Memórias de um Homem Invisível é um filme curioso e pitoresco. Ele é dirigido por John Carpenter e estrelado pela dupla Chevy Chase e Daryl Hannah e é uma das produções menos conhecidas do cineasta, mesmo sendo distribuído pela Warner Bros.
A obra reúne elementos de horror, suspense e comédia romântica. O texto se baseia no livro de H. F. Saint, Memoirs of a Invisible Man e não no clássico Homem Invisível de H. G. Wells. Tem roteiro do trio Robert Collector, Dana Olsen e William Goldman trata dos momentos de tensão, mas sem qualquer seriedade.
Chase interpreta Nick Halloway, uma analista da bolsa de valores que tem uma postura de valorizar somente seus tentos. É foca demais em trabalho, supervalorizando suas ideias e interesses pontuais.
Diante de uma situação limite ele muda sua postura e passa a valorizar as coisas pequenas e simples da vida.
O começo do filme se dá com uma música grave, composta por Shirley Walker, conhecida por conduzir música em filmes como Dick Tracy, Edward Mãos de Tesoura e Darkman: A Vingança sem Rosto.
O personagem de Nick já está invisível na gênese da trama, e ele faz uma gravação, para caso morra tenha nesse áudio uma garantia de sua versão dos fatos.
Falaremos com spoilers a partir daqui. Leia tendo ciência disso.
Halloway conta que só queria descansar, mas se viu obrigado a cumprir sua agenda profissional chata. Eis que nessa noite ele é apresentado a belíssima Alice Monroe, personagem de Hannah.
Os dois se sentem atraídos de maneira quase instantânea e ficam juntos, se encontrando algumas vezes depois dessa apresentação.
Chase já havia feito Férias Frustradas e Três Amigos. Era um rosto bastante conhecido no circuito hollywoodiano, embora viesse do fracasso de Nada além de Problemas, lançado em 1991. Reza a lenda que ele estava tão grande e era tão requisitado que incomodou Carpenter. O cineasta sentia sem liberdades criativas.
Boatos à parte, o diretor já disse algumas vezes que esse foi um dos filmes em que ele trabalhou com menos prazer.
Já Hannah já havia estrelado Splash: Uma Sereia em Minha Vida, além de Blade Runner: Caçador de Andróides e Wall Street: Poder e Cobiça. Ela tinha experiência com produções grandes, até havia feito a comédia fantástica Com Fantasmas não se Brinca, quatro anos antes desse, em 1988.
Depois de um dia de trabalho, Nick sofre por estar em um lugar onde ocorre uma fusão nuclear. Sem ter noção do porquê ele simplesmente some, embora apareça para o público vestido com o mesmo figurino que antes utilizava, com roupa social, paletó, terno e gravata.
Em um dia aleatório, ele vai até um tribunal, onde Sam Neill aparece, sendo julgado. Ele é David Jenkins, um homem engravatado, um executivo responsável pelo que aconteceu no prédio onde Nick estava. Seu julgamento tem a ver com outros escândalos, acusações bastante bizarras, que aumentam graças a estranha experiência que mudou a vida de Halloway.
Jenkins é avisado do incidente em Santa Mira, que resultou numa baita cratera no chão, ao menos aparentemente. Parte do local perdeu as cores e como Nick estava ali, sofreu também.
Vale lembrar que Santa Mira é um lugar fictício bastante requisitado em materiais de horror, ficção científica e abordagem fantástica.
É citada no clássico Invasores de Corpos ou Vampiros de Almas de 1956, em Halloween III: A Noite das Bruxas que é produzido por Carpenter, na série de livros Torre Negra de Stephen King, no desenho animado Ben 10 e até na cinessérie trash Sharknado.
Referências à parte, as primeiras reações de Nick são de uma pessoa que perde o controle, já que ele chega sozinho a conclusão de que não pode ser visto. Sua primeira atitude é agressiva, quase autodestrutiva, em seu exagero ele acaba sendo engraçado, afinal, é natural que ele esteja desesperado.
Depois desse primeiro momento ele se acalma e age de maneira sóbria. Essa inclusive é uma boa diferença dos principais filmes envolvendo personagens que ficam invisíveis. Halloway não é insano, ele tem momentos de instabilidade, mas volta a pensar sobriamente de maneira rápida.
Ele faz uso de um nome falso, se auto proclama Harvey, pois não sabe se pode confiar nessas pessoas. Recebe de Jenkins a afirmativa de que está em fluxo molecular, podendo talvez morrer se não for examinado o quanto antes.
Nick é mostrado com desenvoltura e esperteza. Para arrumar uma carona ele manipula um bêbado tal qual um titereiro faz com uma marionete. Pega um táxi, vai até em casa sem maiores problemas.
No entanto ele não volta ao normal e eventos cotidianos viram grandes desafios. Comer sem se enxergar é terrível, por exemplo, se vestir também. Descrevendo assim parece que o filme tem um teor mais cômico, mas curiosamente essas questões são levadas mais a sério.
A parte engraçada mora no comportamento dos opositores. Os capangas de Jenkins por exemplo, tem uma postura muito engraçada.
Se vestem com sobretudos, usando óculos escuros, lembram personagens tipicamente vistos em fitas de teoria da conspiração, tanto que lembram o visual hoje mais associado a sociedade secreta de MIB: Homens de Preto.
Há também semelhanças com o filme doido Eles Vivem, mas sem o apelo a crítica social, embora ande na mesma linha de estranhamento e bizarrice. A cena de perseguição que resulta em uma calça avermelhada correndo solta no parque é demais, não tem como levar a sério.
A sequência combina bem com o pesadelo de Nick, que tem uma rotina de bon vivant, visível novamente, menos nas partes íntimas, só tendo ciência disso quando se despe para sua amada Alice.
Mesmo sendo uma comédia possivelmente involuntária há muito charme aqui.
Mas a sensação master é a de desconforto. Nick mal dorme, já que fechar pálpebras adianta pouco, ao mesmo tempo, ele está sempre com as mesmas roupas que usava no momento do incidente.
É dado que ele toma cuidados higiênicos, mas sempre aparece com o paletó e roupas sociais que usava. Pode ser que essa seja só uma representação visual, mas ainda assim parece roupa demais para utilizar nos momentos de intimidade.
Ele decide ficar recluso, vai a casa de campo de seu amigo George (Michael McKean), até que o dono retorne, acompanhado de 3 pessoas, entre elas Alice, Ellen (Patricia Eaton) e Richard (Gregory Paul Martin). Nick se apresenta para sua amada com faixas, repetindo a icônica sequência do doutor Griffin em diversos filmes.
O relacionamento de Nick e Alice chega a ser bizarro, incabível quase, visto que começa com ele fazendo ela desmaiar para logo depois ter momentos de tórrido romance e cooperação mútua.
Curiosamente os trechos de interação deles são mais curtos do que se imagina para um filme romântico. Até o material de divulgação contém Hannah e Chase, mas efetivamente eles interagem pouco no terço final, para além do fato dele ser invisível, já que nas cenas mais quentes, ele possui imagem e cores.
Os efeitos do translúcido ou com maquiagem são bem sem vergonha, mas cabem bem. As interferências digitais não são um suprassumo, mas funcionam dada a época e o pouco investimento.
Se Memórias de um Homem Invisível não foi prazeroso para Carpenter dirigir é indiscutível seu bom tom cômico. Acaba sendo uma baboseira sem fim e não é pouco lembrado sem motivo, já que sua identidade nada tem a ver com a filmografia do seu autor. Ainda assim não dá para negar que esse é um produto divertido e bom passatempo.