O Caso Robinho é mais uma exploração do subgênero True Crime, baseado em uma história que ficou famosa graças a participação criminosa de um jogador brasileiro famoso.
Seriado em formato documentário, está presente no serviço de streaming Globoplay, que descortina toda a questão legal a respeito do crime de abuso praticado por um grupo de brasileiros na Itália, que contou com a participação do ex-jogador do Santos e seleção brasileira Robson de Souza, popularmente conhecido Robinho.
Chamado de Rei das Pedaladas, graças a um lance famoso e decisivo no Campeonato Brasileiro de 2001, ele foi um jogador bastante famoso, encarado até como um dos craques da geração dos Meninos da Vila que ganharam o título do torneio citado, junto a vários outros bons jogadores daquela geração.
Até esse episódio fatídico, em 2013, Robinho foi sinônimo de futebol bonito, plástico e irreverente, aliás, seria assim até um tempo depois do ocorrido, já que seu crime demorou a repercutir de maneira negativa, especialmente no seu país natal.
A expectativa grande em relação ao "jogador" Robinho
Por muito tempo ele foi considerado um favorito até a concorrer ao prêmio de melhor do mundo no esporte - pela época, Rivaldo, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho Gaúcho e Kaká ganharam esse mesmo prêmio - mas jamais conseguiu tal feito.
Vale lembrar, obviamente, que as acusações, julgamentos e demais demandas da questão criminal não teve qualquer ligação com o rendimento dele na Europa.
Robinho era uma grande promessa, mas tal qual boa parte dos seus contemporâneos como Diego Ribas, Alexandre Pato, Anderson (ex-Grêmio) ele simplesmente não se tornou o craque diferenciado que se projetava.
Na época do crime ele estava já no seu terceiro time europeu, para quem não acompanha futebol é bom deixar claro.
Ainda assim, quando retornou ao Brasil, Robinho fez diferença, foi bom jogador em quase todas as passagens pelo Santos, que foi seu clube de origem e jogou bem também no Atlético-MG.
Robinho vilão e o podcast
Fato é que, nos últimos anos a repercussão a respeito dele passava mais pelo tal caso de estupro e menos pelo futebol.
Dito isso, esse documentário vai na esteira de dois fatores distintos, sendo o mais recente, a prisão do ex-atleta, que cumpre no Brasil a pena que a justiça italiana sentenciou - com grande intervenção dos setores do atual governo federal, diga-se, uma vez que na gestão de Jair Bolsonaro na presidência não se houve qualquer preocupação com o caso - além do podcast UOL Esportes Histórias: Os Grampos de Robinho, que compartilha com essa série, dois dos idealizadores do antigo projeto.
O podcast do UOL foi apresentado por Adriano Wilkson e Janaina Cesar, tinha um conteúdo pesado, feito para adultos, claramente, inclusive com avisos sobre conteúdo sensível.
Nele há uma exposição das falas grampeadas do atacante e de Ricardo Falco, seu amigo que morava na Itália e que foi julgado pelas autoridades locais.
O conteúdo é pesado e antes de falar sobre o tema em si, avisaremos o leitor, caso ele não queira saber o que se fala, já que é digno de provocar gatilhos para quem é sensível a esse tipo de relato.
Esse documentário explora boa parte do que se discute no podcast, mas de maneira mais calma e ponderado, dilui o conteúdo pesado, retira sensacionalismo e grafismo, até omite partes mais violentas do caso, em compensação, dá voz a outras figuras que o podcast não conseguiu, especialmente pelo fato de trazer falas da vítima.
Os realizadores
Essa obra tem direção e roteiro de Rafael Pirrho e Caroline Zilberman, tem produção executiva Afonso Garschagen e Gustavo Poli. Os produtores são Janaina Cesar, Adriano Wilksom e Marcio Falcão.
O programa foi ao ar de uma vez, publicando os quatro episódios no dia 30 de outubro de 2024, na Globoplay.
Quem fez:
Caroline Ziberman dirigiu Elza e Mané - Amor em Linhas Tortas, escreveu Palmeiras, 13 finais, tanto o especial para TV quanto a minissérie.
Wilkson é autor do livro A Grande Luta e do podcast Carrapato, além do já citado UOL Esportes Histórias em três temporadas, explorando nos outros anos, o caso do ex-jogador Daniel - na época chamada Futebol Bandido: Caso Daniel e Sobre Meninos e Porcos, que fala a respeito de um assassinato envolvendo dirigentes da Mancha Verde.
Janaína Cesar é jornalista investigativa freelancer, trabalhou em Agência Carta Maior, O Estado de São Paulo e Intercept.
Avisos:
Antes de falar a respeito da trama, de spoilers e de fatos que podem deixar o leitor mais sensível mal, vale a pena ressaltar que sim, há informações novas para além do podcast.
Sendo assim, é um bom complemento a ele, mesmo que não informe tanto quanto a produção em áudio.
Repercussão de um documentário é maior que de um podcast
Os Grampos de Robinho é bem mais rico que esse, mas é fato que estando as mesmas informações que estavam em um produto de nicho, quando são levados a uma série de um grande canal de televisão, ganham mais espaço e proteção.
Mesmo que não seja uma publicação em uma rede de TV aberta, é inegável que o megafone aqui é maior, além disso, o debruçar sobre a lei italiana ajuda a entender a gravidade dos crimes cometidos por Robinho e seus amigos, com a vítima albanesa.
Agora sim, avisamos que falaremos em detalhes sobre a trama do seriado, também falaremos brevemente sobre os crimes.
O aviso está dado.
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A abertura do programa é criativa, lembra os bons momentos de Hans Donner nas novelas e programas humorísticos da Globo, misturando o desenho de linhas telefônicas, que se juntam até formar o rosto do Robinho.
O piloto foca mais no crime em si, praticamente não fala a respeito do trabalho de Robson Souza como jogador. Já inicia mostrando as conversas gravadas, fruto de grampos no carro dele e no telefone tanto dele quanto de Ricardo Falco.
Em alguns pontos, se entrevista também advogados italianos, juízes, promotores de justiça e claro, a albanesa Mercedes, que prefere não mostrar o seu rosto. Todos os estrangeiros italianos são dublados, mas Mercedes sabiamente não é.
Ela já não aparece, suprimir sua voz não seria inteligente e nem de bom tom.
O primeiro episódio se chama Meu Nome é Mercedes mostra uma conversa entre Robinho e Jairo - um conhecido dele, que nada teve a ver com o crime - começa com uma tomada aérea, sobre Milão
A edição se vale de uma música incidental dramática, que dá muita pompa as revelações do seu texto, depois aparece uma mulher no escuro, que senta em frente a câmera, sem ter o rosto revelado.
A relação com o podcast
As primeiras falas se dão com os jornalistas (e produtores desse Caso Robinho) Janaina César e Adriano Wilkson, que eram os produtores do podcast já tão citado,
Os episódios foram tão populares que ganharam um tratamento no UOL Prime, que é outro podcast, que destaca boas matérias do site, apresentado pelo jornalista José Roberto de Toledo.
Tanto Janaina quanto Wilkson não estão mais no UOL.
O grupo Globo costuma elevar podcasts seus para o patamar de documentário, inclusive de outras plataformas. O doc de O Caso Evandro contou com participação de seus idealizadores, sendo veiculado até na versão em áudio dentro das plataformas do grupo Globo.
Com relação aos crimes de Robinho, é diferente, já que é possível ouvir Os Grampos de Robinho ainda na UOL e em suas plataformas de áudio.
A mudança de formato e suas vantagens
Fica a impressão de que a saída dos dois jornalistas facilitou a negociação para o documentário e é inegável que com mais verba de produção, é possível ir mais longe.
Isso justifica a presença de Mercedes e de outras figuras.
Diferente da maioria das matérias sobre o caso na época, aqui a vítima recebe um nome: Mercedes. Vale lembrar que houve muito cuidado por não nomear a moça até então. Só se deu um nome para ela quando a mesma sentiu vontade de fazer isso.
No próprio estudo do documentário fica claro que para ir atrás das autoridades, ela precisou se convencer a denunciar que foi vítima de um estupro coletivo e não de uma orgia consentida, como é dito pelos seis participantes, quando são convidados a depor ou quando conversam por telefone, nas gravações obtidas pela justiça italiana.
Os Parças
Se traça um mini perfil de Alex Dantos Silva (Alex Bita) Fabio Galan , Rudney (o aniversariante da noite fatídica) Clayton Santos (Claytinho) que eram todos amigos de Robinho na Baixada Santista.
Esses são os chamados parças, que é o nome popular que se dá ao entourage dos jogadores de futebol famosos. Boa parte dos jogadores tem um grupo de amigos que viaja com ele, para onde ele for.
Falco, o Fala Pouco
Além desse, também se fala de Ricardo Falco, cujo vulgo era Fala Pouco, um apelido irônico que se dava por ele falar demais.
Ele é um brasileiro que residia na Europa, trabalhava com bicos, como motorista de aplicativo, normalmente. Nessa época, era uma espécie de "facilitador" de Robinho, um sujeito que fazia a tarefa de "faz tudo", já que tinha tempo livre e morava na Itália há um tempo.
Falco era fã de futebol, em suas redes se via fotos com vários jogadores do Milan, como Mario Balotelli, David Beckham etc. Aparentemente, quem fez a ponte para ele ter acesso ao Centro de Treinamento do time foi Robinho e sua equipe de assessores.
Orbita esse grupo o músico sambista Jairo, que não tem nada a ver com o caso, mas tocou naquele dia, no Sio Café, um lugar estilo boate ou casa de show, localizado em Milão e que foi o palco de todo o caso.
A função dos Parças
Sobre os Parças, é normal e corriqueiro que jogadores de futebol venham de comunidades carentes, de origem pobre. Robinho não era exceção a isso. Boa parte dos garotos humildes levam seus amigos consigo, para onde quer que vão, inclusive para a Europa.
Neymar Júnior tem um grupo de amigos, remunerados até, dependendo do caso. Boa parte deles fica tão famoso que faz até contrato de publicidade.
Nesse episódio específico, não ficou claro quantos desses amigos de Robinho moravam com ele, aparentemente nenhum, já que Robinho já era casado, tinha uma idade de mais independência e vinha do seu terceiro time na Europa, mas é fato que era aniversário de um deles.
O jogador custeou a vinda dos amigos para a Europa, para festejar esse momento importante, com a noitada resultando no Sio Café, depois que a esposa do jogador foi embora.
Os capítulos do documentário
O episódio um também mostra advogados, promotores, gente entre as autoridades jurídicas italianas em muitos detalhes.
O segundo capítulo tem o nome em latim, In Filo Veritas, significa "a verdade está no fio", que é uma brincadeira com a expressão latina In vino veritas cuja tradução literal é "no vinho está a verdade", mencionada nas obras de Plínio, o Velho.
Só nesse segundo episódio que se fala de Robinho como jogador - o que é bom, uma sábia escolha, já que ele agora é réu, está preso, não é mais atleta e nem candidato a ídolo, nada mais justo que se fale primeiro do seu crime e depois dos seus tentos.
Os comentaristas que falaram e os que se silenciaram
O documentário conversa com comentaristas dos canais Globo como os jornalistas Lédio Carmona e Renata Mendonça.
Se nota que não há depoimento de qualquer ex-jogador, que são em maioria entre os atuais comentaristas dos canais Globo. Um dos comentaristas atuais é Diego Ribas, que foi o 10 da geração de Meninos da Vila, onde Robinho era camisa 7, mas nem mesmo ele falou.
Tem sido assim em casos semelhantes, já que gente do futebol não falava ou fala sobre esse caso, tampouco sobre o também condenado Daniel Alves, que cometeu um crime semelhante em Barcelona.
Fica a impressão de que o corporativismo é maior que a preocupação com a imagem do jogador de futebol como pessoa necessariamente boa.
Robinho enquanto jogador
O documentário fala brevemente do começo do atleta no Santos, mostra imagens de arquivo, mas é editado para não parecer algo glamouroso.
Fala da passagem pelo Real Madrid, onde Carmona o define como irregular.
Também se discorre sobre a passagem dele no Manchester City, ainda em uma fase de coadjuvante na Premier League, já que não era exatamente o time bilionário que é hoje, depois voltou ao Santos.
Vale lembrar que na Inglaterra ele sofreu uma acusação de importunação de mulher, mas teve quase nenhuma repercussão na época. O documentário não fala muito a respeito, exceto por um trecho dos grampos, que menciona o caso.
O terceiro capítulo se chama O Julgamento e destaca o teor nojento das conversas entre Falco e Robinho, tanto na fala sobre as intercorrências sexuais quanto nas ameaças que faziam a Mercedes, com o até então jogador.
A polêmica em torno do caso aumentou com o tempo. Robinho eventualmente saiu do Milan, foi julgado e não esteve presente nos julgamentos, mas sempre teve advogados presentes nas sessões.
Depois ele ainda teve duas passagens no Brasil e em 2014, de volta ao alvinegro praiano, ele gravou um vídeo para a Santos Tv, repudiando as acusações, revoltado, ameaçando juridicamente quem falasse desse caso.
Não havia qualquer sinal de culpa ou remorso da parte dele, pelo menos até então. Depois da última instância, ele foi forçado a se aposentar.
A essa altura, ele também tinha jogado no Atlético-MG. Quando foi contratado, houveram alguns protestos pontuais na época em que ele chego, mas a maioria era tímido.
Quando o contrato chegou ao fim, houveram protestos mais enérgicos, por parte da torcida feminina do Galo mineiro, o que inviabilizou a renovação.
A ideia de gravar um podcast sobre os grampos telefônicos
Há aqui uma boa informação de bastidores, já que se fala da origem do podcast, que teria que ser algo a mais que só texto, já que a Globo já tinha transcrito os áudios que a justiça italiana liberou.
A imprensa da Itália teve acesso as traduções dos áudios dos grampos, publicaram dessa forma e os jornais brasileiros, incluindo O Globo, publicaram uma tradução dessas falas.
Ou seja, eram arquivos em português, trazidos para o italiano, que depois foram retraduzidos para português, portanto, haviam muitas falas estranhas, que pareciam truncadas.
A defesa de Robinho se defendia que essas traduções eram porcas o suficiente para chamar elas de "tiradas de contexto".
Janaina Cesar então teve a ideia de procurar as autoridades italianas, para entender se poderiam conseguir os áudios originais e os juristas entenderam que não havia motivo para negar.
Dessa forma, ela e Wilkson decidiram pela ideia de publicar tudo na íntegra, com um storytelling bem definido, com algum julgamento e opinião da parte deles, mas sem uma edição que fugisse do conteúdo agressivo e sensível.
O Caso Robinho é menos inspirado que o podcast, mas é um bom complemento especialmente pelas entrevistas com as autoridades da Itália. Vale a pena ver, sempre levando em conta a chance de causar gatilho e caso o espectador se interesse, pode procurar os episódios de Os Grampos de Robinho, onde certamente terá mais detalhes sobre esse momento torpe e melancólico.
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