Produção B do cinema da América Central e do Sul, Delírio é uma obra singular, emotiva e pesada

Delírio é um filme de suspense e horror familiar que pauta seu drama na ausência e na sensação de inadequação familiar.
Dirigido por
Alexandra Latishev Salazar essa é coprodução entre Chile e Costa Rica, é uma obra cujo terror versa sobre o receio de filhas em repetir os erros de suas mães, além de explorar uma desolação ligada ao receio de herdar condições mentais pesadas.
A história acompanha uma dupla de mãe e filha, que viajam para morar com a avó dessa última.
A filha é Masha, uma menina de 11 anos, já sua mãe Elisa parece ter entre 30 e 40 anos. As duas estão passando por grandes mudanças, depois do aparente abandono do pai de Masha.
Depois de irem até a antiga casa de Elisa, para cuidar a mãe dessa, um segredo surge, de maneira repentina, mas se agiganta a medida que o tempo naquele lugar aumenta.
Salazar escreveu, produziu e dirigiu, enquanto Cynthia García Calvo produziu também. O filme participou do Festival de Guadalajara e da Mostra de São Paulo. Foi bastante elogiado em ambas as praças.
Estreia, nomenclatura e companhias de produção
No México, estreou em 10 de junho de 2024, no já citado Guadalajara International Film Festival. Em 14 de junho, passou no chinês Shanghai International Film Festival. Em seu país natal a Costa Rica estreou em 24 de outubro de 2024.
O longa é chamado Delirio praticamente no mundo todo.
A companhia de produção foi a Cyan Prods. Foi distribuído pela Patra Spanou Film na maior parte do mundo. No Brasil a Filmes do Estação lançou.

Quem Fez:
Latishev Salazar dirigiu os curtas Irene e Adentro, além do longa Medea. Também montou Vida Moderna e Muñecas Rusas.
García Calvo foi coprodutora e produtora executiva em Medea, também foi produtora executiva em Longchamps e Quarteto Amigo.
Narrativa
A trama inicia com um carro estacionado na frente de uma casa. A motorista Elisa (Liliana Biamonte) é desperta pela cuidadora da dona da casa, a empregada Azucena.
Depois que a motorista entra na casa, a porta de trás é aberta, então acordam a menina Masha, que estava deitada perto da porta, quase caindo.
A menina é interpretada pela jovem Helena Calderón e tanto ela quanto Elisa pareciam estar esperando há muito tempo. Aparentemente demoraram para notar a chegada da dupla.
O motivo
Há uma razão boa para o retorno de Elisa, embora não pareça ser "apenas" esse o motivo de estar ali: a avó de Masha (e mão de Elisa) está bastante está doente, tem faculdades mentais combalidas, esquecendo até de eventos básicos e marcantes da vida das duas.
Possivelmente foi graças aos cuidados dedicados a essa parente que Azucena demorou a notar que Elisa e Masha estavam na porta.
Uma avó digna de pena
Já em sua primeira aparição a personagem Dinia parece frágil, embora seja apresentada como uma pessoa engraçada.
Interpretada por Annabelle Ulloa a antiga matriarca demonstra sofrer de certa senilidade, trocando a identidade de Masha, confundindo ela com sua filha.

Nesse ponto, ela pergunta de Carlitos, o irmão mais velho de Elisa que segundo a senhora, é o mais atento dos filhos.
É curioso que ele seja tratado dessa forma, mesmo não estando presente. Não fica claro se ele faz isso graças a relapso ou por ter morrido. Não fica claro, mas aparentemente é o primeiro caso.
Em sua lamúria, ela destaca o quão triste é ser deixada de lado, para morrer sozinha, embora obviamente não esteja assim, graças as duas mulheres das gerações posteriores das dela.
O passado
Nesses momentos é revelado que Dinia foi uma doutora e que Elisa estudou fora, ou seja, as duas eram prestigiadas na localidade.
Graças a essa fama de ambas, Elisa não consegue ter a privacidade que busca, é interrompida algumas vezes, entre essas, um momento por Freddy, o inconveniente irmão da empregada.
Ele chega perto de Elisa, à noite, enquanto ela queima
na fogueira fotos e documentos e retratos antigos do seu ex-marido.
A mulher demonstra estar nervosa, desconfiada, se sente invadida, afinal, ele sabe sobre ela e ela nada sabe dele, nem quer se inteirar, só quer ficar em paz, calada e na dela.
Uma jovem com perturbações
Além de Elisa, que claramente está nervosa com sua situação atual, sua filha também parece sofrer algum tipo de influência externa.
Ela desenha muito, faz gravuras macabras, brinca de imitar um avião caindo, até faz a voz de uma pilota, comunicando uma aterrissagem forçada. Depois disso, mais pessoas irritam a família, com vizinhas se infiltrando e irritando Elisa, graças a intromissão.
Elas inclusive nem aparecem no quadro, ficam do lado de fora, enchendo a moça de perguntas indevidas, querendo saber como está sua mãe doente.

Mais tarde, haveria sinais de que Dinia poderia sim ter alguma proximidade dessas pessoas, mas no estado atual não seria uma pessoa capaz de fazer às vezes de anfitriã.
Nem Elisa e nem Masha parecem ter esse perfil, ainda mais nesse ponto delicado de suas rotinas.
Detalhes do cotidiano e uma trilha invasiva
É dado que Masha vivia na Rússia, provavelmente com seu pai sumido.
Seu nome é bastante comum no país, diga-se. Provavelmente é chamada assim pelo fato do pai ser de lá.
No entanto não há detalhes muito claros do paradeiro ou destino dele. Ele está vivo, sumiu, abandonou elas? Nada fica muito claro, somente a mágoa da mãe. Esses mistérios não explorados cabem ao espectador especular e tirar conclusão.
Já da parte da música, se nota uma trilha bastante potente, que embala a história e antecipa emoções em diversos momentos. Esse aspecto ajuda a fortificar a ideia voltada para o medo de envelhecer e de conviver com fantasmas.
Filhas brigonas:
Enquanto Elisa briga com a mãe, que simplesmente esqueceu dos erros do genro com sua filha, Masha quer sair, quer ir embora dessa casa, que ela diz odiar.
Ela afirma sentir falta do pai, parece também culpar Elisa pelo divórcio, embora não haja nenhum indício de que seu parente nutre por ela a mesma saudade e falta, uma vez que não há ligação, tentativa de correspondência ou qualquer forma de comunicar com a adolescente.

Como Elisa também briga com Dinia, parece que essa sina de brigar é uma condição familiar, ou seja, são duas gerações seguidas de filha acusando e recriminando a mãe.
Momentos finais
Elisa se assusta, no meio da noite, vai verificar se quem fez o barulho foi Freddy, mas não o acha. Depois dessa interação, ouve outro som estranho, pergunta pelo rapaz mas ele não responde.
A mãe da família decide ir atrás, apesar de Masha insistir para ir também. Pela primeira vez Masha lamenta a ausência da mãe e teme por ela, uma vez que acha que ele pode se machucar, ou sumir, se for atrás do som amedrontador.
Distorção
A diretora gosta de filmar o carro de Elisa em um ângulo distorcido, em ladeiras de rua, quase sempre inclinado, em uma perspectiva forçada ou de fato algo estranho ocorre?
O filme também brinca com noção distorcida do tempo, mostrando que a localidade pode alterar a percepção humana, sendo talvez até a razão pelo perda da razão de Dinia, ainda que nada seja explícito nesse sentido.
Esse é um mundo de mulheres, cujos homens ou são figuras de decepção ou de invasão abusiva do espaço das personagens. A contemplação aumenta o escopo de nervosismo e suspense.
Estranhezas:
A vó desperta, anda à noite, mas esse trecho não fica claro se foi real ou sonho. Em meio a isso, Masha faz movimentos que parecem com ritos, brinca com sal e com cera de vela, invocando algo, ou alguém.
Sem alarde, durante o dia, encontram um morcego, no quarto a avó e pouco depois, Masha vê o pai, no que parece ser um delírio.
O filme inteiro lida com questões mentais ligadas a devaneios. Ninguém além dela nota a chegada do sujeito. É uma experiência particularmente estranha.
O sujeito tenta soar simpático, mas parece suspeito. Tem uma forma familiar mas os modos parecem de um desconhecido, tanto que pergunta quem mais mora ali.
A sequência desemboca em um trecho onde ele deita na cama com a menina. Fica a dúvida se aquilo é um espírito, ou um lobo, um abusador.
O sujeito a convida para ir com ele, mas quando ela é "justa" e escolhe a mãe, dizendo que não quer, o barulho pára, então amanhece e até o cricrilar do lado externo muda.
A mãe acorda, no meio da mata e vai ver a filha. A impressão que fica é se ela tivesse cedido, as duas pereceriam. Foi a reação de curiosa de Mashenka que selou um destino positivo para a dupla de parentes.
Delírio é um filme ambíguo, seu terror é baseado no incômodo das relações familiares inacabadas e nas incertezas que causam nas pessoas que vivem elas. Por isso é tão rico, simples e profundo.








