Crítica: 007 - Operação Skyfall

Quantas franquias conseguem chegar a 23 filmes que, mesmo com altos e baixos, conseguiram se manter, pelo menos financeiramente, por 50 anos? E quantas vezes algum crítico ou mesmo uma parcela do público já disse que os filmes de James Bond estão desgastados? Bom, talvez, no final da era Pierce Brosnan, essas pessoas até tivessem razão. Bond precisava mesmo de novos ares, que só foram possíveis graças à entrada de Daniel Craig em 007 – Cassino Royale, não apenas o melhor filme do agente em anos, como também um dos melhores de toda a cinessérie. Infelizmente, o longa seguinte, Quantum of Solace, não atingiu as expectativas, que estavam altíssimas graças a qualidade da estréia de Craig, levantando novamente a questão: será que ainda existe fôlego para mais um? No ano que a franquia completa meio século, no entanto, o diretor Sam Mendes e os roteiristas Neal Purvis, Robert Wade e John Logan adicionaram, de forma relevante, algo novo, ao mesmo tempo que trouxeram vários elementos que sempre estiveram presentes nas melhores aventuras do personagem mas que nos últimos anos acabaram se perdendo.

Há muito a ser admirado em 007 – Operação Skyfall. Como seu lançamento se dá em meio às comemorações do aniversário do primeiro filme de Bond, é de se esperar homenagens. E elas aparecem aos montes. E, acreditem, de forma tão orgânica que em nenhum momento soam forçadas como, por exemplo, a garota coberta por petróleo na produção anterior fazendo referência à Goldfinger. Mesmo assim, não há a sensação de “filme comemorativo” já que a trama é relevante para definir o que os fãs devem esperar dos próximos filmes. Sim, Skyfall, além de contar uma história cativante envolvendo um vilão, Silva (Javier Bardem), cuja motivação é a vingança contra a M vivida por Judi Dench, ainda encontra espaço para pavimentar o futuro, como se o verdadeiro reinício de 007 só poderá ser possível à partir de agora. De forma impecável, Sam Mendes consegue criar uma aventura que deverá trazer ainda mais espectadores já que funciona muito bem como entrada para a série (e em alguns pontos, até mais que o próprio Cassino Royale). O diretor também conseguiu provar que consegue lidar muito bem com cenas de ação, criando momentos empolgantes, como a sequência inicial pré-créditos, sem as afetações moderninhas que permearam Quantum of Solace, que mais parecia um exemplar da série de Jason Bourne do que de James Bond. Mas Mendes não está sozinho e boa parte do sucesso do filme em termos visuais se deve à direção de fotografia de Roger Deakins. Graças ao profissional responsável por Onde os Fracos Não Tem Vez, Operação Skyfall pode não ser o melhor de todos os 007, mas com certeza é o mais bonito de ser contemplado. Cada cena é minuciosamente criada e momentos como a luta de Bond e Patrice (Ola Rapace) em Xangai ou Bond chegando no cassino em Macau (entrando na boca do dragão, numa bela metáfora do que ainda estaria por vir) são de uma plástica singular. Se o roteiro vem para chacoalhar o mundo de Bond, Deakins veio para transformar essa idéia em imagens.

E a trama realmente mexe com está estabelecido desde os anos 60. Os tempos são outros e a idéia de um serviço secreto infalível e que age pelo bem, e não pelos interesses escusos do governo que o rege, já não funciona mais. Por isso um fantasma do passado de M surge como o vilão do momento, que pode alterar a ordem mundial simplesmente hackeando um sistema qualquer. O tema do velho contra o novo é bem recorrente em Operação Skyfall. Os métodos brutais de Bond contra a ameaça invisível de um vírus de computador. O uso de armas que só atiram se o dono as estiver empunhando ou de uma boa e direta faca. O roteiro é inspirado ao adicionar essas discussões (que ainda questionam a existência do próprio serviço secreto) e Mendes ainda mais competente ao inserir simbolismos que as reforcem. É aí que a idéia de um diretor de forte estilo comandando um filme de uma série famosa por não arriscar demais, faz todo o sentido e se prova acertada. É importante destacar também que esta é a primeira vez que metade da história é situada na Inglaterra. O resultado é a aventura que melhor estabelece o protagonista como um herói britânico, uma vez que o roteiro lida com situações tipicamente daquele país como a burocracia, explícita quando o MI-6 é mostrado em sua base temporária como uma autêntica repartição pública ou quando as ações de espionagem são colocadas em pauta pelo Ministério.

A presença de Mendes não favorece apenas a forma do filme, mas também a interpretação de seus protagonistas. Daniel Craig nunca esteve tão bom como 007, mas é mesmo Judi Dench que entrega sua melhor performance como a chefe do MI-6. Sua M está mais frágil do que nunca, seja em seu semblante mais envelhecido do que o habitual ou mesmo na própria ameaça que a faz relembrar os erros do passado. Não se enganem: apesar das belas Naomie Harris e Bérénice Marlohe (esta última uma autêntica femme fatale), é Dench a verdadeira Bondgirl desta vez.

Como toda boa história de James Bond, Operação Skyfall precisaria de um vilão à altura do herói e Javier Bardem faz de Silva o mais interessante desde Blofeld. Um antagonista cujo desejo de vingança o levou a uma insanidade comparável, talvez, à do Coringa de Heath Ledger em Batman – O Cavaleiro das Trevas e cuja deformidade faz bizarrices como o terceiro mamilo de Scaramanga em O Homem da Pistola de Ouro ou os dentes de aço de Jaws em O Espião Que Me Amava soarem até normais. E o que dizer de suas insinuações à Bond? Simplesmente que, graças à elas, o 23º longa da franquia finalmente adiciona algo novo à mitologia, num diálogo repleto de duplo sentido e cuja resposta de 007 deve gerar certa polêmica, quando na verdade deveria gerar aplausos por sua originalidade e coragem. Original também é a primeira cena do filme, que justifica a ausência da famosa abertura do “cano da arma” (como em Quantum, presente apenas no final).

O mesmo não pode ser dito, infelizmente, do final do segundo ato, enfraquecido por um ponto de virada que já se tornou manjado e nitidamente inspirado pela forma que Christopher Nolan constrói o clímax de seus filmes. Sem querer estragar nada, basta dizer que a montagem paralela, a mixagem de som e a ação do vilão remetem imediatamente à momentos do já citado segundo longa do Batman. A sequência toda é excelente e mostra enorme competência não só de Mendes mas de seu montador, Stuart Baird, mas teria um impacto muito maior se ação que ocorre não fosse previsível por conta da existência de outros filmes com  momentos semelhantes (e justamente como encerramento de seus segundos atos).

Mendes também trouxe para sua passagem por 007, seu colaborador habitual, o compositor Thomas Newman, substituindo David Arnold (na função desde o segundo longa com Pierce Brosnan). Criando uma composição que vai do tradicional ao experimental, Newman ainda mostra que não se sentiu intimidado por usar o famoso tema musical do personagem. Assim como Michael Giacchino no mais recente Missão: Impossível, a presença da icônica música nunca é exagerada e entra somente quando necessária (como na aparição de outro ícone, o Aston Martin original) deixando espaço para novos temas, rodeados por um sabor internacional que se encaixam como uma luva para uma história que viaja para diversas partes do mundo. O compositor também parece trabalhar com referências. Em uma cena que envolve Bond e um elevador, a música soa como uma mistura do trabalho de Hans Zimmer em Batman com o de Bernard Herrmann em Um Corpo Que Cai.

Trazendo elementos clássicos numa roupagem contemporânea e, porque não, mais artística que o normal, 007 – Operação Skyfall não só prova que o desgaste ainda está longe de atingir completamente a cinessérie como também mostra como um direcionamento seguro de suas intenções pode ser suficiente para fazê-la durar mais 50 anos. Continuando assim, os fãs podem ficar tranqüilos. James Bond continuará voltando para novas e empolgantes missões.

Alexandre Luiz

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5 comments

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    Alynne Carvalho 27 outubro, 2012 at 14:35 Responder

    Como fã de 007, não poderia ter ficado mais feliz e com a vontade de ver esse filme por incontáveis vezes. Javier Bardem me deixou de queixo caído, com tamanha sua interpretação do macabro Silva, a cada cena que passava, só me lembrava mais a insanidade e loucura do Coringa, trazendo ótimos momentos para o filme. A fotografia de encher os olhos, abrilhantando ainda mais o filme. As diversas referências…M, fazendo seu nome e pra mim, se revelando "A" BondGirl. Além de é claro, Daniel Craig, que simplesmente nasceu pra fazer James Bond. aaah! Tudo de parar o coração.
    Verei de novo com certeza, pra admirar ainda mais uma obra tão grande.

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    José Guilherme 27 outubro, 2012 at 14:43 Responder

    Ser um filme comemorativo, homenagear sem soar forçado e ainda por cima nos entregar uma trama tão consistente e envolvente, faz desse o melhor presente para nós fãs Alex! Sei lá, você já apontou bem toda a relevância sobre os pontos que nos fizeram vibrar na sala do cinema.

    P.S.: Acho que não é todo mundo que vai entender o quão emocionante foi ver a aparição do Aston Martin, mas a cena foi tão forte, que mesmo quem conheça o mínimo da franquia percebeu o significado daquela passagem. Olhos marejados, não vou mentir.

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    offshore company 6 novembro, 2012 at 08:02 Responder

    Convidado a destacar aspectos que marcaram as tramas de 007, o publicitário e roteirista Carlos Henrique de Campos concorda que, no que se refere ao protagonista, não tem discussão: Sean Connery está no topo da lista. “O 007 pronto ainda é o Sean”, garante. Por outro lado, no hall dos vilões, estrelinha para o Goldfinger de Gert Fröbe. E a bond girl? Daniela Bianchi, de Moscou contra 007 (1963). “É uma senhora que deve ter hoje seus 80 anos e se ela passar na minha frente ainda dou uma assobiada”, brinca.LONGEVIDADE James Bond é a mais longa série cinematográfica de todos os tempos. Não se pode negar que ao longo dos 50 anos a mudança dos intérpretes foi uma tacada de mestre para a longevidade. “Por mais que se lembre de Sean Connery, passou a ser parte da história dos filmes o fato de que em algum momento os protagonistas mudam”, comenta Gerardo. “É um produto que vende bilhões de dólares e tem que ir se adequando ao gosto para vender mais”, completa Carlos. Em outras palavras, 007 sobrevive por que é uma série que se adaptou às mudanças da sociedade.

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