Tremembé - A Prisão dos Famosos: Quando o true crime encontra a tragicomédia

Seriado baseado nos escritos de Ulisses Campbell, Tremembé mistura humor e realidade, em uma narrativa que faz rir...mas, de nervoso

Tremembé - A Prisão dos Famosos: Quando o true crime encontra a tragicomédia

Falar de Tremembé: A Prisão dos Famosos é falar também do seu autor, Ulisses Campbell. O escritor e o seriado são indissociáveis e essa adaptação da Amazon Prime Video busca mostrar o destino de vários presos cujos crimes ficaram famosos nas últimas décadas do Brasil.

Certamente esse programa não seria tão hypado e nem ganharia forma não fosse o trabalho do jornalista e romancista, que é o principal idealizador do projeto, mesmo sem ter experiência na feitoria de obras audiovisuais.

Sobre a série e as escolhas criativas:

Produção do streaming da Amazon, esse é um seriado que busca surfar na onda dos true crime.

Se aposta em uma fórmula que mistura terror, visto que foca em crimes trágicos, mega violentos e em um ambiente de toxicidade alta, já que é uma cadeira brasileira.

Mesmo se localizando em um lugar terrível, o programa consegue ser engraçado, uma vez que utiliza uma fórmula engraçada, que fez bastante sucesso em diversas obras e que guarda semelhanças com a "dramédia" Orange is the New Black, da Netflix.

Duas alas, um mundo a ser explorado...

Essa Tremembém possui um baita diferencial em relação ao seriado de Jenji Kohan, que foca em uma penitenciária feminina, essa aborda as duas alas da cadeia famosa, tanto a masculina, quanto a feminina, embora seu foco narrativo maior seja nesse segundo secto.

Isso se dá também graças a base de livros no qual a obra se baseia, a saber: Suzane: Assassina e Manipuladora e Elize Matsunaga: A Mulher que Esquartejou o Marido, ambas biografias não autorizadas, escritas pelo jornalista Ulisses Campbell.

A importância do escritor

É indiscutível que esse seriado só ocorre graças ao esforço de Campbell, que é o escritor especializado em matérias sobre crimes hediondos.

Ele é o autor dos dois livros que foram a base para os roteiros dos cinco episódios exibidos nessa temporada e ainda foi lançado mais um livro-reportagem, chamado Tremembé: O Presídio dos famosos.

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No "novo" livro ainda se abordam outros personagens, como ex-jogador Robinho, que já foi alvo de um outro documentário, O Caso Robinho, além de dar mais detalhes de personagens que são mencionados e pouco desenvolvidos aqui, como o caso do assassino de Eloá, por exemplo.

Outras obras de Campbell

Vale lembrar que o escritor também escreveu sobre o caso da pastora e cantora Flordelis, no polêmico Flordelis: A Pastora do Diabo, caso esse que possui dois documentários curiosos, o pioneiro Flordelis: Questiona ou Adora, da Globoplay e Flordelis: Em Nome da Mãe, da HBO Max.

Esse último, junto aos livros de Suzane e Elizane formaram a Coleção Mulheres Assassinas.

Ulisses também escreveu Francisco de Assis: O Maníaco do Parque, que via Prime Video ganhou filme - O Maníaco do Parque - e seriado documental, que é Maníaco do Parque: A História Não Contada.

Equipe Criativa

A direção é assinada por Daniel Lieff, com direção geral de Vera Egito. A sala de roteiro inclui a chefe Bartira Bejarano e Eduardo Zaca, além de  Egito, Thays Berbe, Ullisses Campbell, Marina Maria Iorio e Juliana Rosenthal.

Egisto Betti, Heitor Dhalia, Manoel Rangel são produtores executivos. A atriz e estrela Marina Ruy Barbosa é produtora associada, Camila Groch, Luciano Salim e Rune Tavares também fazem essa função.

Distanciamento de outra adaptação

Apesar de ser veiculada pelo mesmo canal de streaming, é fato que essa série não tem a mesma linha cronológica da trilogia de Mauricio Eça, que compreende os filmes A Menina que Matou os Pais e O Menino que Matou Meus Pais, de 2021 e A Menina que Matou os Pais – A Confissão, lançado em 2023.

Os três contavam com Carla Diaz como Suzane Louise von Richthofen, foram escritos por Ilana Casoy e Raphael Montese até certo ponto, esses filmes seriam lançados no cinema - os dois primeiros - com a opção interativa do público escolher qual seria a versão que veria.

Na verdade o conteúdo desses dois longas é praticamente o mesmo, com algumas cenas editadas e diferentes entre as versões, que se baseiam mais nos autos do processo - ou seja, nos relatos dos culpados - e menos na literatura anterior, que Casoy escreveu.

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Os pôsteres dos filmes do caso Von Richtofen, lançados em 2021

No entanto, a "ousada" (e péssima) ideia foi sepultada pelo fechamento dos cinemas, devido a pandemia de Covid 19, com os filmes sendo veiculados para o streaming, posteriormente ganhando um terceiro volume, com a tal versão dos policiais que investigaram o caso.

Apesar de contar com várias histórias em comum - afinal, Ilana Casoy escreveu sobre vários dos casos abordados aqui, no livro Casos de Família: Arquivos Richthofen e Arquivos Nardoni - o grosso da pesquisa é mesmo de Ulisses Campbell, que nos dois livros citados, conta várias historias que se passam não só no presídio célebre, mas em outros lugares também, nos arredores da cidade de Tremembé.

Estreia, nomenclatura e detalhes técnicos

Apesar de ser uma produção de vídeo e para streaming, houve uma estreia nos cinemas brasileiros, em circuito de festivais. Em 8 de outubro de 2025, passou no Festival do Rio.

A estreia mundial foi no último dia de outubro, ou seja, 31 de outubro de 2025. Foi assim na Argentina, Canadá, EUA, Índia e Alemanha, entrando no catálogo do Prime. Foi assim também no Brasil.

O seriado se chama Tremembé em quase todas as praças e é uma produção da Paranoid Filmes, com distribuição da Amazon Prime Video por streaming e em VOD.

Quem Fez

Lieff dirigiu Deus e o Diabo em Cima da Muralha, Alice & Só, além de episódios de Vale dos Esquecidos, Amar é Para os Fortes e Últimas Férias.

Foi codiretor em 1 Contra Todos e foi assistente de direção em Domésticas: O Filme.

Vera Egito escreveu o filme Elis e a minissérie Elis: Viver é Melhor que Sonhar. Também trabalhou nos filmes Amores Urbanos, Todas As Canções de Amor e A Batalha da Rua Maria Antônia, a série Me Chama de Bruna.

Bartira Bejarano escreveu a série Quebrando o Tabu. Thays Berbe escreveu Sintonia, As Five e Chic Show.

Marina Maria Iorio escreveu roteiros para O Álbum das Mulheres Incríveis, Bugados. Também colaborou com o texto de Turma da Mônica: Lições e criou a minissérie Turma da Mônica: Origens.

Juliana Rosenthal escreveu Amor no Divã, as séries Os Homens São de Marte...E é pra Lá que Eu Vou e Não Foi Minha Culpa.

Zaca e Campbell trabalharam apenas nesse, ao menos no que tange roteiros para obras audiovisuais.

Escolha de Marina

Em entrevista ao Inteligência Limitada, o autor dos livros assumiu que começou a escrever o esqueleto do roteiro pensando em Marina Ruy Barbosa como Suzane, afinal, ela poderia ser um chamariz, para público e para angariar verba de produção.

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Reconstituição da entrevista no Gugu, de um lado, Suzane, do outro, Ruy Barbosa

Campbell disse que ela foi o primeiro nome a ser escalado e que sempre teve ela em mente, uma vez que sendo essa uma "superprodução" (palavras dele) precisava de uma figura grandiosa, para chamar a atenção.

Mesmo que o elenco conte com nomes grandes, como Bianca Comparato, Anselmo Vasconcelos e Felipe Simas, é ela quem chama atenção.

Atenção a atuações

Ainda segundo o autor, Vera Egito tomou o máximo de cuidado para tentar fazer versões realistas dos personagens reais, implicando assim que o elenco tivesse tiques e trejeitos dos antigos residentes de Tremembé - vale dizer que boa parte dos personagens não estão mais na prisão.

Em alguns desses, isso é acertado, em outros não.

Também graças a esse espírito, é notado que há um humor implícito no modo de contar a história.

Narrativa

Como o seriado é recente, buscamos falar sobre a história evitando alguns dos segredos, mas sendo esse baseado em eventos reais. De qualquer forma, deixamos um aviso de que alguns momentos serão comentados.

O aviso de spoilers está dado.

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Formato dos episódios

Cada um dos capítulos começa variando entre o crime cometido pelos "famosos" e a convivência deles em Tremembé. 

Curiosamente, o primeiro capítulo é o mais diferente dos cinco, mostrando a "protagonista" Suzana em outra prisão, sendo escondida em um armário, sendo perseguida por outra presa, que quer matá-la, em nome do Diabo.

Ainda assim se faz uma espécie de reconstituição, do dia do crime, que aliás, é a única interação direta entre ela e os irmãos Cravinhos.

Simas faz Daniel e Kelner Macêdo faz Cristian. Os dois atores brilham muito.

Os interpretes dos Cravinhos

Não é Barbosa que é digna de elogios, os seus pares de crime também funcionam à contento.

Simas tem vários momentos reflexivos, melancólicos e mega sentimentais enquanto Macêdo faz um sujeito tão complexo e porra loka que causou no Cristian Cravinhos real uma série de postagens desmentindo os eventos mostrados na série - aliás, bem pontuados por Ulisses, que publicou provas em suas redes sociais, sobre um momento específico no último dos capítulos.

Fora de "sintonia" ou "do ar"

No momento do patricídio, Marina Ruy Barbosa aparece tapando os ouvidos, com música alta ao fundo, som potente o suficiente para abafar os barulho dos pais da moça, que tinham suas vidas encerradas.

Ela está aérea, parece fora do ar, como se escolhesse estar distante, mesmo com o corpo presente ali. Mais tarde, ficaria claro que esse não era um estado, mas sim o seu espírito comum.

A caracterização aliás é digna de nota. Usaram próteses dentárias e lentes nos olhos. Mérito da profissional Britney Federline, a responsável pela transformação dos atores nos presos reais.

A interprete está bastante diferente do que geralmente aparente nos papéis em filmes, novelas e peças que faz, ainda seguindo belíssima, afinal, Suzane é conhecida por ser bonita, sedutora e fatal.

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Manipulação

A característica mais chamativa dessa Suzane é que ela é manipuladora.

Isso de fato faltou bastante na versão de Carla Diaz, já que era histriônica e indiscreta na maior parte dos momentos, especialmente por conta da escolha narrativa nos filmes, que era a de copiar os relatos de advogados e réus.

Aqui não há compromisso com isso e sim com o que já se viu de Von Richtofen, seja em aparições públicas, entrevistas televisionadas ou nas conversas em off.

Ela não foi uma fonte direta e a mandante do crime pode estar atuando o tempo inteiro, mas se de fato ela faz isso, é essa imagem que passa para o mundo, portanto a escolha de mostrar Suzane assim atinge a verossimilhança.

Trilha sonora invasiva, mas convidativa

A direção de arte escolheu músicas temas para os personagens, demarcando assim uma grande semelhança com as telenovelas, que sempre possuem temas para personagens e situações.

Com Suzane, se escolheu a música Perigosa, versão de Ana Cañas, que versa sobre "uma fera de pele macia", que tem "um veneno no doce da boca" e "um demônio guardado no peito".

Pode parecer óbvio, pouco sútil e cômico utilizar tal faixa para definir Von Richtofen e é exatamente isso, uma vez que cabe perfeitamente.

As biografias veiculadas pelo Prime aliás tem um pouco disso, de não ter muito medo de se assumirem como ridículas.

Foi assim como a argentina Maradona: Conquista de Um Sonho, obviamente sobre Don Diego, além de Jogo da Corrupção, que remonta a história do dirigente João Havelange.

Viciada em seduzir

Até mesmo quando conversa com seu advogado, Valdo - o Osvaldo Müller de Fábio Herford - fica claro que ela utiliza seus dotes de beleza para controlar quem quer que seja.

Com medo de morrer no presídio, exige ir para Tremembé.

Seu homem jurídico é incompetente aos seus olhos, então apela para o promotor de justiça, promete a ele momentos de intimidade e quando já está a caminho do presídio, denuncia o sujeito por tentar se aproveitar dela, acusando-o de assédio.

Essa história além de real é bastante conhecida.

Famosas do episódio 1:

Fora Suzane, são apresentadas outras celebridades, como Elize Matsunaga (Carol Garcia) e Sandrão (Letícia Rodrigues) que aqui, são um casal.

Aliás, assusta a transformação de Rodrigues, que em outros trabalhos é bem diferente dessa versão da criminosa masculinizada.

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Os irmãos Cravinhos também aparecem logo no início, assim como Anna Carolina Jatobá (Bianca Comparato) e Alexandre Nardoni (Lucas Oradovschi) casal que foi incriminado pela morte de Isabella Nardoni.

Rainha

Sandrão é uma liderança nata na ala das mulheres de Tremembé. Tratada como realeza, ela dorme na gaiola, com suas esposa, a mulher acusada de esquartejar o marido, Elize Matsunaga. Curiosamente, esse relacionamento é negado por ambas as partes, inclusive dentro do roteiro.

Se apresentam outras presas menos famosas, como a forte Cássia (Ana Paula Dias) que é próxima de Sandrão, além da supostamente doce Poliana (Letícia Tomazella) que apresenta os lugares para Suzane e que se tornaria importante para a trama, mais tarde.

Entre ciúmes de Daniel, que reclama de ter levado um pé na bunda e de Elize, que nota a aproximação da patricida de sua par, o programa segue, mostrando que por mais que essa seja uma versão amaciada e light das maiores e mais famosas matadoras do Brasil, ainda assim, são serpentes comendo cobras e expondo veneno.

Ainda assim, há elementos que humanizam elas, como o desejo de Sandrão em ir para Fernando de Noronha, em um claro foreshadowing do momento em que ela seria mostrada cometendo seu crime, achando, tolamente, que conseguiria viajar para o paraíso tropical da região pernambucana, mesmo arrecadando tão pouco.

Destino inalcançável

Essas breves ilusões, os planos do que farão quando fora da carceragem tem um espírito bucólico e patético.

É assim afinal por conta de todo presídio, na visão do autor, ser um universo particular. Tremembé não é diferente. Aqui se vive um mundo à parte, no lado de fora há possibilidades infinitas.

Então, planejar ensinar alguém a caçar é meramente jogar palavras fora, simplesmente mentir, uma vez que dificilmente qualquer uma das duas terá interesse na outra, distante das grades que a reuniam nesse micro cosmo.

Enquadramento(s)

Paulina, a agente penitenciária vivida por Kelly Campelo, manda Elize sair do colo da namorada. Mais tarde a personagem ganharia importância, mas aqui ela aparece basicamente para frear a exposição sexual gratuita entre as presas.

Isso seria comum aliás. O normal aqui é mostrar um personagem sendo acessório em uma história, para pouco tempo depois ele ganhar importância.

Além do enquadro da autoridade na presa, também é mostrada Jatobá, que se aproxima de Suzane, mas diz não querer proximidade de Poliana. 

Não fica claro qual é o motivo dessa rejeição. Talvez seja uma questão econômica, mas aos poucos isso também é desconstruído.

Comparato x Jatobá

A atriz acaba sendo dentro do elenco um dos rostos mais reconhecíveis, visto que é tão ou mais famosa que Ruy Barbosa. 

Há quem diga que ela não está tão parecida com Jatobá, especialmente se comparar o visual de Lucas Oradovschi com Alexandre Nardoni. 

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É fato que Oradovschi está muito acertado como o pai que teria defenestrado a primogênita, mas é inegável que Comparato está muito bem, mesmo não sendo tão parecida com a personagem real, afinal, ela é boa atriz, se entrega e não precisa parecer com Anna Carolina.

Seu drama é tangível, ela parece mesmo carregar uma culpa absurda, além de sofrer com perseguições reais e de consciência, não sabendo qual é o drama maior, o de poder morrer ou a sensação de se julgar injustiçada.

Luka

Ainda no piloto, na ala masculina, chega um rapaz vestido à caráter.

Ele é Luka, personagem efeminado, de João Pedro Mariano, cujo crime não é absurdo. Sua estadia nessa prisão se deu por ter pais policiais.

Aparentemente, ele é baseado no sujeito real, que se auto-intitula Duda, um homem cisgênero, homossexual, que na época, se montava como mulher.

Assim que entra em cena, uma série de homens são apresentados como parte de um núcleo LGBT.

Entre esses, há o violento e brucutu Terremoto, interpretado pelo ator de aparições pontuais em Zorra Total, Miguel Nader, que está completamente diferente do que normalmente faz.

Assim que Luka adentra a trama, ele pede favores sexuais em troca de um armário. Não demora a aparecer também Gal (Luan Carvalho) a namorada de Terremoto, além de Cristian, que ajuda o rapaz e começa com ele uma interação mais íntima.

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Essa relação inclusive reforça a máxima de universo paralelo na cadeia, visto que Cristian é "casado", mas mantém uma relação com outros homens nos domínios do presídio.

Questões como essa não são incomuns.

As tentativas de estabelecer normalidade

Além dos dramas comuns ao encarceramentos, questões fora da cadeia também são abordadas, como a tentativa de praticar as chamadas "saidinhas".

Isso é mostrado especialmente com os Nardonis, que se habilitam para isso, graças a progressão de pena.

No entanto, tanto Anna Carolina quanto Alexandre não conseguem, visto que eles não assumem a autoria do crime que estão pagando. Essa resolução dos dois é real. Até a atualidade eles não confessaram ter matado Isabella, ao contrário, se dizem inocentes, fato que reforça que o trabalho dos advogados em liberar eles foi algo notável e de grande mérito.

Entre testes

O marido simplesmente se nega a fazer o teste de Rorschach, basicamente por ver uma criança segurada na janela, antes de ser defenestrada.

Já no futebol, ele é excluído, largado de lado, fato que coaduna com a realidade, uma vez que ele julgava jogar demais, mas sempre ia mal nas peladas e demais testes para entrar nos times, embora sempre tivesse a disposição os melhores tênis, comprados por seu pai, que enviava os mesmos para a posse do filho.

É válido lembrar que Alexandre não trabalhava, era bancado por seus pais, inclusive na época do fatídico assassinato da menina.

Os avós pagavam até a pensão alimentícia da menina que morreu.

Mudança de expressão

Fora esses conchavos, também se detalha a aproximação sorrateira de Suzane junto a Sandrão.

Ruy Barbosa acerta demais, mudando de rosto assustadoramente, de uma maneira bizarra, diga-se. Ela se metamorfoseia quando sente necessidade.

Sua presença é tão fantasmagórica que causa apavoro em alas que nem está, com Daniel, que a vê como aparição repentina.

Assediador

A versão do doutor Roger Abdelmassih de Anselmo Vasconcelos é incrivelmente parecida com a real. O doutor ginecologista que estuprou 37 pacientes e que foi condenado a 181 anos de prisão finge o tempo todo estar doente.

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Vasconcelos e o "doutor Roger"

Vale lembrar que o personagem foi protagonista da série Assédio, onde foi vivido também brilhantemente por Antonio Calloni.

Aqui, o sujeito é uma figura ainda mais decadente e velha, já inativo, mas igualmente digno de ódio.

Belas reconstituições

A cena do crime de Elize Matsunaga, a crise conjugal/briga de casal e as humilhações são muito bem demonstradas em tela.

Aliás, toda a construção do vitimismo que ela evocava é acertada e muito, desde as descobertas de que seu patrimônio é cheio de problemas legais, como a tal adega milionária cheia de produtos não declarados e a tentativa de fazer o documentário Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime, inclusive no sentido de tentar reabilitar a figura da matadora junto a filha, que é criada distante dela.

Há uma riqueza de detalhes e um enorme apego ao caso real, como ela sendo interrompida durante o esquartejamento para amamentar a bebê.

Nesse ponto, toca a belíssima Time of Seasons do The Zombie, enquanto ela fatia o seu antigo amado.

Humanidade:

É estranho que exista uma liberdade criativa para mexer com o tempo, condensando vários anos em um trecho só.

O fato de ser assim faz perguntar até qual é o propósito do seriado, se é ser fiel a realidade ou fazer troça com as figuras dos presos.

Também se nota que ela parece imitar Carandiru, de Hector Babenco, mostrando os tais "Monstros" com suas vidas sociais e normais invadindo a tela.

Isso se vê especialmente na exploração de plano de fundo de vários personagens. Para a maioria dos detentos, o desejo é bem óbvio, de apenas querer viver rotinas comuns, de trabalhar, conseguir algum dinheiro, comer, transar, constituir família e gozar de prazeres mundanos e comuns.

Os personagens também têm pesadelos, tentativas de burlar as regras do presídio com laudos falsos e outras desventuras. Em meio a essas, se introduz personagens como o Dr. José Tumura (Ricardo Oshiro) um médico condenado por sonegação, extorsão e crime organizado.

Esse último conversa com Abdelmassih, que oferece dinheiro pra ele e um emprego, caso ele ajude a liberar o assediador, mentindo em um laudo.

Destaca também o ex-michê Mariano (Cael Benício) que acompanha - e ajuda - o dr. Roger e depois, seria explorado em um arco dramático distinto.

Outro arco bem desenvolvido é o de dona Odete (Ilana Kaplan) a diretora penitenciária, que acha que ganhará a chefia do Vale do Paraíba, que é a região de Tremembé. Ela negocia os serviços de Daniel Cravinhos, para customização da moto do seu superior e Kaplan interage bastante com Simas.

Autoflagelo e outras figuras

O momento que Daniel ensaia se enforcar é simples e tenso, com bons ângulos de câmera bem fechados, facilitados pela boa entrega de Felipe.

É um senhor ator, ele já havia apresentado bons momentos nos filmes e novelas que fez, mas aqui há complexidade e muita entrega.

O escritor

Também revela a presença de Acir Filló (Marcos de Andrade) o jornalista e ex-prefeito de Ferraz de Vasconcelos, condenado a 7 anos de prisão, que aparece primeiro tentando ajudar Nardoni a construir uma maquete do prédio, para assim, tentar escrever sua tentativa de inocentar Alexandre.

Esse arco é curioso, por que é evidente que não dará certo, uma vez que todos os argumentos que o sujeito sugere são fracos e fáceis de desmontar, afinal, qual o motivo para alguém malvado entrar, jogar uma criança da janela e não roubar nada da casa?

Acir ganharia mais importância, com o livro proibido e censurado Diário de Tremembé, que se tornaria um

Sexo

A série não tem muito pudor de mostrar as relações entre os presos, especialmente os homossexuais.

Nada em Tremembé é glamourizado, ao contrário do que normalmente se pensa. Mesmo personagens periféricos, como Gal, são mostrados em detalhes. O mais simpático e inofensivo pode ser alguém péssimo.

Claro que isso é quase sempre deixado de lado, para mostrar a participação de Suzane e seu olhar repleto de um vazio, seja indicando a Anna Carolina a seguir falando que nada fez, seja quando afirma que conversará com Sandrão sobre a segurança dela, sugerindo que ela fale com Cássia, que é justamente quem a ataca.

Jatobá cede, aceita pagar 3 mil reais para ela, aceita inclusive não revidar qualquer futura provocação. A realidade é que o foco é nessas figuras, em Jatobá, Richtofen etc.

Suzane assusta até a psicóloga, dizendo que sonha em ser mãe e que já tem os nomes para possíveis crianças, Benjamin e Isabela.

Rorschach

Ao lado dessa questão, é mostrada uma bateria de exames de Rorschach. Isso é mostrado como fundamental para todos. Como dito, Alexandre desistiu já no piloto, fato que atrapalhou sua tentativa de progredir em pena.

Elize faz, mas obviamente mente. Foi nesse ponto em que ela foi determinada como psicopata. Já Suzane foi mais desonesta ainda, tentando burlar e fraudar.

A série toma a liberdade de mostrar futuramente Valdo dando a ela livros com gabaritos do que falar.

Tremembé - A Prisão dos Famosos: Quando o true crime encontra a tragicomédia

Fachada

Os cenários do seriado são sensacionais. As partes internas parecem demais com o interior da cadeia. Tudo foi reconstruído de forma fiel ao que de fato está dentro dos prédios do complexo.

A fachada de Tremembé é idêntica, fato que até faz perguntar se foi filmado lá.

Os dias da visita mostram uma outra fauna, inclusive pessoas com namoradas e esposas tendo visitas íntimas e outras parentes de presos, que tem fetiche em gente encarcerada, a chamada hibistrofilia.

Também se ensaia a futura entrevista com Gugu, envolvendo Suzane e Sandrão, organizada por essa última, que sugere que a menina receberia 100 mil reais e não os 120 que a Record ofereceu.

Há vítimas de Roger atacando ele e um momento curioso, onde Cristian se lesiona na visita íntima, além de momentos emocionais de Jatobá, que consegue sair no dia das crianças, para visitar seus dois filhos. 

Comparato brilha, no auge de uma paranoia, de uma mulher que sofre com a família do marido e com a culpa do crime que nega até hoje.

Caso Nardoni

A cena do mercado, no fatídico dia que o cartão do casal Nardoni foi recusado é bem mostrada e executada.

A cena é simples e muito bem atuada. Mostra Anna batendo em Isabella no carro, mas não glamouriza a violência, ou algo que o valha.

Depois mostra todos estressados, subindo no prédio, com a esposa limpando o sangue no chão, enquanto o marido anda. O programa assume que eles agiram rápido, para tentar encobrir o problema inicial.

Gugu

O momento da famosa entrevista enfim chega e Paulinho Vilhena faz Gugu. A entrevista é sensacional, Suzane é amedrontadora e aqui se toma a liberdade de mostrar que essa foi ao vivo, quando obviamente, não foi.

Paulo Vilhena interpreta Gugu Liberato em série; veja caracterização

O efeito dos presos vendo ao vivo a participação de Suzane é muito bem pensada, sendo então uma sequência engraçada, que acrescenta temperos diferenciados para a minissérie.

A questão envolvendo Sandrão, sua inclusão e a conversa de Gugu dar um presente das máquinas de ateliê é mega bizarra - ainda culminaria na cena do caminhão que chegou ao presídio, sem poder ser utilizado.

Dadá e Amaral e um aceno a um segundo ano

É justo nessa conversa que Suzane cita a mulher que tentou matar ela a mando do diabo, na outra prisão.

Nesse ponto, apresenta  Dadá (Rosana Maris) presa por assalto, tráfico e formação de quadrilha, condenada 20 anos de prisão.

Também é mostrado Amaral, o personagem de Breno da Matta, que resume em si todos os jornalistas sensacionalistas, que utilizam da exploração da desgraça e tragédia para angariar audiência, no famigerado O Cheiro da Notícia, que seria ainda mais explorado no final dos capítulos, como um paralelo de Cidade Alerta ou Brasil Urgente.

É ele quem viabiliza a publicação de Acir, inclusive introduzindo figuras como Lindemberg Alves, sujeito que sequestrou e matou Eloá a tiros, além de Gil Rugai, que matou pai e madrasta a tiros.

Aqui, os personagens são apenas mencionados, fica a impressão de que o drama deles seria abordado em uma eventual segunda temporada de Tremembé.

O mesmo parece acontecer com Pimenta Neves, um ex-diretor de um jornal diário e que assassinou sua namorada.

Troca de comando

No mesmo episódio que mostra o crime Sandra, também é exercida a troca de comando da ala feminina. Suzane assume a posição de seu antigo par, assim que o "anjo foi embora".

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O relato do crime é agressivo, mas mostra também que Sandrão errou tolamente, sendo até doloroso, já que a personagem conhecia o menino, que teve que ser apagado, por ter visto todos.

Ainda justifica a cicatriz no braço, que ela carregava e que sempre se destacava em cena.

Cristandade

Suzane começa a agir como cristã, claramente em contradição a sua rival, que é "serva do diabo". Além da questão espiritual, fica claro que é parte do seu esforço de manipulação.

O quarto episódio é meio temático, mirando os não residentes do presídio, incluindo Sandrão, que está recentemente livre. A antiga mandante exige da atual os 20 mil da entrevista de Gugu, mas fracassa.

Além disso, dá um destino bastante trágico para Mariano, que acaba sendo transferido para o Pinheirão, um presídio menos famoso.

A saída e o crime do médico

No final do penúltimo capítulo, toca Monsters, de Ruelle, antes da liberação de saidinha por 7 dias. Todos os personagens estão belos, parecem modelos.

Ricos, poderosos e enfim, livres.

Já Vasconcelos brilha demais como o ginecologista assediador. As cenas são cruas e malignas, mas não aparece nada grave de verdade.

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Vasconcelos comparou a humanização que fizeram de seu personagem aos caracteres shakesperianos.

Disse:

Humanizar é mostrar que o homem é capaz de uma crueldade, de uma virulência que nenhum outro aspecto faz

O destino dos outros personagens é mostrado com atos de rebeldia.

Cristian, que acabava de protagonizar cenas utilizando roupa íntima feminina e que assumiu ter um relacionamento com um homem e com uma mulher, é visto fora de casa no horário que deveria estar descansando. Graças a brigas com sua "esposa", é localizado e acaba sendo tragicamente devolvido ao cárcere.

Já o casal Nardoni tenta fingir certa intimidade diante das câmeras, mesmo sem se corresponder há muito tempo e sem se ver há oito anos. 

Ainda assim eles acabam ironicamente protagonizando uma cena em supermercado, o mesmo cenário pré-morte de Isabella. A cena de fato aconteceu, pós-liberdade condicional e acaba entrando na onda das licenças poéticas da cronologia.

Entre todas, essa é uma das que faz pouco sentido, já que com apenas sete dias, certamente eles não gastariam tempo fazendo compras, pechinchando como fazem aqui.

Atualmente é sabido que eles não estão mais juntos e a série assume que os dois já não estavam mais nesse trecho da vida.

No carro ele tenta se aproximar, toca na mão dela, ela pede para ficarem sozinhos, mas obviamente não conseguem, ou seja, não tem intimidade, tampouco privacidade.

Igreja:

No capítulo derradeiro há muita participação da igreja, na visita que Sandrão recebe da vizinha cujo filho foi vitimado por ela. A mãe chama a ex-presidiária para dar testemunho na igreja

Também é mostrado o casamento de uma detenta, Raíssa, cujo marido a perdoa por ter matado seu filho, afinal, elas estava possuída pelo diabo.

É nesse casamento que Suzane se sente "perseguida", uma vez que é denunciada e pega. Depois ainda recebe uma mensagem de Andreas, mas não consegue reencontrar o fraterno.

Envaidecida, a moça afirma que somente ela foi presa e acusada por estar ali, achando que a carapuça de vítima, lhe cabe, afinal ela parou em Taubaté, que era caminho para Angatuba, seu destino final.

Além disso, o seriado Mostra Elize se alimentando de comida japonesa, basicamente para rimar com o meme/piada que ficou recentemente famoso.

Não há glamour, nem para ela, nem para Suzane, tampouco para os Nardoni. Até Daniel Cravinhos sofre, sendo o mais envergonhado de todos eles.

O destino de todos é péssimo, dramático e cruel, de assustar até quem acompanha esse drama, como os documentaristas de Elize.

Nesse ponto Tremembé exagera, se assemelhando a um panfleto ideológico anti-crime.

Ainda há espaço para momentos de emoção, como Anna Carolina ficando triste ao ver uma colega de cadeia sendo amada por seu marido, ou a última interação entre Simas e Macêdo como os irmãos Cravinhos.

Seus personagens magnéticos tornam urgente uma renovação e anúncio de mais um ano, que dificilmente não virá.

Tremembé: O Presídios dos Famosos tem um final em aberto, que mostra uma de suas estrelas no chão, a espera de um destino final. O que se vê até aqui é algo curioso, engraçado, que captura facilmente a atenção do espectador e que acerta principalmente por se levar tão pouco a sério.

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