Poltergeist II: O Outro Lado é um filme de horror que se basiea no clichê de casa mal-assombrada. Essa é uma sequência direta de Poltergeist: O Fenômeno, conta com retorno de boa parte do elenco e tem direção de Brian Gibson. Sua história parte da tentativa da família Freeling em se remontar após quase perder a filha mais nova, Mary Anne, agora vivendo em uma condição bem mais precária do que a vista na trama anterior.
Originalmente chamado de Poltergeist II: The Other Side, essa é uma produção dos estúdios Metro-Goldwyn-Mayer, Freddie Fields Productions e Grais-Victor Productions, sendo distribuído pela MGM Entertainment Co. O orçamento praticamente dobrou, entre outros motivos, graças ao bom desempenho econômico do filme de Tobe Hooper.
O roteiro segue com a dupla Mark Victor e Michael Grais, que junto a Steven Spielberg, escreveram o texto do filme de 1982. É produzido por ambos e tem produção executiva de Freddie Fields, profissional acostumado a produção mais mainstream, como Gigolô Americano e Fuga Para a Vitória.
Dessa vez a história se inicia em um ambiente diferente do que se imaginaria ao falar de fitas sobre casas mal-assombradas, já que a câmera inicialmente viaja para o deserto, mostrando nativos americanos lidando com espíritos da natureza, em ritos provavelmente xamânicos.
Aqui não se aprofunda muito a parte da mitologia, mesmo que utilizem um personagem nativo-americano como novo protagonista.
Trata-se de Taylor, um homem que desempenha o papel do indígena místico. Apesar de esse ser um arquétipo complicado e considerado até meio racista, o personagem é magistralmente interpretado por Will Sampson. Ele era mais acostumado a fazer dramas como Um Estranho no Ninho, participou também dos faroestes Josey Wales: O Fora da Lei de Clint Eastwood e O Grande Búfalo Branco, que tem Charles Bronson como ator principal.
A participação dele acaba sendo uma espécie de substituta para a professora paranormal, doutora Lesh, que não retornou graças à condição de saúde de sua interprete Beatrice Straight. Como ela estava impossibilitada, em algum dos tratamentos do roteiro ela foi substituída, não ficando claro se em alguma das versões os dois personagens coexistiriam.
Essa sequência inicial faz lembrar um pouco o modo que Oliver Stone utilizaria em seus filmes dos anos 1990, especialmente The Doors e Assassinos Por Natureza. Aqui, Gibson mistura o torpor espiritual da viagem astral dos nativos com cenas da antiga casa dos Frelling em Cuesta Verde, ou seja, é dado que algo ronda a família, mesmo depois de toda a questão envolvendo o resgata da filha caçula das mãos dos espíritos de Poltergeist: O Fenômeno..
O elenco principal retorna bem, cada um tendo algum momento de destaque. Os Steve, de Craig T. Nelson e Diane, de JoBeth Williams seguem preocupados com o bem-estar familiar, sobretudo o pai. Já Robbie, por Oliver Robbins parece bem mais calmo e contido que no filme anterior, o que é curioso, uma vez que ele era o alter-ego de Spielberg no filme anterior. Como o cineasta e produtor não tem participação aqui, a falta de ação com o personagem se torna simbólica.
Quem de fato é o foco das atenções - como não poderia deixar de ser - é Carol Anne, interpretada novamente pela icônica atriz mirim Heather O'Rourke. Ela segue tendo contatos com o mundo o sobrenatural e em certo ponto, acaba convocando também a médium baixinha Tangina Barrons, que traz Zelda Rubinstein reprisando o papel de figura mentora improvável.
Em respeito ao trágico destino de Dominique Dune, Victor e Grais decidiram não escalar a personagem Dana Freeling, que era a filha mais velha do casal. Em algum ponto, Meg Tilly foi cogitada, mas isso não ocorreu. Na novelização oficial do filme é dito que Dana, estava na faculdade, por isso não está na história, o que até faz sentido, já que ela tinha idade para isso.
No entanto essa saída pode soar forçada, já que os Freeling estavam financeiramente falidos, caso tivessem guardado dinheiro para pagar os estudos, dificilmente não usariam dada a penúria que estavam. No entanto ela ter ido a faculdade ajudaria a explicar também a falta de dinheiro deles, então a questão fica dúbia.
A família está claramente traumatizada, especialmente Steve, que não permite que a família tenha contato com qualquer objeto ou coisa que lembre o fenômeno paranormal anterior. Eles sequer têm televisão em casa. Eles vivem na casa de parentes, com a vó materna de Carol Anne, conhecida como a vovó Jess, ou Jessica Wilson. A personagem é interpretada pela veterana Geraldine Fitzgerald, de filmes clássicos dos anos 1930, como O Morro dos Ventos Uivantes e Vitória Amarga. Em um primeiro momento ela é uma personagem comum, mas com o tempo vai ganhando importância e vulto, tanto que tem um arco de personagem engrandecedor.
Da parte técnica há um grande destaque para Jerry Goldsmith, que retorna para compor a trilha incidental. Sobrou criatividade aqui, uma vez que ele fez um trabalho bem diferente da trilha do primeiro, embora fosse igualmente brilhante, mostrando que ele não é um sujeito repetitivo, ao menos não na franquia Poltergeist. Aqui ela ajuda a fomentar o mistério quando se vai até a casa onde o fenômeno ocorreu.
A grande questão desse novo capítulo é que ele repete demais os conceitos do primeiro filme, exceção feita ao opositor da família Freeling, no caso, o estranho e assustador Reverendo Kane.
É curioso que a primeira vez que Julian Beck aparece em tela até se tenta apelar para uma normalidade, uma vez que ele parece ser um homem simpático, um idoso da vizinhança que faz pregações religiosas, mas sua aparência é assustadora demais para passar despercebida.
Fato é que Beck tem disparado o melhor desempenho do longa entre os novos personagens. O ator não era tão velho quanto aparentava, tinha 60 anos, mas já estava bem doente durante as filmagens, fato que alterou sua aparência.
A curiosidade mais peculiar de sua vida foi que ele passou pelo Brasil e foi preso aqui, durante a época da Ditadura Militar. Ele e sua esposa Judith Malina foram convidados pelo diretor e ator Zé Celso para trabalhar em peças do Teatro Oficina em São Paulo.
Durante uma excursão de uma peça por Minas Gerais em 1970, o casal sofreu uma batida na casa onde estavam, foram acusados de portar drogas e acabaram sendo presos no DOPS (sigla para Departamento de Ordem Política e Social) de Ouro Preto-MG.
O caso foi tão sério que a filha do casal foi enviada de volta aos Estados Unidos para ser cuidada por sua avó, uma vez que era uma criança ainda. Os dois foram presos sem direito a julgamento, como era comum na época dos anos de chumbo.
Beck trabalhou sua carreira quase inteira no teatro e seus últimos anos foram lutando contra um câncer, que piorou na época em que filmava Poltergeist 2. Ele faleceu em 1985, antes do filme estrear.
Na trama Henry Kane se encanta imediatamente por Carol Anne e não é por menos, uma vez que ela possui uma força espiritual grandiosa, dom esse que aparentemente foi passado hereditariamente, através das gerações da família Wilson, já que compreendeu a vovó Jesse e sua mãe, Diane, possivelmente mais parentes também.
No entanto a história que poderia ter mergulhado mais na mitologia familiar arranha só a superfície, o que é uma pena. O precedente aberto aqui poderia gerar muita discussão e situações entre a família, mas esse aspecto mediúnico dos parentes é subaproveitado, substituído por alguns poucos momentos de onde Tangina brilha, já que novamente os Freeling recorrem a ela.
Da parte dos efeitos especiais há uma certa irregularidade, com boas e más tentativas. A colaboração entre Richard Edlund e do especialista Screaming Mad George possui vários bons momentos, especialmente na figura do monstro de efeitos práticos Vomit Creature, interpretada pelo ator Noble Craig.
Craig foi veterano da guerra do Vietnã e aproveitou o fato de ter perdido alguns membros para fazer papéis em filmes de horror e cinema B. Ele está em várias produções como Os Aventureiros do Bairro Proibido, A Hora do Pesadelo 5: O Maior Horror de Freddy e A Bolha Assassina.
No entanto nem todas as criaturas apresentadas foram tão bem-feitas. Algumas delas foram desenhados pelo artista conceitual H. R. Giger, mas até ele ficou decepcionado com o resultado final.
Por motivos de força maior, ele não esteve no set para supervisionar o trabalho de construção das esculturas e fantasias, ao assistir o filme no cinema, se arrependeu profundamente de não ter conseguido ir até as locações na Califórnia e no Arizona, já que a ideia no papel era boa, mas a execução em si ficou aquém do que ele tencionava.
Gibson tinha um trabalho mais ligado a obras dramática. Ele conduziu a minissérie A Guerra das Drogas, a cinebiografia Tina: A Verdadeira História de Tina Turner e A Jurada. É mais conhecido pela comédia Ainda Muito Loucos. Já os roteiristas Victor e Grais escreveram juntos Marcado Para a Morte, Mundo Proibido, produziram A Casa da Morte, filme de horror de 2000.
O filme não possui muita sutileza ao apresentar o reverendo Kane. Desde o princípio é dado que é malvado e se estabelece uma rivalidade entre ele e as forças do bem. Ao menos há uma certa coragem em sacrificar personagens, mesmo que sejam pessoas introduzidas nesse. Qualquer morte já é muito mais do que o que se viu na obra de Hooper e Spielberg.
As aparições de fantasmas são tímidas, pouco assustam, quase não provocam medo, o horror mora mesmo na exploração do nojo e das escatologias, como quando Steve toma uma bebida e surge um tenébrio dela, que evolui para o animal larval citado anteriormente nessa resenha.
A criatura tem dois estágios, com a primeira copiando a estrutura de seu hospedeiro, enquanto no segundo parece um inseto, mas não é tão bem construído quanto o interpretado por Noble Craig.
Em determinado ponto há uma cena em que uma assombração usa uma motosserra para atacar o carro da família, provavelmente uma alusão a Massacre da Serra Elétrica de Hooper. Como ele foi o diretor do primeiro, foi um bom aceno, claramente.
Poltergeist II: O Outro Lado é irregular, não é um filme estruturado para ser um aterrador, mas acerta por voltar sua carga ao nicho dos fãs de filmes B. A perda do fator surpresa faz a qualidade do filme cair, mas a obra compensa isso com o retorno dos personagens clássicos e com o acréscimo de um vilão icônico, que ainda renderia uma participação morna em uma parte três.
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