Pânico 4: metalinguagem e o adeus de Wes Craven ao cinema

Pânico 4: metalinguagem e o adeus de Wes Craven ao cinemaPânico 4 é uma das poucas continuações mega elogiadas em comparação com o original. Lançado mais de dez anos após o fim da trilogia, A obra que viria a ser o último longa-metragem dirigido pelo mestre do terror Wes Craven, que retoma a parceria com o roteirista Kevin Williamson, seguindo a tendência original de abordar o gênero do horror de modo metalinguístico, soando profético sobre as tendências dos comportamentos que a geração Z popularizaria anos depois.

A história mais uma vez gira em torno de Sidney Prescott, personagem de Neve Campbell, retornando para Woodsboro para lançar um livro com o seu testemunho de recuperação.

Uma nova onda de assassinatos se inicia a partir desse lançamento, e retornam os personagens antigos, novas figuras são inseridas, misturando duas gerações de personagens.

Williamson é esperto em seu roteiro, escolhendo parodiar a onda de remakes de filmes de terror que tomou as décadas de 2000 e um pouco de 2010. Fazendo isso o escritor consegue blindar a própria obra de possíveis críticas a fragilidades no texto.

O início do filme é frenético e sanguinolento, com entradas da franquia Stab, mostrando essa saga como a de um terror quase pornográfico, a exemplo das sequências de Jogos Mortais.

Esse epílogo tem vários bons momentos, com atrizes famosas, como Kristen Bell e Anna Paquin e serve para comentar a dificuldade que as sagas de horror tem em terminar suas histórias, o que obviamente atinge esta obra também, que é resultado da ganância do estúdio em retirar de suas franquias até o último centavo possível.

Pânico 4: metalinguagem e o adeus de Wes Craven ao cinema

Como é comum dentro do escopo da franquia, inclusive desde o primeiro Pânico, os diálogos são forçados, expositivos de uma forma que não faz mais sentido em 2011.

Esse quadro piora ao perceber algumas rivalidades baseadas em questões machistas, como a disputa entre a assistente do xerife Judy Hicks (Marley Shelton) e Gale Weathers (Courteney Cox). Aqui são apresentadas duas belas mulheres, que tem sucesso na área onde trabalham, que tem a plenitude na vida pessoal e ainda assim competem pela atenção do desajeitado Dewey Riley (David Arquette), agora, xerife, mesmo que ele passe longe de ser um sexy symbol, mesmo sem ter qualquer qualidade que o diferencia como alguém super especial diante dos demais.

Elas competem por ele porque sim.

Pânico 4: metalinguagem e o adeus de Wes Craven ao cinema

Se esses artifícios eram passáveis na década de noventa, aqui, simplesmente não cabem mais, parecem datados e desnecessários e como é dito no mantra do próprio filme: nova década, novas regras.

A despeito destas questões, este Pânico 4 é de fato uma refilmagem.

Craven insere Sidney em numa posição semelhante ao original, com o acréscimo de que o livro alardeado agora é feito por ela. Ela é a senhora da história finalmente, madura, forte, resoluta e preparada para qualquer eventualidade.

O retorno em si não chega a ser incômodo, pois o comentário mirando refilmagens, faz sentido utilizar tais clichês, e como a obra é econômica nas referências ao seu universo, não é desagradável.

Pânico 4: metalinguagem e o adeus de Wes Craven ao cinema

Outro bom conceito é o registro da dificuldade que um escritor tem em apresentar novas ideias, exemplificado por Gale, que tenta escrever ficção, mas esbarra em bloqueios criativos ou na inabilidade de escrever mesmo, uma vez que isso não é definido no filme.

A antiga repórter tem que lidar com a rotina de mulher dona de casa e se percebe pressionada pelo sucesso da literatura de sua antiga companheira de sobrevivência, agravado pelo fato de que ela própria não consegue fazer sequer um rascunho de uma nova história.

Apesar dessa questão com Gale, o restante dos personagens é mostrado em evolução, determinando que o hiato entre um filme e outro não fez com que eles parassem no tempo, mas a essência de cada um dos sobreviventes segue intacta.

Não há muita explicação em como alguém tão inseguro quanto Dewey se tornou xerife de uma cidade com histórico de assassinatos em massa.

Curiosamente isso seria uma questão no novo Pânico de 2022, mas na época a pergunta persistia. Ao menos esse despreparo serve de calço para uma crítica inteligente, que as polícias dos Estados Unidos se fortalecem pela fama e não pelo mérito.

Pânico 4: metalinguagem e o adeus de Wes Craven ao cinema

Outra boa questão é diluição do papel de nerd cinéfilo explicador de clichês. Na trilogia original havia um personagem específico para essa função: Randy Meeks de Jamie Kennedy, que faleceu precocemente em Pânico 2. Aqui há pelo menos três personagens que usam esse arquétipo.

O primeiro (e mais lembrado) é a linda Kirby, de Hayden Panettiere, uma das heroínas da trama, que é fanática por filmes de horror e que divide o espaço de protagonista da nova geração com Jill Prescott, personagem de Emma Roberts.

Ambas personagens são bem construídas, carregam em si uma certa obsessão pelo exploitation do terror, além de concentrar em si a energia dúbia comum aos clichês de toda a saga.

Pânico 4: metalinguagem e o adeus de Wes Craven ao cinema

Ainda dentro do escopo de fanáticos por filmes de horror, há o tímido Charlie (Rory Culkin), personagem que aparente ser um nerd qualquer, mas que guarda em si um certo apelo carismático, além do seu melhor amigo Robbie (Erik Knudsen), um rapaz confuso, que vai descobrindo sua identidade sexual ao longo do desenrolar dos fatos estranhos que adentram Woodsboro.

Esses quatro organizam uma maratona da franquia Stab, e registram todos os seus passos com câmeras acopladas a capacetes, óculos, celulares e quaisquer acessórios banais seus.

Dessa forma há um registro transmitido ao vivo de cada passo deles, e consequentemente, também é registrada a matança que o novo assassinato propaga, o que é curioso.

Pânico 4: metalinguagem e o adeus de Wes Craven ao cinema

O roteiro que Williamson teria pensado para Pânico 3 envolvia um culto de adolescentes que mataria as pessoas em respeito a franquia Stab/Punhalada, e essa é parte da história de Pânico 4, claro, com novos temperos e com o advento tecnológico mais avançado.

Craven consegue conduzir bem um elenco de jovens, a despeito de seu filme anterior A Sétima Alma, que falhou miseravelmente neste quesito. Além disso, ele não se restringe só a criticar o modo como a nova geração utiliza a tecnologia, já que também prevê boa parte do comportamento de tudo mostrar e tudo registrar.

Não há tanta diferença no comportamento narcisista dos jovens que tudo filmam e no modo como as redes sociais de fotos e vídeos lidam com o cotidiano. A valorização do eu e do pensamento individual como algo necessariamente genial é bem enquadrado no esforço conjunto de diretor e roteirista, de um modo que Amaldiçoados de 2005 não acertou.

Já a jornada de Jill, que tenta ser a nova protagonista é por si só uma tentativa de remake do drama de Sidney. Segundo o texto o desejo maior dessa nova geração é a fama instantânea, e se tornar uma final girl seria uma boa forma de alcançar isso, dentro claro de uma mentalidade mesquinha e deturpada da moça.

Emma Roberts consideraria o retorno da franquia Scream como Jill » Notícias de filmes, resenhas de filmes, trailers de filmes, notícias de TV.

Aqui há uma boa aplicação do conceito psicanalítico de projeção, mesmo que de forma superficial, e ainda é bem temperada pelas pitadas de sadismo dessa nova personagem, que em sua vaidade infinita, acaba sendo imprudente.

Pânico 4 acerta a dose na violência e sadismo, tão bem detalhados em seus inícios falsos e em seus atos finais que se assemelha a um balé, um espetáculo que mira encaixa perfeitamente como reconstrução do final clássico do filme de 1998. Foi uma boa despedida para o seu cineasta, que quatro anos depois viria a falecer, e um bom revival para a franquia.

Avatar

Comente pelo Facebook

Comentários

Comente pelo Facebook

Comentários

Deixe uma resposta