As Seguidoras : A história de influenciadora digital que se converte em uma serial killer

Produção do Porta dos Fundos traz Maria Bopp como a caricatura de uma blogueira, que, eventualmente, se torna uma assassina.

As Seguidoras : A história de influenciadora digital que se converte em uma serial killer

As Seguidoras é uma série brasileira de suspense e horror, que conta a história de uma influencer e blogueira, que acaba se tornando uma assassina em série, aparentemente graças a força das circunstâncias.

Lançada como um original Paramount +, foi a primeira produção nacional do streaming.

Ela é celebrada por dois motivos distintos, primeiramente, por ter a equipe de produção formada por mulheres em sua maioria, inclusive por sua criadora, a roteirista Manuela Cantuária e pela protagonista feita por Maria Bopp, que na época, era muito popular.

O segundo motivo é graças ao fato do programa ter sido produzido por um boom de empresas, inclusive pelo grupo de humor Porta dos Fundos.

Infelizmente a série não está mais no catálogo do streaming, inclusive não está disponível já há algum tempo, tendo sido excluída até antes do rompimento da parceria entre o grupo de humor e o estúdio.

A história segue Liv, ou LIV Pura Vida, uma influenciadora digital vegana, que leva sua obsessão por ganhar seguidores e por se tornar uma “blogueirinha” cada vez maior e mais famosa.

Para isso, ela se mudou para perto de uma influencer ainda mais famosa que ela, de uma forma que demonstra até ser obcecada por fechar com marcas famosas.

Ela não tem trabalho ou qualquer função além da vida digital e segue nessa toada, até o momento em que acaba matando uma pessoa por necessidade. Com o tempo, ela acaba cometendo outros crimes, alguns para não ter seu segredo revelado, outros, por puro prazer.

Evidentemente que outros segredos são escondidos, pecados no passado e provas de que na verdade, ela não cometeu o homicídio por acidente, já que seu histórico já inclui outros crimes pesados.

Conflito entre influenciadora e podcaster

Junto a sua trama surge uma opositora, que é uma jovem zennial - apelido esse para as pessoas da da Geração Z - que tem um podcast de tema criminal.

Como o conteúdo que essa outra personagem produz tem ligação com crime, a moça mais nova acaba seguindo os passos da influenciadora, entrando em conflito com essa, mas tomando cuidado para não ter sua real identidade exposta.

Ao longo dos episódios, as memórias de Liv a assombram, ajudando a justificar o rumo dos atos pecaminosos dela e explicando sua tendência a ter obsessões.

A equipe criativa

A direção é da dupla Mariana Bastos e Mariana Youssef.

A equipe de texto é formada por Manuela Cantuária, que é a criadora do programa, além dos roteiristas com Nina Kopko, Pedro Perazzo, Beatriz Leal e Tainá Mühringer. Camila Agustini foi uma consultora de texto.

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A criadora Manuela Cantuária. Imagem: Reprodução.

A produção executiva é assinada por Camilo Cavalcanti, Fernanda Chasim, Federico Cuervo, João Vicente de Castro, Maria Angela De Jesus, Tereza Gonzalez, Clara Machado, Viviane Mendonça e Christian Rôças.

Estreia

Lançada em 6 de março de 2022, essa é uma coprodução da Vis Américas, que é uma divisão da ViacomCBS, com o já citado Porta dos Fundos, junto ao Paramount + e ViacomCBS International Studios, que também distribuiu o seriado pelo mundo.

Infelizmente ela não está mais no catálogo do streaming, inclusive não está disponível já há algum tempo, fora até antes do rompimento da parceria entre o grupo de humor e o estúdio. 

Dessa forma, é fácil supor que o programa não terá uma segunda temporada, a não ser que seja comprado ou bancado de maneira independente ou por outro estúdio.

A ideia inicial

De acordo com Manuela, o projeto da série As Seguidoras passou por várias etapas e, ao todo, durou quatro anos.

Ela teve a ideia, começou a fazer anotações e até preparou uma Bíblia, que é o nome popular para a reunião de informações primordiais de personagens, tramas, situações etc.

O esforço da Bíblia foi escrito junto a sua parceira, Tainá Mühringer, que é uma das roteiristas.

Depois ela fez um pitching interno, uma apresentação, para os sócios e do Porta dos Fundos. Depois, fez o mesmo para a Viacom, que abraçou o projeto através da Paramount+.

Como ela começou a escrever isso muito tempo antes de rodar e lançar, ela registrou e usou os rascunhos e anotações temporárias como um projeto de portfólio, para ter na manga.

O título original é As Seguidoras, em inglês é conhecido como The Followers. Na Rússia é Подписчики, enquanto na Ucrânia é Підписниці.

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A Inspiração e o método de escrita

Em entrevista, Cantuária afirmou que o ponto essencial para contar a sua história envolve a temática e vivência feminista.

A escritora tem experiência e costume de trabalhar em salas de roteiro, como normalmente se faz em programas de televisão, especialmente seriados e novelas.

Ela disse que quando entrou no mercado era uma época que se começava a granhar importância as discussões sobre representatividade feminina nas salas de roteiro.

Havia nela uma vontade de contar histórias complexas, que envolvessem mulheres. Algo que tivesse um pé na realidade, mas que não excluísse o diferente e o especulativo.

Do ponto de vista dramático, ou seja, dentro das histórias contadas em filmes e seriados no mainstream, já existiam produções que tinham protagonistas mulheres fortes, complicadas e sentimentais, mas ainda assim as principais referências para personagens "quebrados" eram os chamados Homens Difíceis – anti-heróis , protagonistas difíceis, com falhas, vilanescos, como os vistos em Família Soprano, Sons of Anarchy, Mad Men e Breaking Bad.

A ideia dela era inverter a lógica, mostrando as "mulheres difíceis. Exemplos populares existem na gringa, inclusive fora das referências citadas por Manuela.

De certa forma, Nurse Jackie é de 2009 e teve sete temporadas, já Maravilhosa Sra. Maisel começou em 2017. Ambas têm um pé no humor e tem personagens centrais dentro dessas características.

Os programas que Cantuária cita como referência de comédia é Fleabag, que é a clara inspiração para a quebra de quarta parede que a série possui.

Outro grande parâmetro para ela era o humor ácido de Fernanda Young, autora e dramaturga que escreveu dezenas de comédias como Os Normais e Os Aspones, cuja linha de humor fin também influenciou boa parte dos textos de esquetes que Manuela fez no Porta dos Fundos.

Um bom exemplo disso é o ótimo Mamada, um vídeo curto, da época que ela assinava apenas Manu Cantuária.

Tirando obviamente a franqueza escatológica repleta de palavrões dos diálogos, não seria estranho ver esse tipo de fala na boca de uma Vani de Fernanda Torres ou de qualquer membro da repartição pública onde se passava Os Aspones.

Sobre redes e internet

A vontade da escritora era criar um projeto sobre como as redes sociais podem enlouquecer as pessoas.

Ela disse que estava viciada em Instagram, passava horas vendo as blogueiras que lucravam com um discurso de autoestima, good vibes.

A partir daí ela refletiu sobre o que chama de "positividade tóxica", decidiu então ironizar esse discurso, expondo como uma farsa, já que a vida da pessoa seria o oposto disso.

Nesse meio tempo, também discutiria a cultura do cancelamento e os gatilhos que viriam desse tipo de prática e desse mundo.

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Na esteira de:

Para Cantuária, As Seguidoras é uma dramédia, resultante de um hibridismo entre gêneros de comédia, suspense e horror. Ela considerou isso um desafio, já que é difícil levantar um projeto muiti-gêneros, já que há tão poucas referências no Brasil.

Entre as obras gringas recentes, ela citou Fargo, Barry e Killing Eve, que transitam entre gêneros também, tendo também conteúdo macabro em suas fórmulas básicas.

Quem fez:

Cantuária tem uma experiência considerável. No cinema escreveu Cedo Demais, de José Lavigne, foi assistente de roteiro do filme Palavras Queimadas de Ruy Guerra.

Na TV escreveu episódios nas séries Nós do Canal Brasil, Escola de Gênios do Gloob, e A Garota da Moto do SBT.

Manuela costuma trabalhar em regime de sala de roteiro e séries, mesmo quando escreve longa-metragens, não à toa está na sala de roteirista de Raphael Montes, na recente novela Beleza Fatal.

Mariana Bastos dirigiu Alguma Coisa Assim, Raquel 1:1 e a série Santo Maldito.

Youssef dirigiu o curta B-flat, a série Lov3 e B.A.: O Futuro Está Morto.

Kopko escreveu a série Carcereiros, Elize Matsunaga: Era uma Vez um Crime e o curta Chão de Fábrica.

Muhringer escreveu o documentário O Caso Evandro, Deus tem AIDS, Três Tigres Tristes e a minissérie de televisão Dois Tempos.

Perazzo escreveu Homem Livre, os seriados Impuros, Irmãos Freitas. Também colaborou com o texto de Alemão 2.

Já Maria Bopp é lembrada principalmente por dois trabalhos, sendo o primeiro o papel da ex-prostituta Bruna Surfistinha em Me Chama de Bruna, além da Blogueirinha do Fim do Mundo,
que era um número que a atriz fez durante a pandemia onde normalizava diversos absurdos com uma atuação naturalista e cínica, que digere os absurdos muitas vezes falados por socialites sem noção e gente sem pudor, vomitando tudo com graça, leveza, humor e cara de pau.

Ela trabalhou anteriormente na equipe de produção de O Negócio, tamém atuou em seriados como Oscar Freire 279 e Pedro e Bianca. Depois desse As Seguidoras teve papéis em O Presidente, Novela e Os Quatro da Candelária. Também está nos filmes Turma da Mônica Jovem: Reflexos do Medo e O Clube das Mulheres de Negócios.

Narrativa:

O piloto da série já inicia com um comentário engraçado, quase metalinguístico, já que a personagem de Bopp usa uma máscara de beleza, na cor vermelha, já que é feita com polpa de beterraba.

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Essa composição obviamente lembra sangue, ainda que seja uma prática comum, utilizada principalmente para cuidados com a pele e os cabelos, oferecendo benefícios como hidratação, antienvelhecimento, redução de manchas etc.

Liv x Lidiane

Maria interpreta Liv, ou Liv__puravida. Antes mesmo de apresentar suas "credenciais" ela recebe uma ligação, de ameaça, de uma pessoa que sabe até o seu nome real.

A moça acabou de completar 100k de seguidores.

Estava marcando uma live, com sua "amiga" Ananda (Raissa Chaddad) outra influenciadora, que mora ao lado de sua casa, mas que cancelou a presença em cima da hora, entrando na live através de ligação de vídeo mesmo, evitando o contato presencial.

Esse é o primeiro indício do desprezo que Ananda tem com Liv, embora isso fique mais evidente nos outros episódios.

Invasão

Enquanto ocorre a transmissão, uma pessoa entra na casa dela. Alguns episódios, a questão da porta se torna um elemento importante. Aparentemente, começou a ter problemas nesse momento.

Charles entra na casa. O personagem de Rodrigo Garcia, chama a blogueira por outra alcunha: Lidiane, que é identidade real e o seu nome de batismo.

Antes até das revelações, fica claro que a personagem mente, que usa um nome artístico, uma outra identidade, essa forma de chamar demonstra como ela é, antecipa seu caráter, prevê que ela não é confiável ou digna de crença em seu caráter.

Como o texto se baseia demais no sistema de antecipar eventos futuros na história, os famosos foreshadowing.

O vídeo da Discórdia

Charles possui um vídeo antigo dela, participando de um concurso de Miss Linguiça 2011. Ameaça Liv para cumprir o trato. Qual seria esse acordo, não fica claro, pois ela acerta um liquidificador na cabeça dele e o faz cair, antes que detalhes sejam dados.

Em meio as suas ações de publicidades, a moça tem que se livrar do "cadáver", mas o sujeito desperta, no meio da live que ela faria para a marca Coolpuaçu.

Enquanto ela tenta fazer parte do comportamento e interação não violenta, na gravação do merchan de material vegano, que não pratica violência contra animais, ela tenta esconder o corpo do seu opositor.

A partir daqui, falaremos sobre a trama. Ou seja, haverá spoilers. Fica o recado:

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O seriado dá flashes da personagem principal quando criança, segurando um porquinho, chamado Orestes. O tempo dá indícios de que algo traumático aconteceu em seu passado, com consequências pesadas e macabras.

Os segredos de Liv/Lidiane vão se desenrolando, enquanto isso, sempre que alguém morre, a razão de aspecto se modifica, com a imagem comprimindo para um formato retangular e vertical, que imita o enquadramento de uma postagem de celular.

A chegada de outros personagens

A série introduz Marcel, o assistente de redes sociais da marca vegetariana Cololpuaçu. Ele é interpretado por Cauê Campos. Ela passa a ser o braço direito da blogueira, que de fato, precisa de auxilio, já que é péssima em seu trabalho.

Mostra também a jovem Antônia Maria Rodrigues, interpretada por Gabz, uma menina criativa, que tenciona estudar jornalismo e que possui uma alcunha secreta na internet, de abordagem andrógena, chamada 10troier.

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Depois de alguns problemas com a lei - que são explicados depois - ela cancela e deleta os episódios de podcasts que gravou.

Ela também tem um prentendente/crush (termo esse que ainda era utilizado em 2022, talvez não seja esse) que é uma menina pansexual chamada Cammila com dois emes, que é interpretada pela blogueira vegetariana real, Nátaly Neri.

A relação das duas é desenvolvida melhor ao longo dos outros episódios.

Como ela tem facilidade de mexer com informática, presta serviços consertando computadores, tal qual seu pai, Ronan, que é interpretado por Mv Bill.

Além dos já citados, se destaca Edinho, personagem de Victor Lamoglia, o namorado de Liv e meio irmão de Ananda, também Dri (Domenica Dias) uma menina que trabalha numa lan house que é ex-namorada, amiga e vizinha de Antônia.

O ritual

Depois do crime cometido, Liv tenta se aproximar de Ananda. Se convida para ir até a um culto genérico, um ritual de conexão com a natureza, que ocorrerá na Floresta da Tijuca, com as amigas blogueiras da Ananda, que eram tão desimportantes que jamais retornam a trama.

É nesse ponto que aparece um sujeito estranho, um stalker de Ananda, chamado Felipe (Jorge Hissa). Sua participação anterior tinha a ver com Antônia, já que a menina fica responsável por conserta o PC dele que quebrou.

O desenvolvimento a partir daí necessita de algumas conveniências para funcionar bem. Como a direção de Youssef e Bastos é boa, se suaviza um bocado essas questões.

Intercalando trauma e discussões sociais

Há algumas conveniências irritantes, como o fato de que o computador de Felipe ter caído justo nas mãos da personagem justiceira social, ainda mais considerando que está repleto de conteúdo incel e de discurso ultraconservador.

Faz parecer que havia uma força do destino tentando juntar peças que dificilmente se encaixariam sozinhas.

Enquanto se desenrola toda essa abordagem das personagens mais moças, momentos de lembrança do passado de Liv aparecem em tela, assim como trechos onde paredes estilizadas tem um líquido viscoso e vermelho escorrendo, em uma óbvia referência ao sangue derramado das vítimas, que poeticamente sujam os objetos limpos e bonitos de uma decoração pensada para soar como perfeita.

Esse momento é carregado de simbolismo, resultando na parte macabra da trama invadindo o cotidiano supostamente perfeito, das pessoas que vivem seus dias na internet.

A atmosfera nas redes que grita artificialidade, não sobrevive a ação sincera e mortífera de uma personagem da realidade, ainda mais uma cuja ação é criminosa.

Fatiando

Os momentos mais inspirados de toda a série são os trechos em que a personagem de Bopp mostra a sua experiência com tratamento de suínos.

Por ter feito trabalho em abatedouros, ela consegue fatiar corpos bem, embala eles de maneira organizada e até bonita.

A estética que ela utiliza em suas postagens perfeitinhas é bem empregada aqui, mas chama a atenção que ela sabe o momento até de começar a cortar a carne, esperando o sangue esfriar, para não emporcalhar e sujar tudo.

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Algo semelhante ocorreu no crime que Elize Matsunaga cometeu com seu ex-marido. Ela matou o sujeito depois de uma briga, esperou um tempo para só então cortar as partes do seu corpo. Fez tudo fria e cuidadosamente, para não sujar tanto.

As polêmicas de Antonia

Equanto Liv concentra os momentos mais inspirados o texto, as tramas envolvendo Antônia são bem menos interessantes. São até pálidas de tanto fracas que são.

Enquanto a blogueira vive uma realidade fantasiosa e idealizada, a menina tem conflitos mil, todos baseados em erros do seu passado, mas que - tal qual ocorre com a real protagonista - nunca são assumidos como erros de fato.

Parece haver nela uma sensação de perseguição, que pode ser explicado pelo fato de sua pele não ser clara e por ela não ser heteronormativa.

É evidente que seus erros não chegam ao cúmulo da gravidade de homicídios, mas também são passíveis de punições judiciais. A grande diferença entre Lidiane e Antonia é que a primeira conseguiu cobrir seus rastros e saiu do cenário do crime.

Antonia até tenta sair do cenário onde estava, utilizando a internet para isso, mas ainda assim ela se vê flertando com os mesmos erros de sempre.

Ainda assim ela não está sozinha, na verdade ela tem mais pessoas sinceras e queridas que Lidiane. Em torno de si há uma rede de apoio diferenciada, onde é sempre bem tratada, por sua mãe, Deise (Maria Gal) que é a dona de um bar em Marechal Hermes, por seu pai e até por sua ex-namorada, Dri.

Deise, a mãe da menina, é bastante compreensiva, ama demais a filha. A incentiva e protege, mesmo depois das turbulências do seu passado.

No entanto, o roteiro trata de mostrar como principal característica sua o defeito o fato de gostar de um jornalismo sensacionalista, no estilo de Datena ou dos finados Marcelo Rezende e Alborghetti.

O avatar desse tipo de "repórter de polícia" é o Programa da Kassia, onde a personagem de Stella Miranda.

Vale lembrar que esse tipo de abordagem era muito popular no Brasil e ainda guarda um sem número de fãs, inclusive em redes de televisão pequenas e locais.

Ou seja, Deise não está sozinha, compartilhando esse defeito com muitas outras pessoas.

Os tutoriais sinceros

A parte mais inspirada de As Seguidoras são os tutoriais de como esconder corpos e se livrar deles.

Lidiane faz um número maravilhoso, explicando como limpar sangue do carpete, ao som de uma música imita o tema de A Feiticeira, que era um seriado onde uma mulher com poderes mágicos se submetia aos caprichos conservadores do patriarcado, sendo apenas a sombra de um homem mediano, que trazia o sustento para casa, mas que não era nada mais que apenas ordinário.

Esse ponto é cheio de boas referências.

Chama atenção a frase que fecha o diálogo direto que ela tem e que se tornou lema da série: é mais fácil matar, esquartejar, transportar, embalsamar e ocultar um cadáver, do que enfrentar o tribunal da internet.

Nesse ponto fica claro que há referência também do seriado, How To Get Away With Murder, com Viola Davis, programa de conteúdo jurídico, que flertava com consequências criminais, já que lidava também com ocultação de crimes.

O corpo policial

No segundo episódio há o ingresso dos policiais, com destaque para a dupla interracial, Rocha/ Jaqueline Rocha, interpretada porTatiana Tiburcio e Elano, de Tatsu Carvalho.

Os dois explicam que os corpos encontrados na floresta foram embalados pós sangria, detalhando que quem fez isso, sabia manejar cadáveres.

Além dos dois há Esteves (Gabriel Godoy) um policial preguiçoso, que só repete o óbvio e que acredita que a solução é mais simples, sendo apenas um crime de um traficante.

Rocha parece ser entre esses a mais esperta. É dela a dedução mais esperta e óbvia, de que se fosse mesmo alguém de tráfico, não esconderia autoria, tampouco haveria uma embalagem tão floreada como a vista aqui.

Contra Rocha há um elemento que destrói a sua imagem: um memem. Há uma gravação de um bandido roubando a sua viatura, enquanto ela dava entrevista, falando que o crime não compensa.

Ninguém a leva a sério, exceto Elano.

O Picadinho da floresta

O apelido que os agentes dão para o caso é de Picadinho da Floresta, mas isso não pega. Todos os termos que se popularizam se dão através do podcast, que 10troier publica, como o nome Açougueiro, que ele deu para o matador.

Antônia também consegue avançar mais no caso, identificando facilmente Felipe e até o primeiro morto, inclusive antes da polícia, em alguns momentos.

Ela está sempre na frente dos reais investigadores, é uma hacker muito hábil, tem de fato um bom faro nas investigações, entende de dedução, sabe montar narrativa e storytelling.

O que faz ela parecer uma personagem irreal é que ela é boa também como agente de campo.

O fato de ser virtuosa demais torna ela artificial. Surpreende como ela não está no FBI ou em algum nível hierárquico alto dentro da Abin.

Em alguns pontos, é tão exagerada que a sua habilidade se assemelham a de um Ethan Hunt nos filmes Missão Impossível, tão boa de improviso quanto o personagem central deMacGyver: Profissão Perigo.

O hype da matança

Marcel sugere que Liv fale dos assassinatos, mas ela tem receio disso. Sua ação parece ser por medo, já que ela demora a retirar os restos mortais de Charles, que ainda estão no freezer

Enquanto ela fala que toda vida importa, segue ceifando a existência de quem a contraria.

No podcast, é revelado que Charles tinha um canal de culinária vegana, que foi exposto, cozinhando com carne. Por isso ele foi atrás do passado de Lidiane, em Timbó-Santa Catarina, na época em que ela lidava com suínos, fabricava linguiça e participava de concursos de beleza no sul do país.

A mosca azul

Mesmo ignorando a repercussão do Açougueiro, Liv se sente triste e irritada, já que nas redes sociais, viraliza uma fanfic do Açougueiro com Ananda, associando a sua "amiga" ao assassino, seja por acusações de que ela é de fato o matador ou de que a mesma tem um caso com ele.

Irritada, ela vai atrás de Milos Vieira (Bruce Brandão) um blogueiro de conteúdo extremista de direita, que na verdade, é um professor de matemática, que posta para engajar e complementar renda.

Bopp faz bem demais o número da influencer típica, que a medida que desliga o celular, deixa a expressão radiante para fechar a expressão.

Ela age como uma autêntica blogueira, tal qual a sua personagem famosa, a Blogueirinha do Fim do Mundo. Aqui não há tanto cinismo, mas há sim uma ambiguidade, bem registrada por sua atuação e pelas lentes das diretoras.

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Os episódios três é menos movimentados. Liv cai em desgraça, perde patrocínio, é bloqueada por Ananda, perde Marcel e o podcast ainda acaba, assim que a polícia enquadra 10stroier.

O quarto mostra o confronto de Ananda com a protagonista, de uma maneira divertida e muito satisfatória.

Personagens secundários, como Marisol (Giselle Batista) ganham importância, tem tramas boas desenroladas, bem pautadas nas informações que foram apresentadas antes.

Redes reais

Cantuária tem coragem de usar redes sociais reais, tanto que cita Instagram nominalmente. Normalmente em obras do tipo, há versões genéricas de aplicativos e big techs.

Isso dá legitimidade e estilo. Em uma trama que tem alguma base na realidade e muitos elementos mais "fantasiosos", é salutar que essa parte seja crível.

Já com relação as cenas de ação, falta uma direção mais acurada. Boa parte dos momentos não empolga, nem mesmo quando ocorre o sequestro a Ananda.

A parte de fato rica é a denúncia de que ela usa cosméticos testados em animais, algo que seria um fato de cancelamento automático, já que a influencer louva a si mesmo por usar produtos de beleza de origem não ligada a maus tratos a animais.

Aqui se percebe também a referência a Louca Obessão com Kathy Bates sendo feita em uma versão blogueira de Bopp. A atriz demonstra aqui uma capacidade de fazer um papel completamente diferente da versão famosa da prostituta e escritora que ela viveu em Me Chama de Bruna.

Bopp é muito subestimada, é muito, muito versátil. Aqui ela usa a pistola de atordoamento como ameaça, finalmente colocando a arma em prática, depois das diversas menções anteriores a ela, com apenas uma vítima feita antes dessa, no caso, Felipe.

Lembra claro a arma que Javier Bardem usou em Os Fracos Não tem Vez, além de outros filmes, como Pig Killer – O Assassino de Mulheres.

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Incongruências:

Se o roteiro é pontual quanto a Liv e os seus momentos de quebra de quarta parede particulares, no que tange Antônia, é meio capenga.

A webnamorada da hacker passa a tratar ela pelo feminino, mas não é mostrado quando ela assumiu ser quem é. Até então, fingia ser um homem, com capuz jogado no rosto e modulador de voz.

Talvez tenham gravado isso, mas a cena caiu, dessa forma o corte ignora esse trecho e ainda mostra Antonia fingindo ser um homem, quando está no computador, enquanto no outro momento, ela conversa por telefone sem disfarce de voz.

Na prática, o espectador fica ávido para ver Liv, para entender a marca de A que ela tem na pele - curiosamente parecida com o símbolo de arroba - e menos com o drama juvenil.

Tudo relacionado a Antônia é menos vibrante, mesmo que tente ser assim, até mesmo a invasão que ela faz nas casas. Muito conveniente.

Acusações falsas, incongruências e teatro:

Nos últimos dois capítulos, Liv ganha 1kk de seguidores, fingindo que não é a assassina, jogando tudo para Marisol, mas a mentira foi descoberta por Antonia, mas ela teima em não publicar o que sabia, para não correr riscos, embora a polícia esteja em sua cola.

É bastante tola a justificativa para isso.

Ela tem como provar que a máxima repetida sobre Liv, de que ela é "de verdade" é uma mentira deslavada. A polícia pega Ronan, culpa o sujeito pelos crimes da filha, mas enfim chegam na ficha dela.

Para alguém tão esperta, tão acostumada a descobrir falhas dos outros não consegue cobrir o próprio rastro. Ela poderia falsificar o ID do seu computador facilmente, mas deixou ali, só por que precisa encurtar trama.

Personagem complicada

Fora as questões de difamação, Antonia também foi acusada de vender churrasco de gato no forró da mãe. Isso estar em sua ficha corrida chega a ser engraçado, não ficando claro se foi uma piada boba ou só uma gracinha não intencional do script.

O tal pecado do passado da personagem adolescente eram acusações sobre um sujeito que fotografava mulheres, que enquadrou ela por calúnia.

Como Antonia é mostrada como uma pessoa virtuosa, fica complicado torcer por ela, já que ela trata que as acusações dos quais foi enquadrada eram fruto de comportamento juvenil e ingênuo e não um pecado real.

Como não se aprofunda o caso, fica parecendo que não há punição real para alguém que acusa terceiros sem provas.

Ainda resulta uma traição de Cammila, que chega até o Rio de Janeiro para encontrar 10troier, além de uma tentativa tola de ganhar popularidade em cima do trabalho alheio. 

Os momentos finais

Cammila era tão aproveitadora que resolve levar o que sabe para Kassia, a jornalista carniceira, munida das informações que Antonia fez, em um backup emum pen drive e entregou a ela.

Enquanto isso, Liv decide contra-atacar, abrindo mão de utilizar suas redes para ir no programa da Kassia.

O texto no final tem alguns tropeços. A aventura gira em torno de arrumar uma prova contra Liv, mas se as personagens simplesmente esperassem, provavelmente a blogueira se acusaria sozinha e ao vivo.

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Em transmissão colaborativa, no perfil do podcast e no Programa da Kassia, a morte de Cammila é transmitida. Os espectadores ficam em choque e no final, a imagem de Antônia testemunhando aparece. Dessa forma, fica a sensação de que ela se torna a suspeita número um.

O season finale termina assim, com Liv e Antônia, nos bastidores, sem garantia de quem sobreviveu e quem morreu.

O passado da protagonista sanguinária ajuda a justificar o rumo que ela tomou. Aos poucos, ela perde o pudor de matar e fatiar pessoas, soando assim como algo verdadeiro, mais fidedigno que o discurso decorado que ela faz, mais sincero que o culto que fez na floresta com as blogueiras.

A ação vai além da mensagem pró-vida e do comportamento supostamente vegetariano. É Lidiane quem é a real identidade da moça, não Liv.

Há um certo exagero no número de mortes, especialmente no final, ainda assim, sobram boas ideias. O tutorial de como cometer um assassinato e agir depois dele é o maior exemplo disso, já que reúne as duas personalidades, mostrando a assassina super prática e clean, misturada a influenciadora que quer passar os seus conhecimentos da forma mais fútil, vazia e irritante possível.

Um dos maiores tentos do seriado é o de falar sobre o modo que a internet funciona, mas sem subestimar o público. Obras sobre internet normalmente parece uma crítica de gente mais velha para as gerações mais moças. Isso não ocorre aqui.

As jornadas de Antônia e Liv/Lidiane carregam em si muitas conveniências, tantas que às vezes irrita, mas em suma, o programa tem mais boas ideias do que ruins.

As Seguidoras acerta na sua protagonista, na naturalidade com que o seu texto corre, mas tem pequenas fragilidades, questões de roteiro pouco refinadas e muitas lacunas na trama policial. Certamente seria mais valorizado caso fizesse parte do catálogo de um streaming com mais engajamento, resta esperar que seja disponibilizado de novo, de alguma forma.

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