Família Soprano - 1ª Temporada : A história do mafioso que via patos

Família Soprano - 1ª Temporada : A história do mafioso que via patosEm janeiro de 1999 estreava Sopranos no canal pago HBO uma das séries que marcariam época na televisão e que ajudaria pôr o canal em um patamar lendário em matéria de qualidade de programação.

O seriado criador por David Chase conseguia já em seus primeiros momentos ganhar a atenção de público e crítica, uma vez que consegue trazer uma história interessante, coesa e violenta, repleta de referências a clássicos de Máfia, especialmente no que tange a sociedade secreta da Cosa Nostra e demais ramificações da máfia ítalo-americana.

No piloto escrito e dirigido por Chase há a apresentação do personagem Tony Soprano, que a essa altura, é um Caporegime de uma família criminosa em Nova Jersey, mas que o centro nervoso de um universo rico, violento, emotivo e essencialmente humano.

Quando a série chegou até a tv aberta brasileira, recebeu o sugestivo nome de Família Soprano, um raro acerto de tradução da parte da emissora de Silvio Santos já que evocava o que era comum quando se pensava em matéria da máfia. Quando se lembra de O Poderoso Chefão se pensa imediatamente na família Corleone e não em qualquer um dos seus personagens.

A estrutura familiar de Tony é de fato o meio do picadeiro, o principal ponto do palco a ser explorado, e por família, leia-se a estrutura literal, esposa, mãe, tios e filhos e não a tal famiglia, dos paesanos e bandidos.

A história proposta por Chase trata da liderança do mafioso feito por James Gandolfini, mas mostra ele mais preocupado com seu casamento e com seus filhos, menos com os seus soldados e capangas, já que esses últimos parecem se autogerir melhor. Boa parte da história dos treze primeiros capítulos explora o drama dos Soprano, e não dos DiMeo, que é a família mafiosa da qual Tony toma parte.

Apesar de não ter tanto tempo de tela, a esposa de Tony, Carmela é quase uma co-protagonista. Sua personagem é estrelada pela excelente Edie Falco, que ainda ganharia notoriedade anos depois, por protagonizar a igualmente elogiada Nurse Jackie. Formam ainda o núcleo central dos Soprano o casal de filhos, Meadow, a filha mais velha feita por Jamie-Lynn Sigler, uma vestibulanda que já adentrou a puberdade, além de Anthony Junior ou AJ, um menino de 13 anos feito por Robert Igler.

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Também compõe a família a mãe do protagonista Lívia, interpretada pela veterana Nancy Marchand, o tio de Tony Corrado Junior (apenas Junior) feito pelo famoso Dominic Chianese, que havia aparecido O Poderoso Chefão Parte II como Johnny Ola, na parte cubana da história.

O restante dos personagens é introduzido ao longo do piloto, que consegue reunir não só todo o panteão de personagens importantes (que não são poucos, já que há pelo menos uma dezena de caracteres bem construídos) mas também a mística que envolve a discussão sobre a fragilidade do homem moderno, especialmente o residente do Ocidente.

O motivo para a série ser tão elogiada e discutida até hoje é a motivação de Tony em procurar ajuda médica, de uma psiquiatra, que vem a ser a também ital0-americana Jennifer Melfi, uma terapeuta e doutora PHD interpretada por Lorraine Bracco.

Bracco é uma atriz soberba, tão maravilhosa quanto Gandolfini. A maioria das pessoas lembra dela como Karen Hill, a esposa de Ray Liotta no clássico Os Bons Companheiros - filme de Martin Scorsese - a importância da personagem é dada de maneira gradual, tão lenta quanto a exposição da fragilidade mental pela qual Anthony passa.

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Chase tem delicadeza ao colocar os motivos que fizeram Tony procurar ajuda. Ele teve desmaios, mas para abordar essa situação vergonhosa - ao menos para ele, que buscava ser o macho alfa sem defeitos - uma simples visita de patos, que passaram a nadar pela piscina de sua mansão.

Para o bom observador é fácil perceber que o personagem está passando por maus bocados, fazendo até uma leitura superficial. Há sinais evidentes de desleixo com a aparência e postura. Tony é um personagem que se apresenta como um alguém melancólico, embora pareça também agressivo e inconformado com a situação que vive, já que normalmente, tinha alegria de viver.

Ele se apresenta como alguém agressivo e impulsivo, não mente nem para Jennifer e muito menos para si mesmo. Há em seu interior uma naturalização da violência e da agressividade, mas o seu receio mesmo é o de parecer fraco, sobretudo quando posa ao lado dos seus adversários das ruas.

Em seu ramo de atuação é preciso ser e (principalmente) parecer forte. Ele lutou muito para chegar onde chegou e estar se consultando com uma analista é algo que pode ser encarado como sinônimo de fraqueza. Eventualmente, acaba sendo mesmo.

Ainda há um cuidado da parte de Chase em colocar as perspectivas de Melfi e Soprano em posições opostas. Eles têm coisas em comum, ambos são pessoas de origem italiana, tem toda uma cultura compartilhada e um passado que teima em definir ambos como pessoas, mas estão em lados opostos da moralidade.

Ali não há só a diferença entre um possível criminoso/contraventor e uma médica, há entre os dois uma gigante diferenciação de atitudes, tão distante que ele tem que assumir para si uma persona, um disfarce, de legítimo homem de negócios, que lida com comércio de lixo de com tratamento sanitário, mesmo que fique óbvio que ele não trabalha só com isso, já que essa é a parte legal dos seus afazeres profissionais diários.

O negócio legítimo antes ajudava a lavar o dinheiro sujo, limpando a verba da agiotagem, jogatina e demais práticas comuns a máfia, mas aqui serve também para solidificar o eufemismo e o conteúdo fingido das confissões que ele faz no consultório. Se falasse de maneira reta sobre os seus atos criminosos, Melfi seria obrigada a denunciar. O verniz social era necessário mesmo.

Obras da cultura pop que misturam máfia e psicanalise não são exatamente novidade, antes mesmo de Sopranos ir ao ar já havia ocorrido o telefilme O Analista do Chefão (The Don's Analyst) estrelando Robert Loggia, Kevin Pollak e Angie Dickinson.

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Também em 1999, Harold Ramis dirigiria a comédia Máfia no Divã, essa lançada para o cinema, que contava com Robert DeNiro, Billy Crystal e Lisa Kudrow.

No entanto o que Chase fez foi sem precedentes. O produtor e roteirista vinha de trabalhos esporádicos na televisão. Foi consultor criativo em séries antigas como Kolchak e os Demônios da Noite, Switch e Arquivo Confidencial, até escreveu roteiros para algumas dessas.

Também teve alguma experiência com cinema, escrevendo o texto de O Túmulo do Vampiro, nos anos 1970, além do telefilme O Difícil Regresso, já em 1980, mas seu sonho era ser diretor, função essa que cumpriu poucas vezes, como na série Suspense (The New Alfred Hitchcock Presents), Almost Grown e I'll Fly Away, anos depois, escreveu e dirigiu o longa Música e Rebeldia, que foi aos cinemas em 2012.

Os estúdios por trás da série foram a Chase Films, o canal Home Box Office, popularmente conhecida como HBO e Brad Grey Television. O programa teve sua primeira temporada produzida por Ilene S. Landress, que se tornaria produtora executiva de outros sucessos do canal pago, como Girls e Succession, além de ter produção executiva de Brad Grey, de Assassinos Substitutos, Os Infiltrados e O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford.

Chase é o showrunner, produtor executivo, conta o auxílio do co-produtor Martin Bruestle, de Northern Exposure. Ele também dirigiu um episódio, teve como colegas os diretores Daniel Attias, Nick Gomez, John Patterson, Allen Coulter, Alan Taylor, Lorraine Senna, Timothy Van Patten, Andy Wolk, Matthew Penn e Henry Bronchtein.

Chase escreveu o script e teve auxílio de Mark Saraceni, Jason Cahill, James Manos Jr., Frank Renzulli, Mitchell Burgesse, Robin Green e Joe Bosso.

A abertura é icônica, além de ser uma boa introdução a história, já que mostrando o caminho que Tony Soprano fazia até Jersey, através da autoestrada de NJ, a New Jersey Turnpike, ao som de Woke Up This Morning da banda Alabama 3.

Sua passagem pela malha ferroviária, pelo pedágio e pequenos comércios demonstram um pouco da mística do programa, que se passará pelas áreas comuns de uma cidade desimportante, que fica ao lado de Nova York, a nova Roma do mundo moderno.

Esse trecho ajuda a determina o que Tony é e o que busca ser, apenas um sujeito ordinário, simples, que ascendeu a um status de novo rico, mas que sabe não pertencer a esse local.

Após a entrada aparece a sala de espera da doutora Jennifer Melfi, com Tony sentado, enquanto encara uma escultura feminina, nua.

Jennifer foi indicada pelo doutor Cusamano, o médico e vizinho dele, interpretado por Robert LuPone. A sugestão se deu depois que os exames não apontaram problema físico nenhum. Eles acham que ele teve um ataque de pânico e não estão muito distantes da verdade.

Durante a consulta, Tony conversa sobre os seus dias. Tenta desabafar sem detalhar o seu dia, sem aludir diretamente a atos violento que supostamente cometeu. Aos poucos, ele elucubra sobre o tédio, poetiza sobre a pose do americano bem-sucedido, denuncia o sintoma de uma sociedade capitalista doente.

Quando ele descreve sua família todos parecem igualmente enfadados, já que até uma terna aparição de patos selvagens na casa, se torna motivo para reclamação de todos, já que o momento fofo havia sido apreciado pelo pai da família, somente.

Anthony fica tão entretido que até faz papel de bobo, chegando ao cúmulo de conversar com os animais, falando que fará uma rampa para eles entrarem na piscina.

A narração dele começa no aniversário de treze anos AJ, quando os patos já estavam lá. A fala dele é cortada, ofegante, mas não por algo necessariamente físico, mas sim pela dificuldade clara de falar em si, afinal, Tony é um homem duro, que tenta não ser e não parecer sensível.

Para a pessoa que caiu de paraquedas na programação da HBO, não fica claro qual é a natureza do trabalho dele nesse início. Atualmente é difícil ser ludibriado, mas Chase é cuidadoso em demorar um pouco para deixar claro que ele é um bandido, tanto que a terapeuta verbaliza a obviedade da proibição de falar abertamente em crimes.

Dele ela não ouve nada comprometedor, mas o espectador vê todas as atrocidades que ele comete, dessa forma há entretenimento para quem vê e o contrato de confidencialidade segue intacto entre paciente e médico.

Logo é mostrado o personagem e seu pupilo, Christopher Moltansanti, de Michael Imperioli, o seu sobrinho de consideração - é na verdade, sobrinho de Carmela. Ele e Tony perseguem um homem que devia dinheiro a ele e a sequência é sensacional, embalado por I Wonder Why de Dion & The Belmonts.

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Esse trecho lembra um bocado o drama de Godfellas, apelando para um eufemismo curioso, de que os dois só tomaram um café com um sujeito que devia dinheiro a T, basicamente por que ele derramou o copo de café que carregava.

O momento também emula o estilo de Quentin Tarantino de dirigir, já que Chase utiliza uma trilha com músicas de sucesso, que ajudam a compor a narrativa visual e dramática das cenas.

Há vários cenários comuns em Jersey, lugares que os mafiosos se reúnem, que vez por outra usam para fazer o serviço de laranja. É assim como o Centannis Meat Marker, com o açougue Satriale e com a boata de striptease Bada Bing, que obviamente tem um nome metalinguístico e que é administrada pelo soldado de Tony, Silvio Dante, interpretado por Steve Van Zandt, o guitarrista de The Boss, Bruce Springsteen.

Nessas reuniões aparecem outros personagens, como o papel que Vincent Pastore faz, Salvatore Bonpensiero, mais conhecido como Big Pussy - O espectador deve se acostumar a ver personagens com diversas alcunhas e apelidos - depois aparece Paulie "Walnuts" Gualtieri (Tony Sirico) além do já citado Silvio, ou Sil.

É esse último que dá uma notícia, ruim, de que Junior que quer matar Pussy Malanga, um rival seu, no Vesuvio, um restaurante frequentado por todos, de propriedade do também italiano, Arthur Bucco, personagem do carismático John Ventimiglia, um chef bem quisto, amigo de T, mas que não tem qualquer ligação com a criminalidade.

Aqui se percebem problemas de ordem hierárquica e de família. Teoricamente, Corrado está no mesmo nível que Tony, mas ele deve respeito a ele por motivos sanguíneos, já que ele é uma figura paterna substituta, especialmente depois da morte de seu pai, Johnny Boy Soprano.

Os dois vivem em clima de trocas de farpas, Tony inclusive culpa o parente por não ter prosseguido na prática do futebol, já que ele desdenhava do corpo de Anthony quando era menino.

O protagonista é inseguro também com sua mãe, que inclusive, seria a protagonista de vários de seus ataques de pânico ao longo da temporada. Ela é uma personagem dramática, que gosta de se colocar no papel de vítima, está em uma fase de fim de vida, já sem muita saúde, beirando a senilidade, mas é lúcida o suficiente para guardar mágoa, rancor e para destilar veneno em seu filho homem.

Tony tem ataques de desmaio, com sintomas facilmente confundíveis com ataques do coração e enfartos. A pressão em cima de si tem a ver com a violência das ruas, mas o que parece de fato afetar são as brigas com a esposa, a ausência - às vezes a presença também - de sua mãe em seu cotidiano, os cinismos de sua família "carnal" e a noção de que não pode se mostrar como alguém humano ou frágil.

Também são mostradas cenas de assassinato à sangue frio, bem bonitas por sinal, com Imperioli matando um rival, dando disparos enquanto figuras famosas do cinema, como Dean Martin, Edward G Robinson e Humphrey Bogart, que testemunham o ato de violência, pendurados em quadros na parede.

Esse é um mundo cão, até mesmo tem hábitos agressivos, se servindo de uma metralhadora Ak-47, para pegar um suposto invasor, que na verdade, era sua filha, que saiu pela janela para beber com as amigas.

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A sequência foi tão grotesca e violenta que seria raro Carmela manejando armas ou meramente falando delas depois desse trecho, ainda mais por ela estar acompanhada de um padre italiano, chamado Phil Intintola, que no piloto era interpretado por Michael Santoro e mais para frente, seria feito por Paul Schulze.

O que não mudou entre versões é a mania dela de esconder dinheiro em recipientes de comida, a fim de ludibriar possíveis intrusos, especialmente da polícia, FBI e autoridades legais.

O drama de Carmela é outro, ela passa a temporada e boa parte do seriado tentando se comunicar minimamente com Meadow, mas não consegue. Possivelmente a filha culpa a mãe por não frear o modo de vida bandido do pai.

Curioso é que ela tem consciência da origem do dinheiro que lhe garante luxos que uma adolescente comum não teria, chega a condenar os pais por isso, mas não abre mão de um centavo, mesmo sabendo da origem, nem abre mão do conforto.

Todos os personagens têm sua parcela de hipocrisia, seja de negação do óbvio ou autonegação sentimental, especialmente com Tony, que não aceita ser tratado como alguém deprimido, fugindo quase sempre do confronto de sua terapeuta.

O seriado também mostra de maneira didática como assassinos lidam com questões ordinárias de homicídios, como o descarte de um corpo, onde e como fazer isso.

Nesse episódio é apresentado também o judeu Hesh Rabkin, produtor musical e amigo de longa data do pai de Tony, interpretado pelo veterano Jerry Adler. Apesar de não ser italiano, ele trabalha próximo dos homens de T, fazendo serviços de consultoria e conselhos, normalmente.

Os dramas desse piloto são pequenos, como o fato de um namorado da terapeuta se impressionar que ela conhece um chefe do crime organizado, ou as escapadas do protagonista com amantes, além é claro da façanha de Soprano com seu amigo de longa data, explodindo o restaurante dele para impedir que ocorresse um assassinato ali, assim liberando a ele o dinheiro do seguro, para fazer outro - essa história não se desenrola tão perfeita quanto eles imaginavam.

Entre as pequenas coisas, é apresentada uma recepcionista, feita por Drea de Matteo, que depois faria Adriana La Cerva, a namorada de Christopher - até fizeram um mini retcon na personagem, para indicar que a recepcionista e Adriana eram a mesma pessoa - além de Irina, a amante de T, aqui feita por Siberia M. Federico, substituída depois por Oksana Lada.

De qualquer forma a ideia é mostrar a Máfia por olhos comuns, como gente que vive rotina ordinária, que vai a igreja, que tem problemas mundanos, que tem anseios e sonhos pequenos.

Os outros episódios são referenciais em vários pontos, entre eles, nos momentos que Silvio imita Al Pacino e seu Michael Corleone em O Poderoso Chefão: Parte III, mas os roteiros se preocupam em dar motivos para o drama, não ficando só com acenos superficiais a produtos da cultura pop.

Entre os subtextos, se destaca uma fala de Vincent Rizzo, na TV, falando sobre o mafioso real John Gotti. O entrevistado fala de um suposto declínio da Máfia enquanto os mafiosos "reais" contam dinheiro, muito dinheiro, de jogo, prostituição, agiotagem etc.

Detalhes de assaltos são curiosos, como um motorista roubado, que pede para apanhar, para não parecer que ele colaborou com o roubo, também se discute sobre a falta de foco de alguns associados da gangue, que se perdem ao usar metanfetamina e outras drogas. Outro método curioso é que os membros da família nunca ligam de casa, vão até telefones públicos, pare evitar possíveis gravações em grampos.

É apresentado também Jackie Aprile, o chefão da família de Jersey, interpretado pelo ator Michael Rispoli, de Olhos de Serpente, Godfather of Harlem e The Offer. Ele intermedia uma briga entre tio e sobrinho, ajuda ambos a fazer as pazes, embora pareça tem uma certa predileção por Tony, que é um sujeito próximo de sua idade. Aqui já fica claro que ele está doente, com câncer. Seu quadro avançaria a medida que a história continua.

Sua função é a de líder da organização, ao menos enquanto o real chefão, o já idoso Ercoli Ecklry "Boot" DiMeo, que cumpre prisão perpétua. Nessas conversas são mostrados outros membros da família, como Mikey Altieri, o capanga número um de Corrado Jr., interpretado por Al Sapienza.

Melfi vai ganhando confiança e afirma que Tony nutre ódio por sua mãe, fala de maneira mais velada no início, mas à medida que conversa com ele, tenta fazer ele chegar a essa conclusão. A descoberta disso teria consequências explosivas, exploradas apenas no final.

Entre as tramas secundárias, uma que vale a pena prestar atenção é com Charmaine Bucco, a esposa de Artie, interpretada pela bela Kathrine Narducci de O Desafio no Bronx, O Irlandês e Capone.

Praticamente não há nada nessa narrativa que lide diretamente com crimes, mas se reflete como a fama de bandidos afeta os ítalo-americanos que não são contraventores, além de mostrar que os personagens têm suas vaidades, arrumam problemas ordinários, criam rivalidades pequenas, que preenchem suas vidas medíocres, mas que não deixam de ser divertidas de assistir.

É curioso que ela se sinta tão imaculada, por conta de não ter dinheiro da máfia em sua vida, ao menos não de maneira direta, mas quando sua casa e negócio passam por crises, ela aceita trabalhar com Carmela.

Aos poucos, o bando de Corrado tenta ganhar espaço, em cima dos que cercam Tony. Mikey mata Brendan, um amigo de Christopher, em uma cena que beira a poesia, com uma composição visual muito bela. Já o "chefe" se aconselha com sua cunhada. Com ele, Lívia não parece tão invalida, é até lúcida.

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O seriado também tem alguns momentos muito bons, onde se apela para o nonsense ou para o idílico, especialmente nas cenas de sonho. Há um em particular, no quarto episódio, que sexualiza a doutora Melfi e reúne os amigos de Tony, em volta do consultório. Acaba brincando com as fantasias e com os medos do personagem.

Também são mostrados personagens curiosos, como o detetive particular e endividado Vin Makazian, interpretado por John Heard, famoso por fazer o pai de Kevin McAllister em Esqueceram de Mim e Esqueceram de Mim 2. Ele passa informações a Tony, inclusive sobre possíveis ratos, sobre delatores.

A primeira reunião com os outros Chefões ocorre também no capítulo Meadowlands. Aparecem comendo lagosta juntos. Eles são capos, como Tony, tem ligação com Nova York também, mas tem por base Nova Jersey. São eles Larry "Boy" Barese, de Tony Darrow, Raymond Curto, de George Loros e o simpático Jimmy Altieri, de Joseph Badalucco Jr..

A influência dos bandidos é mostrada também em outras esferas sociais. AJ percebe que um menino que brigou com ele acaba cedendo no confronto, pagando o dinheiro que ele pediu depois que uma camisa sua foi rasgada. Ele não entregou o dinheiro por que quis e sim por seu pai temer morrer, pois não quer briga com Anthony Soprano.

Mas o texto mais inteligente aqui é o teste dos idosos. Tony pode não ser o Don de fato, mas tem sua Consiglieri, que é a doutora Jennifer. Ela percebe que seu tio e mãe querem manipulá-lo e sugere dar a eles uma sensação de poder, para que eles se achar úteis.

Idosos tendem a achar que não tem valor e dando a eles a falsa sensação de controle, ele poderia ter espaço, paz e até mais dinheiro, caso pensasse bem na hora de negociar, especialmente com seu tio.

Com a morte já esperada de Jackie, o poder de chefe fica vago. Depois de muitas brigas, Tony cede a Corrado, deixando ele agir como o chefão, mas pede o sindicato de pavimentação e áreas, como Bloomfield.

O enterro de Jackie é simbólico, há muitas conversas entre gangsteres, que quase sempre se vestem de maneira simples, a paisana. Mesmo vestidos de maneira não formal ainda resistem manias tradicionais, como o ato de beijar a mão do superior.

É assim que o tio Junior aparece no enterro, posando ao lado da família Aprile, com Livia ao lado, sendo flagrado pelos fotógrafos do FBI.

No entanto, esse trecho é mais lembrado graças ao fato de AJ ter descoberto a natureza do trabalho do pai, já que ele olha o pai como o chefe do seu próprio bando, cercado de italianos bem trajados, com muito mais posses do que meros negociantes de tratamento de lixo.

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Há episódios fora de NJ, como quando Tony leva Meadow para ver universidades. Acaba encontrando um bandido, que entregou a família, depois de ser pego com heroína.

Aqui há uma boa mostra de como funciona o programa de proteção à testemunhas nos Estados Unidos, inclusive com detalhes sórdidos, já que esse traidor já não está mais no programa.

Também é mostrado que Carmela flerta com a figura do padre Intintola, um sujeito que diz ter boas intenções, mas faz todo um jogo de sedução e glutonaria, com senhoras de meia idade casadas. A trama dele é bem esquisita e tem até um baita confronto no final.

Se a psiquiatra é a conselheira de Tony, pode-se dizer o mesmo em relação a Livia e seu cunhado. É da matrona que vem a ideia de taxar Hersh e Junior acata, até por achar uma boa ideia, além de uma demonstração de que estava no poder.

Tony interfere, até chama John Sacrimoni, o popular Johnny Sack, interpretado por Vince Curatola, do telefilme Gotti: No Comando da Máfia e o clássico dos anos 2010 O Homem da Máfia, que aparece nesse trecho para fazer uma negociação que seria uma saída honrosa para Corrado e não prejudicial para Hersh.

As conversas sobre negócios são quase sempre em locais públicos, especialmente se esses diálogos não são amistosos. Em ruas, vielas, estabelecimentos comerciais, lugares fáceis de achar, lugares comuns ao mundo de qualquer cidadão. Isso faz com que a série seja tangível, fácil de identificar como comum.

Os problemas novos de Tony são igualmente comuns. Ele se confunde, acaba fantasiando com a sua doutora, apelando para o dogma psicanalítico, da "transferência", projeta nela um alvo sexual por conta de ela ouvir o sujeito, coisa que ele não tem nem Irina e nem em Carmela. Ele a enxerga como uma igual.

Mesmo com problemas ligados a passionalidade - que inclusive, fazem Larry, Raymond e Jimmy perderem dinheiro - os capos aceitam a elevação de Junior a Chefe das operações. Nesse dia específico, muitos garçons infiltrados tiram fotos deles, para enquadrar junto aos serviços de inteligência dos Estados Unidos.

Ao perceber que AJ pode ter problemas com déficit de atenção, Tony lembra de sua infância. Essas cenas, do episódio Down Neck é muito legal, já que mostra a intimidade do personagem central, quando criança, a relação dele com seu pai, mãe, que era dramática, ao ver seu filho enchendo o saco, ameaçava enfiar o garfo em seu olho.

Também é mostrado como ele era carinhoso e amigo de Junior, além é claro de mostrar pela primeira com a irmã de Tony, Janice, que só apareceria adulta nas próximas temporadas.

Em casa, Livia dizia que as prisões e cercos da polícia eram pura perseguição aos italianos. Ela mal parece se abalar, talvez acreditasse que ele nada fez de errado, tanto que a lembrança de Tony era de ver Ed Sullivan Show. no dia que o pai foi pego. Quando ele é liberto, até Rocco Alatore, o cara que apanhou dele antes, o parabenizou.

Johnny Boy só violou a condicional, andando com "indesejáveis", foi preso quanto Tony era criança e o menino tinha orgulho de ser filho de John Soprano. Falou para todos da surra que seu pai deu em Rocco.

É Anthony Junior que revela a Livia que Tony vai a uma terapeuta. Curioso como a preocupação de Tony seja de como o menino descubra a natureza do trabalho e do dinheiro deles, mas não percebe todas as contradições e o vazamento de informações para outros membros da família, como Livia e em outro momento, Corrado.

É curioso como as autoridades cercam o clã DiMeo, enquanto os agregados só conseguem pensar em suas vidinhas, a preocupação do menino AJ é apagar o histórico de seu computador, por conta da pornografia, que possivelmente será vista pelo FBI.

Já Christopher tenta escrever um roteiro, uma história sobre um mafioso arrependido. O texto não flui, mas o título original é Made Man. Ele é inseguro, mas não se abala com a vigilância nem mesmo quando o Canal Seis mostra o promotor de James D. Ricci, que afirma que formará um grande júri para averiguar a ação da Máfia, com indiciamentos a caminho.

A realidade é que ele quer fama, quer ser reconhecido, tanto que se ressente de ciúmes que seu amigo morto é citado na TV. Quando há menção de seu nome nos jornais ele gasta muito dinheiro, comprando alguns exemplares para si.

Depois de um tempo são mostradas tramas ligadas a um professor de futebol, das meninas, acusações Vin em relação a um possível delator, além de boatos a respeito de sexo oral, envolvendo Corrado. Essa possivelmente é das anedotas uma das mais lembradas de Sopranos, já que há toda uma discussão sobre sexo oral.

Para os italianos desse microuniverso, qualquer manifestação de sexo oral é digna de homofobia, basicamente porque para eles, quem chupa uma mulher chupa qualquer coisa. A visão tacanha e preconceituosa revela o quanto esse povo tem problemas, sendo conservador e nonsense ao extremo.

Também há saídas espertas, como reuniões entre mafiosos no asilo onde Livia reside. Entre as informações que Liv dá a Junior, começa uma nova fase da guerra fria entre sobrinho e tio.

Há uma trama subalterna, que mostra Adriana tentando se tornar produtora musical. Como Sopranos passa pela ótica de um homem caucasiano, heterossexual e de origem italiana, acaba refletindo esse mesmo espírito conservador e patriarcal no resto desse mundinho. É levantada a possibilidade de que ela só teria sucesso e só chamaria a atenção se usasse seus dotes naturais, ou seja, sua beleza física. Chase é esperto, pois revela os problemas e preconceitos de seu povo através de situações exageradas.

Dessa forma, ele exagera, pode blindar o julgamento sobre si, afinal, é tudo caricatural demais, ao passo que também consegue satirizar essas linhas de pensamentos, comentando elas de maneira mais escrachada.

A trama ligada a Pussy Bompansiero é explorada nos últimos capítulos. Ele é mostrado tendo uma crise de saúde, com dor nas costas, que são acompanhadas de denúncias como um possível delator.

Isso abala Tony, já que é seu amigo mais antigo. Ele até conversa com a terapeuta sobre essa situação e através de suas investigações, pensa que ele pode estar mentindo, especialmente depois que Paulie diz que indicou um médico, que por sua vez não identificou nada nas costas do amigo.

Vin diz que Pussy é o ideal do FBI, a vítima ideal para delação, um cara ligado a família, endividado, mas a realidade é que não fica claro se ele é ou não um delator.

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A caracterização do detetive particular é ótima. Ele exala vibração baixa, só usa tons de marrom, está sempre incomodado, suando, parece estar espiritualmente mal o tempo todo. O seu destino final é trágico e prenunciado várias vezes.

Paulie se prontifica a executar, diz que Tony demorou muito para se tornar Capo e que essa é uma das vantagens, poder delegar um trabalho que ele não quer fazer. A tensão é tremenda, termina com uma pessoa morta e outra desaparecida. A trama de Pussy se resolveria só depois.

Entre momentos de constrangimento com boatos e possibilidade de motim, Corrado segue. Ele tenta se provar e fica preocupado de ser emboscado por seus capos. É tão descolado da realidade que não percebe sequer que há um rato delatando tudo, é preciso que Anthony intervenha.

O sumiço de Pussy faz Tony ficar mal, tão ruim que Christopher acha que ele pode estar deprimido. O protagonista só se permite sair da letargia ao ver a bela vizinha, a hóspede dos Cusamano, que estão viajando para Bermudas. Ela se chama Isabella, é interpretada pela estonteante Maria Grazia Cucinotta e é tão marcante que dá nome ao episódio.

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Ao longo do capítulo ele se permite flertar com ela, fato que deixa as pessoas que descobrem isso irritadas, já que ele parece estar deprimido até então, mas deixa de lado o estado de morosidade só para lidar com a bela mulher.

No entanto esse é o capitulo lembrado pelo atentado a Tony, que quase é baleado por dois atiradores, enquanto um deles acerta uma garrafa de suco de laranja, que é obviamente uma referência à O Poderoso Chefão, que sempre trazia cenas de tragédia acompanhadas de laranjas.

Ele bate o carro, para no hospital e até o FBI vai visitá-lo, oferecendo a ele um acordo de delação. Os capangas louvam Tony, já Livia e Junior vão tentar se "desculpar" com ele, já que se tornam os óbvios suspeitos de tentar matar o protagonista e para isso, a avó/mãe dá sinais de senilidade bastante suspeitos, já que parecem mentirosos. Até mesmo o padre Intintola aparece e essa reunião.

Esse trecho parece tão irreal que faz o momento parecer uma viagem mental, um momento após a morte de Tony, com uma espécie de visão idealizada do seu próprio enterro, visto de algum lugar do purgatório. A revelação de que Isabella não existe o indigna, não o deixa preocupado. Depois do atentado ele não parece ter tempo para sentir-se mal ou magoado, afinal, tem que descobrir quem tentou matá-lo.

O season finale começa com uma reunião de Capos, pedida por Jimmy, mais uma armação de Tony, para comprovar a suspeita de delação. Ele é cuidado por Silvio e Christopher, que emboscam ele em um motel, com russas. O sujeito termina com um rato na boca, jogando em um beco, para passar a mensagem a qualquer pessoa que pense em entregar os seus iguais.

Melfi dá uma declaração bem pesada, sobre a personalidade de Livia e sobre os ataques na direção de Tony. Praticamente afirma que foi ela a mandante da tentativa de assassinato dele e obviamente a sessão não termina bem, com ele partindo para cima, virando a mesa de centro e ameaçando ela.

Os últimos momentos da temporada são repletos de emoções e de inaugurações, como a do Novo Vesúvio, o restaurante de Arthur Bucco, que finalmente consegue retomar o trabalho que tanto ama. Ele passa a gostar do lugar, mesmo com os percalços que se apresentam, como uma infestação de insetos.

Curiosamente ele protagoniza um grande momento de tensão. Depois de visitar a mãe de Tony, ele descobre que seu amigo foi o responsável pelo fogo que consumiu o antigo restaurante.

Ventimiglia tem então a chance de ter uma cena de ação bastante emocionante, onde aponta uma arma de caça para T, perto do Satriale. É a perfeita interseção entre o tenso e o patético. Artie é entre os personagens não criminosos um dos mais ricos, tanto que acaba sendo bem explorado nas temporadas seguintes, no entanto ele consegue driblar o seu lado sanguíneo, é emotivo com seu amigo e não comete nenhum ato reprovável. Segue com sua dignidade intacta.

Não fica claro se Livia falou o que falou para provocar raiva no amigo de seu filho, o que fica evidente é que ela transita entre insanidade e lucidez, ela controlava isso em algum ponto, mas também parece ter se perdido em meio ao personagem que criou para si.

Os últimos momentos mostram Tony se reconciliando com a terapeuta, avisando que ela pode estar sendo visada, agradecendo a confiança que ela tem em sua palavra. Ele assume que ela tinha razão e fica genuinamente triste por ter envolvido ela em uma trama triste e intricada como essa.

Tony chama Paulie, Christopher e Silvio, avisa que visitou uma terapeuta. Alguns compreendem ele, mas Chris não. A juventude dele possivelmente o inebria e o engana, fazendo com que ele se sinta mais especial do que realmente é.

O capítulo termina com prisões, de Junior, Larry Boy, e Joseph Beppy Saso e outros 13 membros da família, a mando do promotor Gene Conigliaro, outro paesano. Ele afirma que aquela é uma investigação de mais de década, em cima da máfia de Nova Jersey e aparentemente, o plano de Soprano deu certo, tanto que o impediu até de acertar as contas com seu parente.

O motivo do não indício de Tony é que investigaram fraudes telefônicas, negócio que ele não mexia. O FBI propõe uma delação a Junior, pedem para ele entregar que Tony era o real chefe de Jersey, avisam que o alvo na verdade é Sacrimoni, também outros chefes, citados apenas como Mangano e Teresi.

No entanto Corrado é orgulhoso, mesmo sabendo que o subalterno, o peixe pequeno, vai preso e não pensa em entregar ninguém.

Ao contrário do que Charmaine desejou, o novo Vesúvio acaba também se tornando o local de repouso dos mafiosos, especialmente dos Sopranos. A última cena da temporada se dá em um dia de chuva forte, que resultou em uma queda de luz na cidade inteira. Tony, Carmela e as crianças entram lá, pedem para ser servidos mesmo sabendo que o lugar estava fechando. Coincidentemente também estão Silvio, Paulie, Adriana e Christopher.

Nesse trecho ocorre o que deve ter sido o primeiro momento de ternura entre Anthony e Carmela, um abraço carinhoso, que parecia nostálgico, que resgatava os momentos da juventude de ambos, quando eram moços. Momentos de tensão extrema podem provocar sensações saudosas, como de fato ocorreu aqui.

Família Soprano é uma história sobre criminosos, mas é principalmente sobre as dificuldades do ser humano em viver na modernidade, em meio as contradições do louvor ao capital, na eterna briga por acumular riqueza e por se sobressair em uma corrida indecentemente competitiva e desnecessária.

Sopranos é sobre melancolia, sobre a simplicidade da vida selvagem dos patos, mas também reflete sobre os sentimentos tipicamente humanos, resultando em um belo poema sobre as fraquezas de um homem difícil.

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