Amaldiçoados: o conturbado filme de Lobisomens de Wes Craven

Wes Craven costumava fazer todo tipo de filme dentro do gênero do horror. Até 2005 já havia lidado com fantasmas, vampiros, assassinos em série, terror sobrenatural, faltava uma obra sobre lobisomens e Amaldiçoados veio para suprir essa lacuna. A parceria entre o diretor e Kevin Williamson tem uma premissa legal, que gira em torno de dois irmãos, Ellie e Jimmy. Os dois vivem normalmente sua rotina até sofrer a interrupção de uma estranha criatura animalesca no começo do filme, obviamente ligado a licantropia.

O maior problema do longa reside em sua figura de medo, já que é difícil não se decepcionar com a forma com o que o lobo é mostrado, desde a transformação, que é o ponto alto desse tipo de produção, até a ação com bonecos de CGI, que simplesmente não convencem.

O comportamento dos transformados é tão ou mais vergonhoso que os efeitos visuais. Os irmãos agem baseados em instintos depois de ter contato com o monstro, se valem de feromônios, atraindo para si a atenção sexual de terceiros. Se em Um Vampiro no Brooklyn as atuações exageradas soavam charmosas dado que o visual as aplacava, o mesmo não se pode dizer dessa produção.

Uma das críticas frequentes em relação ao filme tem a ver com a dupla de irmãos, já que há evidentes semelhanças entre o plot desse com o longa canadense Ginger Snaps/Possuída, de John Fawcett, lançado nos anos 2000, que também tinha como ponto focal uma dupla de irmãos sendo atacados por um lobisomem, com transformações ocorrendo entre elas (são duas meninas, no filme citado), mas Amaldiçoados tem problemas maiores do que apenas a coincidência de protagonistas familiares.

A questão realmente grave é que o roteiro apela para momentos de humor involuntário, como quando Jimmy uiva para os cães de sua rua. A partir daí a obra acaba parecendo descompromissada com a seriedade, e até onde se sabe, isso não foi planejado na ideia original.

Entre os chavões recorrentes do cinema de Craven estão os encontros de jovens com monstruosidades, famílias disfuncionais, pesadelos terríveis, especialmente em relação a constrangimentos banais, incluindo uma cena onde literalmente um dos personagens tem um sonho ruim, e acorda nu, no quintal.

Picture of Jesse Eisenberg in Cursed - jesse-eisenberg-1438027281.jpg | Teen Idols 4 You

Craven escolheu pontuar seu filme com uma trilha repleta de referências ao Rock, começando com Lil Red Riding Hood, música clássica sobre Chapeuzinho Vermelho, executada em uma versão moderna pela banda Bowling For Soup. Também tem Sick, do Seven Wiser (que atualmente, se chama Fallzone), que referencia o Metal Alternativo misturado ao Grunge que era hit no começo dos anos 2000, e You'll Never Catch Me de Steve Harwell, vocalista da banda Smash Mouth, conhecida por misturas de Ska e Pop Rock, ou seja, se alude a tudo que fazia sucesso.

O elenco é repleto de atores com certa fama no começo da década de 2000 como Shannon Elizabeth que vinha de American Pie e Eu Sei O que Você Fizeram no Verão Passado, Portia de Rossi que fez Pânico 2 e Arrested Development, o sujeito que faz o valentão enrustido Bo é feito pelo futuro astro de Heroes e This is Us - além do filho de Rocky Balboa no filme homônimo - Milo Ventimiglia, e outros que ganhariam fama depois como a sumida Kristina Anapau, Judy Greer de De Repente 30, e Michael Rosenbaum o Lex de Smallville. Fato que o elenco se entrega, cada um deles tem uma caracterização própria e particular, personalidades únicas não faltam e isso faz a obra fugir da máxima de que Filmes de Matança apresentam apenas corpos bonitos e sarados que nada acrescentam dramaticamente.

O que realmente empobrece o filme é o seu ritmo, e esse problema está longe de ocorrer somente graças a montagem. A história foi modificada dezenas vezes antes e depois das filmagens começarem, e essas revisões não conseguiram ser melhor trabalhadas graças também ao final do seriado Dawson's Creek que tomou o tempo e energia de Williamson na época.

Mas nada é tão mal pensado e arranjado quanto o lobisomem. Há uma clara vergonha da produção e do diretor em mostra-lo em detalhes, dada a configuração péssima que ele teve dentro da computação gráfica que foi utilizada.

ArtStation - Cursed (2005)

Mal dá para perceber como é o focinho do bicho, seu perfil ou mesmo o corpo peludo. Bob Weinstein, produtor da Dimension pediu que mudanças fossem empregadas nos efeitos, depois de mais de 90% do filme já ter sido rodado.

Suas exigências incluíram mudar a classificação indicativa para que adolescentes pudessem ir desacompanhados, além de substituir os efeitos práticos de Rick Baker (oscarizado pela maquiagem de Um Lobisomem Americano em Londres e Ed Wood) em favor de um CGI que claramente não era avançado para as pretensões do estúdio.

Isso obviamente datou muito negativamente o filme, e o fez parecer uma peça que causa risos involuntários.

Maxime Bey-Rozet on Twitter: "Wes Craven, Cursed (2004) https://t.co/MBRh1GmYph" / Twitter

A premissa também foi bastante alterada, e a relação entre os personagens foi completamente pervertida. Jimmy e Ellie sequer eram irmãos no roteiro original, e além disso, o texto era mais sangrento e menos bobo do que a versão que chegou aos cinemas.

"O contrato exigia que fizéssemos um filme com classificação R. Fizemos. Foi um processo difícil. Então (o corte) foi tirado de nós e cortado para PG-13... Dois anos de trabalho, quase 100 dias de filmagem, várias versões descartadas (...) o estúdio achou que poderia fazer mais dinheiro com um filme PG-13. Achei completamente desrespeitoso e doeu, foi como se eles tivessem dado um tiro no meu pé com uma espingarda.” afirmou Craven, descrevendo o corte que foi exibido nos cinemas.

Não há como negar que há boas ideias, mesmo com a execução comprometida pelos problems de produção.

Dentro do arco de Jake (Joshua Jackson), namorado de Ellie, há uma boa caracterização de como funcionam os bastidores da indústria de entretenimento. Ele trabalha na produção de shows musicais e temáticos, e nesse interim, há uma discussão sobre o quão sujo é o ambiente do show business.

O longa é esperto, por demonstrar como as relações são torpes e possivelmente abusivas dentro desse espectro, e dado que um dos produtores executivos é Harvey Weinstein, a obra acaba sendo vista hoje como irônica e profética. No entanto, nem essa corruptela era novidade, já que esse foi um comentário também presente em Pânico 3, o único da saga até então sem participação de Williamson no texto, e lá o dedo na ferida é bem mais explícito.

Há se esperar que algum dia, o material filmado por Craven finalmente seja lançado, com todos os designs de Rick Baker, ainda que valha lembrar que a altura que as mudanças ocorreram, somente 90% do filme tinha sido rodado, então, ainda carece de um final.

Há uma versão dita como sem cortes/unrated, que tem cenas estendidas que são bastante bem-vindas. Os momentos em que a Becky de Shannon Elizabeth aparece cortada pela metade, se arrastando atende as expectativas dos fãs do gore, assim como as cenas de sonho de Ellie se transformando, mordendo o pescoço de Jake, além de outras de transição corporal.

Cursed (2005) - IMDb

Até a o trecho onde o cão da família Ziper ataca Jimmy melhora ligeiramente. Judy Greer também parece mais ameaçadora neste corte alterado. O monstro já estabelecido também fica melhor apresentado, especialmente nas tomadas de longe.

O longa é dedicado a Dan Arredondo, alcunha de Daniel K. Arredondo, produtor desse, de Pânico 2 e 3, Música do Coração e Drácula 2000, e terminar o filme certamente se tornou uma missão que Craven deveria e quereria cumprir, e ainda assim ficou longe de ser como ele e seu antigo parceiro da trilogia Pânico gostariam.

Amaldiçoados acerta ao mostrar os monstros transformados como sedutores e irresistíveis, associando a sexualidade e a tentação oriunda a uma questão primitiva e instintual, mas ainda é pouco, resultando em uma das obras mais complicadas da carreira do cineasta.

Avatar

Comente pelo Facebook

Comentários

Deixe uma resposta