De feitoria discreta, seguindo a escola tradicional americana de cinema, a estreia em direção de longas-metragens de Natalie Portman é assertiva, adaptando a obra literária e autobiográfica de Amos Oz, em De Amor e Trevas. O filme conta a história do jovem Amos (Amis Tessler), que vive com seus pais, cercados de livros diversos, de história, artes e filosofia, em uma Jerusalém em guerra.
Como era de se esperar de uma atriz/cineasta, Portman tem um papel de destaque, reunindo em sua Fania Oz o maior conjunto de nuances e sentimentos conflituosos possíveis, excetuando claro o menino biografado. Curiosamente o enfoque no infantil não faz diminuir a dose cavalar de apologia a religião da obra original, manifestando o judaísmo e identidade israelita.
A trajetória de mãe e filho se confundem, com flashbacks e momentos atuais, aludindo a um duplo protagonismo. Da parte de Fania há a rejeição trocada entre ela e sua figura materna, além de uma tradição que a oprime ao extremo, causando nela a necessidade de se auto punir. Ao descobrir os pecados dos adultos a sua volta e se ver sendo vítima de bullying no colégio, o rapaz não vê outra alternativa, a não ser também começar a se auto punir, fator que certamente o ajudou a alcançar a empatia que é vista em suas obras literárias, materiais esses carregados de emoção, compaixão e boa noção da alma de seu povo, ao menos em termos vitimistas.
O filme produz uma mensagem um tanto ambígua, enquanto os homens velhos louvam a fundação do estado de Israel e a volta oficial dos habitantes a sua terra, há também a dúvida no olhar da criança sobre a questão envolvendo a contraposição do nacionalismo e rivalidade entre judeus e árabes, ainda que esse último aspecto seja bastante superficial se comparado tanto ao louvor a bandeira quanto a questão da depressão profunda, sofrida pela mãe.
A capacidade de discutir um mea culpa por parte dos integrantes da população israelita mora na psique debilitada de Fania, ainda que sua doença dê margem para outras tantas opressões, inclusive a da figura feminina em uma sociedade machista por tradição. De Amor e Trevas romanceia a realidade, o que não é um pecado capital, uma vez que seu narrador é ainda uma criança, mas também apresenta camadas interessantes e profundas, da parte da identidade de um povo que já foi oprimido e que hoje vive uma situação calamitosa, tanto como agressor quanto como agredido.
- Filipe Pereira é crítico e editor do site Vortex Cultural
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