Carmen Ibañez. Aqui ela não namorava Rico, era a menina popular do colégio, que não ficava com a mesma pessoa duas vezes, e era o sonho romântico do rapaz. Fora isso a trajetória é parecida, ela também se alista, trabalha como piloto, e eventualmente o caminho de ambos se cruza.

Ao perceber essas características é natural que o leitor dessa resenha intua que os personagens são desumanizados, mas não. Os novatos se assustam, são nervosos e demoram a compreender o tamanho do juramento das forças armadas. São privados do sono, privados da presença do sexo oposto, se tornam operários, como formigas respondendo a rainha, iguais aos insetos que combatem.

As intenções dos militares de alta patente são descritas pelos homens rasos de maneira sui generis.

Todo recruta tinha a convicção de que aquilo era pura maldade, sadismo calculado, a alegria perversa de idiotas inconsequentes que gostavam de fazer os outros sofrerem...

Rico chega a conclusão de que deve desistir, a mesma que alguns de seus colegas também tem. Acha que o sofrimento empregado era um risco calculado, e pensa em largar a infantaria móvel, desiste de se retirar após receber uma carte de seu mento, o professor de História e Filosofia da Moral, não sabendo que o mesmo DuBois que lhe ministrou aulas era também um coronel.

Rico é prolixo, demora a descrever a ação, mas Heinlein não é bobo, e mostra através dessa narração alguns fatos históricos banais e conhecidos, que se diferenciam da nossa realidade.

Os Estados Unidos entraram em colapso, a sociedade era tão ultra violenta que as crianças andavam armadas e agrediam pessoas que cumpriram penas de prisão assim que elas entravam em parques e praças públicas.

O punitivismo tomou conta do ideal social, cenas de violência explícita se tornaram comuns e a alternativa dos governos foi a de apelar ao ultra militarismo.

Também se fala que esse "estado" só parou na época da guerra entre a Aliança Russo-Anglo-Americana e a Hegemonia Chinesa. O próprio narrador não percebe a sutil mudança de postura oficial e política da federação, que vai de estado de paz para estado de emergência e depois estado de guerra.

Os historiadores ficam confusos, não tem unanimidade ao definir o nome do conflito central do livro, enquanto na ponta de baixo, os soldados chamam popularmente como A Guerra dos Insetóides. O que se estabelece bem é o pretexto para enfim atacar os inimigos desconhecidos.

A tragédia em Buenos Aires é descrita de maneira distante, bem diferente do filme. Mais tarde, é revelado que a mãe de Rico morreu na Argentina, já que viajou para lá, mas sem o marido.

Rico até pensa se deveria se culpar ou sentir remorso, ou se deveria condenar o pai que não estava lá, fato é que ele nem tira folga ao saber tardiamente da perda. O soldado usa a destruição da cidade argentina como o momento em que os civis se tornaram mais favoráveis a guerra.

Até então os civis eram vistos pelos soldados como pessoas covardes, que não querem ação e buscam sempre um estado de bem-estar social meio fresco (termo esse utilizado por Rico), mas são arrogantes demais, ao ponto de querer controlar os conflitos também. Militares e não cidadãos parecem ter uma guerra fria particular, interrompida apenas pelo estranho ataque a América Latina.

O pai de Rico então decide se alistar e conversa de maneira emotiva com o filho, mas não abre tanto o coração. Decide então ir para a infantaria e não tem dificuldades, mesmo sendo 22 anos mais velho que o filho. Ele gasta sua energia se preparando, treinando e essa outra trajetória reforça a ideia que Paul Verhoeven e o roteirista Ed Neumeier tornam mais evidente no filme, que a guerra contra os insetos era falsa, um engodo, que visava apenas enganar o povo para que ficasse tenso e suscetível as sugestões da Federação.

Tropas Estelares: um conto político espacial por Robert A. Heilen

No último capítulo se fala sobre o regimento dos insetos, que não se socorrem, não são solidários uns com os outros, não se auxiliam se um estiver ferido. Isso nutre a ideia de crítica aos socialistas, uma vez que na visão conservadora e caricata dos Estados Unidos, os comunistas não se protegeriam.

No entanto, fica a pergunta, se eles não têm capacidade de cooperação, poderiam ter pensamento complexo para pilotar naves? Não há registro de nenhuma, e sendo assim, um povo sem capacidade de voar pelo espaço, conseguiria lançar um asteroide contra um planeta anos luz de distância?

A operação realeza mirava capturar uma liderança entre os inimigos, a rainha, em uma estrutura que foi utilizada em Aliens por Cameron. Nesse ponto também se fala bastante dos insetos cérebros, que seriam os estrategistas táticos.

A partir do quinto final do livro, a narrativa migra para uma exploração mais prática, onde o show da tática é exibido. As palavras ficam bem mais emocionadas e o nível de explicação é do mais alto nível.

Rico parece ter entendido a teoria e lê bem a ação que ele, seu pelotão e outros cardumes de soldados empregam. Nos ataques da infantaria, usavam apenas armas de curto alcance, pois era perigoso acertar alguém com fogo amigo, já que a distância entre soldados nas tocas dos insetos era curta.

Essas incursões só aconteciam porque os radares detectavam bem adversários a distância, mas não era tão precisos quanto os olhos humanos próximos desses ninhos.

Tropas Estelares: um conto político espacial por Robert A. Heilen

Próximo do desfecho, aparecem as ações dos humanos sensitivos, que são os estrategistas maiores entre os federados, bons o suficiente para fazer pensar se talvez são eles controlando os aracnídeos.

No entanto Rico se preocupa mais com o operacional e menos com esses detalhes, abrindo a possibilidade para até ele estar sendo controlado. Seu ideal é descrever a movimentação dos insetos como algo do cotidiano, enumerando o andar deles como o som de toucinho fritando.

Há uma boa descrição nos túneis e é nessa parte que as ações se tornam violentas, repleta de mortes e infortúnios. O protagonista tem baixas entre seus amigos, e quase morre também, desacordando e sendo resgatado depois.

Tropas Estelares é um livro interessante por subverter as lógicas da guerra, por colocar humanos em perigo constante e por denunciar ainda que subliminarmente o mal que um governo autoritário fascista pode fazer aos seus cidadãos. Heinlein tinha uma ideologia enviesada para a direita, e isso obviamente compromete a leitura, mas também ajuda a determinar como era a cultura ocidental da época, semelhante ao mesmo movimento que abarcava os filmes do agente secreto James Bond ao longo da década de 1960 e tantas outras obras que utilizam sua iconografia para falar do seu tempo.

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