Eu sei o que vocês fizeram no verão passado é um filme lançado em 1997 que brinca com elementos do cinema slasher e com o gênero conhecido como suspense. É uma obra lembrada por ter sido escrito pelo roteirista Kevin Williamson, que é um dos criadores da série Pânico nos cinemas, e acabou se tornando uma das mais populares obras do cinema do gênero horror dos anos noventa.
A trama gira em torno de quatro amigos adolescentes, interpretados por gente bem mais velha do que tenta aparentar. Os quatro tem em comum um segredo, sobre um pecado do passado que insiste em retornar, colocando todos os envolvidos em perigo de morte.
Williamson tinha esse texto escrito antes de Pânico, mas não conseguiu vender ele. Após o sucesso do filme de Craven, ele enfim teve chance de adaptar o texto para o cinema. Com o tempo o roteirista lapidou elementos e colocou tudo no longa lançado em 1996, restando a Eu Sei O Que Vocês Fizeram em aspecto semelhante a de um rascunho do que Pânico seria, com breves elementos de desconstrução do gênero Filme de Matança, mas sem o mesmo aprofundamento metalinguístico e desconstrutivo.
Dessa forma, o longa se apropria dos clichês, remói e digere eles, entregando os jargões de uma maneira mais séria, semelhante ao que se fazia nas franquias Sexta-Feira 13 e Halloween.
O longa é produzido por Neal H. Moritz, Erik Feig e Stokely Chaffin. É dos estúdios Mandalay Entertainment, distribuído pela já citada Columbia Pictures e teve produção executiva de William S. Beasley.
Vale lembrar que a Columbia foi processada, por utilizar indevidamente o nome Pânico em material de divulgação, tanto que só se verifica dizeres como "do mesmo criador de Pânico" nos primeiros pôsteres.
Sua trilha sonora possui músicas chicletes, com participação de bandas como Korn e Offpring. A escolha é cuidadosa, no sentido de evocar os sucessos da época, no entanto, acaba denunciando a idade do filme. É difícil ver uma seleção como a do longa em uma obra que não se localiza entre a década de 1990 e começo dos 2000.
Enquanto a introdução é feita, há uma grande cena aérea, que sobrevoa a costa e as montanhas de Southport. Essa é uma das poucas cenas fora da Carolina do Norte, já que foi rodada em Jenner, California. As outras sequências são filmadas em Durham e na própria Southport.
O quarteto de protagonistas, não demora a aparecer. São eles o playboy Barry William (Ryan Phillippe), a aspirante a modelo e atriz Helen Shivers (Sarah Michelle Gellar), a futura advogada Julie James (Jennifer Love Hewitt) e o jovem sem perspectivas de futuro Ray Bronson (Freddie Prinze Jr). Eles são amigos, com Barry e Helen formando um casal enquanto Ray tenta se aproximar de Julie, já que é apaixonado por ela desde sempre,
A maioria dos personagens que circundam o quarteto são desimportantes, incluindo até os adultos.
Fora o assassino - que seria apresentado muito tempo depois - e uma testemunha introduzida só na segunda metade do filme, há Max, um rapaz baixinho e forte, interpretado por Johnny Galecki, que ficaria famoso pela sitcom The Big Bang Theory anos depois e que aqui, se coloca como possível interesse romântico de Julie. Obviamente que não há nenhum desenrolar mínimo de um triangulo amoroso entre ele, Ray e a menina, o sujeito está na obra apenas para fazer número e para ter uma morte agressiva mais tarde.
Os 4 se reúnem na praia, conversam em volta de uma fogueira, e falam de uma história de terror, cada um conta uma versão sobre um assassino com um gancho na mão, evidenciando a condição de que em uma lenda urbana, é difícil determinar o que é verdade, o que é mito e o que não é, já que versões do mesmo conto.
O roteiro não enrola, mostra a discussão entre os mocinhos e imediatamente depois, traz o asfalto para o centro dos acontecimentos, onde os meninos viajam e dirigem de maneira imprudente, com o motorista bêbado e sem atenção na estrada.
Isso resulta em um atropelamento, que modificaria a vida de todos, que poderia destruir a possibilidade de futuro deles, mas acaba causando uma culpa absurda e uma sina, condição essa que parece inevitável.
Essa não enrolação pode ser encarada como algo positivo, já que o filme não parece gorduroso, não gasta tanto tempo para ir ao assunto central. Mas isso também incorre em uma fragilidade na construção.
O roteiro se baseia no romance da autora Louis Duncan, que não gostou nada da tradução que o filme fez. No livro, há um drama mais ligado a culpas de ex-combatentes, já que é um romance sobre o pós-guerra do Vietnã. A escritora reclamou bastante, achou que o longa simplificava a dramaticidade da obra.
Curioso que na década de 2010 o livro foi reeditado de forma "modernizada", trocando a "guerra", localizando a trama no pós-Guerra do Iraque e não Vietnã, incluindo celulares e adventos mais tecnológicos, para que os novos leitores não estranhassem isso.
Isso não faz qualquer sentido, até por conta de a tecnologia sempre avançar. Em dez anos, tudo muda intensamente, desse modo um livro teria que ser renovado sempre ou em muito pouco tempo. A solução obviamente foi muito criticada e feita a revelia da autora.
Fato é que o desempenho dramático do elenco não é bom, sendo até risível em alguns pontos. A direção que Jim Gillespie propõe contém é cheia de reações exageradas, histriônicas, terrivelmente mal encaixadas. O elenco pseudo-juvenil parece formado por pessoas bidimensionais, por caricaturas do que deveria ser um jovem americano.
O comentário ácido sobre filmes de assassino inexiste aqui. Não há quebra de quarta parede, tampouco crítica social ou ao formato. O diferencial dessa para outras obras é que aparecem recados, nos lugares próximos dos personagens e em determinados pontos da cidade, afirmando que alguém sabe do crime feito lá atrás, do assassinato e da não prestação de socorro deles.
Sobre o fatídico 4 de julho inicial, a ideia de não prestar ajuda parte de Barry, que é o dono do carro, portanto a pessoa que poderia ser mais incriminada.
Ele não quer saber quem é a vítima, não se preocupa em tentar socorrer o sujeito, apenas pede para que eles finjam que ele é o homem da mão de gancho da lenda urbana e convence os amigos a ajuda-lo, jogando o corpo do atropelado no mar.
Ao menos nesse início há alguns sustos, como na cena em que o sujeito acorda e tenta de desvencilhar dos seus malfeitores. A sequência termina com ele abrindo os olhos na água. A música de John Debney pontua bem a tensão, e isso é mais efetivo até do que o pacto de silêncio deles.
A trama avança um ano e os quatro que pareciam jovens promissores não seguiram bem, estão melancólicos e sem perspectivas. Julie volta para casa, nas férias, encontra Helen, que retornou de Nova York subitamente. A cidade continua inalterada, já a moral dos quatro, jamais voltou a ser a mesma.
Enquanto a personagem de Hewitt seguiu, a de Gellar recuou, não conseguiu tocar a vida artística, não se sabe se foi por azar, por falta de talento ou por uma motivação contaminada pelo remorso. Já os rapazes ficaram na cidade, com rotinas quase inalteradas no pós-formatura, com um trabalhando com o pai, enquanto o outro desfruta do dinheiro de sua família abastada.
Não se detalha muito bem qual foi o destino do atropelado. Segundo a averiguação de Julie, um corpo foi encontrado três semanas depois, preso em uma rede de pesca, a causa da morte alegada foi afogamento acidental. Ela deduz que foi sujeito alvejado por eles.
No entanto essas informações não são conferidas, não são testificadas por qualquer agente público de autoridade, é apenas uma conclusão que uma adulta pós-adolescente tirou ao verificar porcamente em um banco de dados na internet. Se atualmente é preciso checar o mesmo fato várias vezes, imagine em 1997.
Independente de qual for a identidade do sujeito que perturba os protagonistas, fato é que o homem é criativo e brincalhão, pegando seus alvos em momentos de vulnerabilidade, sempre deixando eles em posições de desconforto, mesmo explorando o hobby de cada um deles nesse interim.
Barry é atropelado pela própria sua BMW, mas é deixado vivo só para ter ciência de que está sendo perseguido. Aos poucos, os outros jovens sofrem com interações semelhantes, com ataques pontuais, sem contato direto com o bandido, mas ainda assim tem momentos intensos.
O visual do matador é simples e efetivo. Ele usa uma capa de chuva e um gancho, tem o rosto coberto de uma forma que fica um mistério sobre quem ou o que ele é.
Poderia ser a pessoa acertada antes, poderia ser alguém que conhecia o atropelado, um fã da lenda urbana do sujeito com gancho no lugar da mão ou alguém que os ouviu e decidiu assustar os meninos.
A trama só gira graças a ação das duas moças, invertendo os papéis do patriarcado, uma vez que são as mulheres os seres ativos nesse slasher. Nesse ponto, o texto parece se inspirar nos Gialli italianos, nos filmes de assassino que normalmente mostram mulheres fortes e decididas, eventualmente sendo até as assassinas.
Julie e Helen decidem investigar na parte da cidade para além do pequeno lago. Lá encontram Melissa "Lissy" Megan (Anne Heche), que é irmã de David, rapaz que se formou em 1992 e que morreu no 4 de Julho do ano anterior.
A dupla acredita que David pode ser a chave para entender quem é o assassino e ao conversar com elas, Megan diz ter encontrado um rapaz chamado Billy, nome esse que não coincide com nenhum aluno conhecido delas. As informações parecem todas desencontradas, sendo desenroladas de maneira atropelada mais próximo do final, com algumas dessas resultando apenas em pistas falsas, que inebriam o ideal de Julie.
Um subtexto interessante é que praticamente não há adultos na trama. Os pais dos quatro são distantes, exceção a mãe de Julie - que é devidamente ignorada pela filha - Williamson usa a estética dos filmes de horror antigos para denunciar o mal do abandono parental mesmo entre pais presentes em casa.
Isso já se viu em Pânico, também em A Hora do Pesadelo e em outros clássicos do cinema de horror slasher, é um clichê comum, mas que aqui é bem utilizado. Se os jovens falassem com qualquer pessoa mais velha, certamente teriam soluções fáceis e melhores para os seus dramas, seriam auxiliados e teriam mais armas contra o vilão.
Não fazendo isso, apelam para a condição imatura do público alvo jovem, que enxerga nas gerações anteriores gente ultrapassada e tola. A autossuficiência dos adolescentes e pós adolescentes acaba sendo criticada e de maneira justa, afinal, é pretensão demais achar que ao chegar a vinte poucos anos (ou menos) se viveu tempo suficiente para ter todas as respostas possíveis, ainda mais as existenciais.
A ausência de uma figura forte no lar é bem denunciada com a invasão do peixeiro a casa de Helen. Na ação do invasor fica a dúvida se ele é ironicamente cruel ou se é um completo fracasso enquanto homicida, já que quando entra no recinto, ele não machuca a moça, apenas corta os seus cabelos.
A ideia de fazer uma tortura psicológica esbarra no fato de que ele parece risível. Errado ou não ele de fato ele atinge a garota, que se sente menor depois que tem um dos seus símbolos de beleza alterados e sem direito de escolha.
Ele é infame, esconde o corpo de Max no porta malas de um carro e enche o lugar de caranguejos, para depois retirar tudo de maneira tão rápida que parece ter superpoderes. Essas partes beiram o fantástico, abrindo margem para entender que o filme não se leva a sério. Certamente a apreciação nesse sentido seria melhor aproveitada, se o longa se assumisse de fato como uma paródia, suas fragilidades ao menos pareceriam charmosas. Mas não é o caso.
O script tenta soar a sério, até propõe um subtexto social, mostrando a parte da cidade onde David morava como um lugar carente de recursos e da atenção das autoridades, enquanto na parte nobre, os jovens ricos podem viver livres, sem responsabilidades, tão isentos de consequências que até os seus crimes não tem graves problemáticas, mas até essa ideia parece irreal, inteligente demais para a porca caracterização do filme.
Outro fato curioso é que o elenco é todo formado por caucasianos, a despeito de grande parte da população da Carolina do Norte ser negra. Considerando que parte da trama tenta discorrer sobre extratos sociais, esse ponto é impossível de ignorar, mesmo porque até a personagem que passa dificuldades financeiras (Melissa) tem a pele em uma tonalidade semelhante ao leite,
A hipocrisia acaba imperando nas motivações e atitudes dos protagonistas. Julie é apresentada desde sempre como o ideal de moça preocupada com o bem-estar de todos, no entanto, claramente faz isso única e exclusivamente por vaidade, para posar como a pessoa preocupada, a linda garota idealista.
Ela tenta parecer a mais baqueada, mas não consegue, uma vez que ela seguiu os seus planos, mal ou bem. Acaba soando como um pastiche de Sidney Prescott, uma versão deprimida da scream queen feita por Neve Campbell, mas sem o carisma, apelo e motivação do seu par. Fosse relegado o papel de moça em crise para Helen, faria mais sentido, mesmo Ray tem mais motivos para lamento, já que é um pescador, não tem dinheiro e tem sua rotina estagnada.
Até Barry está emocionalmente mais comprometido do que a pretensa final girl. Os outros três ficam na cidade, abraçam o simbolismo do fracasso e mesmo que Prinze e Phillippe não sejam grandes atores, acabam tendo um desempenho mais crível do que Hewitt.
Claramente escolheram Julie para ser a pessoa com quem o público se importará unicamente por ela ser bonita. Quase todas as cenas que exigem desempenho dramático são dignas de riso, tanto que tiveram mais impacto ao ser parodiadas em Todo Mundo em Pânico.
Como Julie é o ápice da virtude, suas ações finais de dividem entre ela assumindo o seu pecado para Melissa e entre perceber finalmente que sua ideia geral sobre o sujeito atropelado estava errada. Curioso é que o script a louva por chegar enfim a esse pensamento, mesmo que as conclusões dela não tivessem qualquer fundamento além do palpite barato.
O cúmulo do absurdo é que os heróis acertam a real identidade do sobrevivente procurando na internet, em uma pesquisa pré-Google. De fato, era um grande feito, ainda mais se considerar que alguns anos depois a rede mundial conta com tantas mentiras espalhadas, necessitando de filtragem para não confundir fato com falsidade.
O peixeiro/homem do gancho é Ben Willis, um sujeito interpretado por Muse Watson que carrega o remorso de ter perdido sua filha, que namorava com David. Ele culpa o rapaz pela morte da menina, matou o irmão de Melissa e estava se livrando do corpo dele, quando foi atropelado pelo quarteto. De certa forma, Julie e os outros fizeram uma justiça poética.
O que de fato não faz muito sentido - ainda mais em um filme que tenta parecer realista - é o fato de Ben ter se guardado por 365 dias, se escondendo para atacar somente no dia do aniversário de sua quase morte. Tudo bem que esse é um aspecto retirado dos filmes de matança antigos. O Terror da Serra Elétrica e A Vingança de Cropsy brincam com esse clichê, mas apresentar isso nos anos 1990 e ainda querer parecer uma obra de desconstrução do gênero não faz sentido, até por conta de não ter aqui qualquer comentário ácido ou tom de paródia.
O Dia do Terror por exemplo tem esse mesmo aspecto, se passa em um feriado, tem um assassino com trauma no passado, mas carrega uma ironia muito bem-vinda. Valentines é de 2001 e tem a mesma fórmula, só que mais madura.
Fica patente que o assassino não é exatamente humano, em alguns pontos, parece até ter poderes, tal qual ocorre com o sujeito que imita Harry Warden em Dia dos Namorados Macabro. A diferença é que esse filme esse aspecto é mais direto e levado com seriedade e aqui isso é muito mal explorado.
A batalha final tem seus momentos, especialmente por se passar em um cenário diferente, na parte interna de uma embarcação, mas como confronto, empolga pouco. Depois de toda a celeuma, é dado no final que um ano se passou, os sobreviventes seguiram suas vidas e Julie está mais linda do que nunca, super segura de si, mas não sem ter uma cena confusa, com um gancho para a sequência, devidamente ignorada no filme dois, diga-se. Houve um final diferente, anticlimático, com a menina recebendo um e-mail, com a mensagem eu ainda sei....
Os produtores decidiram seguir com o susto ao invés de tentar "inovar", referenciando a uma forma de comunicação da nova geração, entre outros fatores, graças a Gillespie, que odiou o desfecho com e-mail. As audições testes acabaram provando que o cineasta estava certo e deixaram o desfecho da forma como foi para os cinemas.
Eu sei o que vocês fizeram no verão passado não é uma obra inspirada, parece genérica e sensacionalista. O gore é moderado, possui poucas surpresas e quase não há violência gráfica. Seu ponto mais positivo certamente é o humor involuntário, já acaba acidentalmente sendo hilário. Nem o aceno a data festiva de Dia da Independência salva ele da mesmice, resulta em uma história de vingança com consequências sérias, mas com personagens quaisquer.