Terror brasileiro, Saltimbancos é uma obra que surpreende consideravelmente

Saltimbancos é um filme brasileiro, presente na mostra paranaense Djanho. Lançamento de 2025, dirigido por Rafael Van Hayden, é uma obra cuja trama envolve trauma familiar, carência emocional e um desejo de vingança que é elevado a potências maiores, graças a intervenção maligna misteriosa.
A história acompanha a menina que sofre uma perturbação familiar e que tem sua vida e rotina mudada depois de assistir a um show de palhaços em um circo peculiar.
Nesse interim, acompanha um grupo de saltimbancos, de palhaços de cores frias, que fazem seus números bem.
O longa tem direção, roteiro, montagem e produção executiva de Rafael Van Hayden, é produzido por Renata Coppola e André Juarez Parolin.
Foram assistentes de produção Yasmin Caffaro, Lucas Halloween da Costa e Guilherme Escapacherri.
A atuação do elenco é diferenciada, com ações e interações que evocam uma certa artificialidade.
Djanho:
Esse é um dos cinco longas-metragens presentes na mostra on-line do Djanho! Mostra internacional e interbairros de cinema fantástico de Curitiba, piá!.

Além desse estão Aloha, Malandro de Evandro Scorsin, Sob o Domínio de Julio Cesar Napoli, A Fotógrafa de Carlos Marbán e Tropícal SOV de Petter Baiestorf e outros 22 realizadores.
Estreia e nomenclatura
A primeira exibião do filme foi em 13 de junho de 2025, em uma premiere em São Bernardo do Campo, sua cidade natal.
O título original, Saltimbancos, é utilizado em praticamente todos os lugares onde ele foi exibido.

A produtora responsável pelo filme foi a Ficcional Filmes.
O que são saltimbancos?
Saltimbancos são artistas populares que se apresentam em espaços públicos, especialmente em praças e feiras livres, exibindo habilidades artísticas típicas da arte circense, como acrobacias, dança e exibição musical ao vivo.
O termo pode ser usado para descrever charlatães ou pessoas sem seriedade também e ficou obviamente conhecido graças ao espetáculo musical Saltimbancos de Chico Buarque, que ganhou os cinemas em Os Saltimbancos Trapalhões.
O quarteto de palhaços do cinema e televisão sempre incluiu em seu repertório referências diretas e indiretas a arte de circo, especialmente com Dedé Santana.
Essa adaptação para o cinema foi uma delas.
Quem fez
Hayden fez os curtas Novella, Cranium e Ghost Magnetic, além do longa-metragem O Medo É Só o Começo. Foi assistente de diretor em Conexão com o Mal.
Renata Coppola produziu o curta Osmose e trabalhou como produtora de casting no curta Efeitos Nefastos e assistente de fundição em Conexão com o Mal. Também atuou nesse último.
André Juarez Parolin produziu os curtas Tripofobia, Ghost Magnetic, Infernal e o longa O Medo É Só o Começo, que ele escreveu também.
Narrativa
A trama inicia contemplativa, com uma música forte, composta por Valdir Junior.
A cena se dá em uma floresta, em um cenário azulado, com a trilha aumentando consideravelmente a medida que o tempo passa.
Logo aparecem dois jovens, discutindo sobre assuntos triviais, típico de adolescentes, com um crédulo a respeito de signos, enquanto a moça, não parece crer muito nesse tipo de crença, tanto que sequer liga para o fato de ser libriana, ao contrário do outro rapaz, que é vaidoso, afinal, é leonino...
São eles Joel, personagem de Steiner Cedro e a protagonista Melissa, feita por sua vez por Bela Colombo, cujo nome aparece por cima até do nome do longa, em boa parte do material e artes.
Artificialidade
Como dito, as atuações são um pouco exageradas, além disso, falta sincronia entre o som dito pelos personagens e as imagens.
Em alguns pontos, parece dublado e mal executado.
Melissa confessa ter sentimentos melancólicos e parece gostar de fotografia. Ela parece estudar essa arte, em alguns momentos da trama se alude isso, mas em outros, simplesmente se esquece.
Esse aspecto poderia ser mais utilizado na trama, até para fortalecer a parte mais sobrenatural da trama, mas é subutilizado.
Conflitos domiciliares
Nesse início também é mostrado que Melissa sofre conflitos consideráveis em casa.
Enquanto está lavando a louça, seu pai entra em cena para reclamar que sua comida não é gostosa. Reclama de sua inutilidade, uma vez que "não faz mais nada".
O subtexto grita que ela tem suas questões sentimentais graves, que se dedica a uma arte que não necessariamente lhe fornece dinheiro - o que é comum, afinal, ela é jovem, provavelmente no início de carreira - e seu pai, impaciente, não entende os seus dramas comuns a essa fase da vida.
Por mais que haja um tom meio teatral nas atuações, essa parte do drama é fácil de entender e simpatizar. É simples, efetivo, faz sentido e estabelece humanidade na personagem principal.
Com o tempo é mostrado que ela é bem compreendida pela mãe, mas nesse ponto, ela não parece sentir muito alento nessa figura. Consegue ter algum tipo de tranquilidade quando abre sua caixinha de música, com uma dançarina de brinquedo a tira colo.

A música é tão icônica que embalou até o trailer do filme.
Na mata
De volta ao cenário "verde", Melissa passeia. Esse parece ser o seu porto seguro, o lugar para onde ela vai quando está nervosa.
Na mata ela encontra um folheto de circo, com a estampa dos Saltimbancos. A música aumenta e logo ela muda de cenário, como se estivesse em um sonho.
A partir desse ponto a trama evolui bastante, já que ganha contornos oníricos de um pesadelo.
Pensando a partir desse ponto de vista, talvez toda a trama caiba dentro de um devaneio, de uma fantasia da moça, fato que justificaria a forma mecânica com que os personagens agem.
Esse aliás é um baita momento, onde os palhaços dançam, causam baderna e assustam, variando entre a figura que chama a atenção das crianças de forma positiva, mas também causam temor nas pessoas que sofrem da coulrofobia.
O homem da cartola
Depois que toca uma música incômoda, um homem de cartola aparece no centro do palco e cita Melissa Santiago, diz que ela era esperada.
A participação desse sujeito é breve, nesse momento. Depois ele retornaria e sempre que está em cena, chama bastante a atenção.
Saltimbancos é um lançamento de festivais, há parcas informações sobre ele na internet e sua ficha técnica não dá nome a esse personagem.
Há poucas imagens de bastidores ou mesmo do filme, Van Hayden também não é muito presente nas redes sociais, fato que dificulta a apuração de algumas informações básicas.
Dito isso, esse personagem é de longe a parte mais inspirada do filme, infelizmente até o presente momento, não podemos dar ao ator os louros de sua bela caracterização.
Ele funciona como uma espécie de mestre cerimônias, de comportamento mega teatral e de imagem magnética.
Sumiço e retorno
Depois da participação no circo, Melissa acorda no meio da mata, a mesma que antes era o seu recôndito.
Nesse ponto, ocorre um momento que varia entre uma lembrança reprimida e uma fantasia em forma de pesadelo, com ela sofrendo a proximidade de uma figura branca e estranha, com penas.

Ela está suja, de sangue. Ao acordar assustada, decide voltar para sua casa o mais rápido que consegue.
40 dias e uma despedida
Quando chega em casa, sua mãe pergunta o que houve com ela. Falta gravidade nesse momento, especialmente quando ela deixa claro que a menina sumiu por mais de um mês, ficando fora exatamente 40 dias.
Seu pai obviamente reclama dela, briga com a menina, fato que é obviamente comum, visto o tempo que ela sumiu.
A grande questão é que na manhã seguinte o sol entra na casa e revela ele morto, na poltrona que sempre usava.
Melissa aparece na delegacia, onde é interrogada, pelo detetive Dário Aragão, interpretado (esse sim com crédito destacado) Vinicius Albano.
Na conversa com o agente da lei, ela diz que aquele não era seu pai, explica que passou mal, que não lembra de nada e que não foi ela quem matou o parente de sangue.
Ou seja, ela não tem ciência do que aconteceu - vale dizer que está bastante resoluta com isso, parece sincera - e não considera aquele sua figura paterna, mesmo com os laços sanguíneos.
Reencontro com Joel
Depois de sair da delegacia, a menina reencontra Joel, que ao andar pela ponte, começa a atacar ela.
A postura muda, ele começa a apontar para ela, usando frases fortes como "você fez isso com a gente", em tom acusatório.
Ele tem olhos brancos, como os de um possuído, então desmaia, na ponte onde eles costumavam transitar.
Eventos (ainda mais) estranhos:
Ao saber da visita da suspeita ao circo, o detetive vai até a tenda, tem uma conversa bizarra e profunda com o mestre de cerimônias, o tal sujeito de cartola, que não necessariamente usa o chapéu sempre, já que em algumas cenas, ele está com os cabelos soltos.
Mesmo com os eventos estranhos e com a interação entre detetive e o misterioso sujeito, a rotina dos outros personagens segue normal.
Ao menos até esse momento, Melissa segue sem grandes complicações, embora ela ache estranho o conjunto de sensações que carrega depois da visita que fez.
Ao conversar com uma moça prostituída, que está na vizinhança, ela reclama apenas de ter perdido o anonimato, depois que seu pai se foi, já estampou manchetes de jornais.
Nova rotina familiar
Em casa ela interage com sua mãe, que ri com ela, até se permite dançar, na cozinha do lugar, em um dia que a menina acorda de bom humor.
Na conversa que trava com a parente, é dado que a mãe é sonâmbula, fato que explica não só a dança, mas também serve de justificativa para a figura materna ter possivelmente cometido o crime contra o esposo, que a agredia.
A mãe diz com todas as letras que a culpa pelo drama familiar dos Santiago não é de Melissa, ainda destaca que apesar do relacionamento péssimo entre cônjuges, foi através dele que a mãe teve o melhor presente de sua vida.
Máscara
Melissa ouve mais uma vez a canção da caixinha de música, então vê uma máscara e coloca no rosto.

Assim que a coloca, tem visões, dela vestida de branco e toda suja, de vermelho.
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Nervosa e amedrontada, pisa no objeto, que larga sangue no chão. A câmera sobe e o rosto dela está com sangue também.
Pesquisa do policial e suspeitas
A trilha estranha mais uma vez ganha projeção em uma cena na floresta, enquanto o detetive anda. Esse parece um delírio onírico, mambembe, com pitadas esperteza e tosqueira.
Dário se preocupa com ela, não a acha suspeita, acha curioso que mais pessoas morram nas condições semelhantes ao do pai dela.
Desfecho onírico
O filme acerta demais quando mostra cenas contemplativas. Como é curto - dito às vezes como média-metragem, visto que tem 60 minutos de duração - o final acaba sendo o ápice do filme, com mais e mais cenas inspiradas.
Há momentos de intimidade da moça, que normalmente seriam mostrados de forma sexualizada, mas que não ocorrem dessa forma.
Há uma cena onde ela toma banho onde todo o cenário é montado para mostrar apenas que ela tem marcas em seu corpo.
Como suas roupas cobrem as cicatrizes, esse acaba sendo mais um dos seus segredos, em um paralelo claro com o desejo de não existência, marcas de autoflagelo que podem ter ocorrido antes ou depois do contato com o saltimbancos.
Body horror
Os devaneios de Melissa pioram a medida que o final se aproxima. Aos poucos, deixam de ser pesadelos para ganhar contornos de realidade e tristeza.
Pessoas somem, os sonhos pioram, se enxerga horror corporal em cenários (infelizmente) escuros demais e há até criaturas que lembram lendas lovecraftianas.
Em certo ponto, se retorna para a floresta, onde pessoas com a mesma máscara branca e bizarra de antes agem como em um culto de livro de Stephen King, especialmente os vistos em Cemitério Maldito.
Os membros do culto revelam-se como o óbvio já montava: são os palhaços do circo. O quadro é grotesco e ao mesmo tempo belo, com o sangue contrastando junto ao branco da maquiagem.
Eles se aproximam do cadáver do detetive para se alimentar, revelando que são canibais também, provavelmente, ou é isso ou o temor de Melissa faz ela enxergar eles como tão bestiais que são capazes de se alimentar de outros homens.
O final ainda mostra uma tentativa dela de negar o seu destino. Em algum ponto ela aceitou uma espécie de pacto, que ganha contornos visualmente assustadores ao tocar o anel do tal mestre de cerimônias dos saltimbancos.
O sujeito relembra que ela convocou eles, ela desejou aquilo e seu ímpeto se materializou. Se tornar um deles é mais do que o caminho óbvio, é uma constatação do destino, ainda mais se ela quiser frear mortes das pessoas inocentes, especialmente as que ela ama e que ainda não foram consumidas.
Saltimbancos ainda termina com ternura, com a amiga de Melissa indo até a floresta, colocando a caixinha de música no chão, em tom de despedida, enquanto a protagonista se maquia como parte do bando de vilões.
Ela aceita sua sina de tragédia e bizarrice e segue itinerante, junto aos outros vilões. É um fim poético, cruel e melancólico, pontuando bem toda essa jornada de tropeços da menina.
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