Gotti: No Comando da Máfia é um telefilme biográfico da HBO, que tentava narrar a história do famoso gangster ítalo-americano John Gotti. Dirigido por Robert Harmon, é protagonizado por Armand Assante e é teoricamente um dos responsáveis para a aprovação da ideia de David Chase na vindoura Família Soprano, ou Sopranos.
A biografia filmada foi veiculada em 1996, no canal pago HBO, estreou em agosto desse ano. Foi produzido pela HBO Films e distribuído também em VHS em seu país natal, pela própria Home Box Office.
A obra foi originalmente planejada para ser lançada nos cinemas, mas não obteve financiamento o suficiente para isso. Além de ser dirigido por Harmon, teve roteiro de Steve Shagan, produtor e escritor experiente, que havia trabalhado recentemente em O Siciliano, que é baseado em um livro de Mario Puzo, além de As Duas Faces do Crime, com Richard Gere.
O texto se baseia no livro Gotti: The Rise and Fall, de Jerry Capeci - que inclusive, teve uma participação breve em Sopranos, interpretando ele mesmo - e Gene Mustain. Harmon é um diretor conhecido e renomado. Sua obra mais famosa é A Morte Pede Carona, o filme de ação Vencer ou Morrer com Jean-Claude Van Damme e Habitantes da Escuridão.
A obra é conhecida na maior parte do mundo como Gotti, que é o seu nome original. Em capas de DVD, era chamado de Gotti: The Rise and Fall of a Real Life Mafia Don. Na Argentina é chamado de modo diferente, como El poder intocable, na Finlândia pode ser encontrado como John Gotti e John Gotti - Mafian kiistätön kuningas no título de vídeo. Na Alemanha é chamado de Der Todeskuß der Cosa Nostra que traduzido, seria algo como O beijo da Cosa Nostra.
A obra se diferencia um bocado de outros telefilmes sobre o secto da máfia italo-americana, como foi Falcone ou Lansky: A Mente do Crime. Ela foi bastante elogiada por Michael Franzese, que é palestrante e ex-membro da família criminosa Colombo, que trabalhou com Gotti, da família criminosa Gambino. Franzese considera este o filme de máfia mais preciso que ele já viu.
Isso se dá também pela naturalidade das falas e atuações. Era dito na época que haviam dois atores que tiveram associações com mafiosos de Nova York. Marc Lawrence era próximo de Charles "Lucky" Luciano, até visitou ele na Itália, depois que Luciano foi libertado da prisão e deportado.
Já o veterano Anthony Quinn era amigo de Frank Costello, ex-subchefe de Lucky. Os dois se tornaram próximos obviamente depois que Costello se aposentou da vida criminosa.
A exibição original foi um sucesso enorme, tanto que foi o produto original de maior audiência da história da HBO. Seu sucesso seria preponderante para convencer o canal a pagar os salários e escalar Dominic Chianese, Vincent Pastore, Tony Sirico, Frank Vincent e Frank Pellegrino para a série Família Soprano que estava em desenvolvimento.
Vincent, que interpretou o mafioso Gambino Robert DiBernardo aqui, apareceria dois anos depois em uma minissérie de TV relacionada à era Gotti. Chamava Witness To The Mob e dessa vez ele interpretaria Frank DeCicco, outro integrante assassinado quase dois meses antes de DiBernardo, no mesmo ano de 1986, no dia 13 de abril.
Outros atores do elenco também interpretaram gente da Máfia, como Robert Miranda, que esteve em Os Intocáveis e Rios Selvagens, além dos já citados Chianese, que fez Johnny Ola em O Poderoso Chefão Parte II e depois fez Boardwalk Empire, Sirico fez Os Bons Companheiros, Mickey Olhos Azuis e Lilyhammer, Vicent Pastore O Pagamento Final, Revólver e Wu-Tang: An American Saga, onde faz um mafioso italiano. Já William Forsythe fez o quadrinístico sobre máfia Dick Tracy, além do próprio Assante, que fez Hoffa: Um Homem, Uma Lenda e O Gângster.
A narrativa começa com um monólogo de Assante, que fala de si mesmo. Afirma que desejarão uma Cosa Nostra americana...desejarão John Gotti.
A fala é um tom solene, triste, ele está cabisbaixo, possivelmente indo para uma condenação via lei, que seria desenrolada ao longo da história.
A trama resolve voltar no tempo, indo para os anos setenta, em 1973.
Esse trecho mostra Johnny Boy contando dinheiro em uma mesa de carteado, com vários ítalo-americanos consigo, inclusive Sirico e Pastore.
Nesse cenário, aparece Aniello Dellacroce ou O'Neill, interpretado por Anthony Quinn, que chama Gotti e diz que o Don Carlo Gambino, quer falar com ele. Nesse ponto ainda não parece isso, mas O'Neill era como um padrinho para John.
Na tal reunião, o personagem-título encontra Sammy Gravano, de William Forsythe, na porta da sala. Ao lado do Don, está sentado Paul Castellano de Richard C. Sarafian, a direita e em pé, quase como um papel de governo, estava Joe Armone de Chianese.
Na conversa, Gambino, que foi feito por Lawrence, dá ordens para que ela não mexesse com drogas, por motivos óbvios, já que teria risco de mortes e altas penas. Aos poucos, Gotti é promovido, trabalharia direto para o Don, até recebeu a incumbência de matar um sujeito que maltratou o sobrinho civil do chefão.
As movimentações de John deixam seu amigo mais velho nervoso, ele teme que o expansionismo do seu pupilo atrapalhe os seus próprios negócios. Ao longo da fita essas tensões aumentariam consideravelmente, aliás e Quinn teria oportunidade de brilhar ainda mais.
O tal assassinato é registrado de maneira agressiva e violenta.
Acompanha eles o capanga de Castellano Ralph Galione, de Michael A. Miranda, que na época assinava Silvio Oliviero. Ele acompanha Gotti e Angelo Ruggiero, que é o parceiro de Gotti, interpretado por Pastore.
A sequência é agressiva, tão violenta e bizarra que fica até confusa. Aliás, boa parte das cenas de ação são assim, silenciosas, esquisitas, em alguns pontos até desimportantes, mas sempre destoantes da normalidade civilizada do mundo do século XX.
Apesar de ser meio jogado, é mostrada a rotina dos mafiosos como algo violento e cheio de assassinatos e vinganças pessoais, como o acerte de contas, de Joe D'miglia - que é o personagem de Sirico - apaga Galione, à luz do dia, com um silenciador na arma.
Esse momento é inesperado, mesmo que antes se falasse que Gaglione era um sujeito desagradável, impulsivo e ruim para os negócios, já que chamava atenção demais.
Chega a ser engraçado assistir Tony Sirico com cabelos escuros, especialmente para quem viu o seu Paulie Walnuts em Família Soprano. Tal qual ocorreu com seu personagem na série, aqui ele é violento, implacável, um sujeito de ação, que não teme apertar o gatilho quando preciso.
Como era comum na vida de um gangster, John não fica livre da prisão o tempo inteiro.
O roteiro engloba um longo período da vida do biografado, algumas dessas perdas de liberdade soam confusas e repetitivas, mas ainda assim esses trechos parecem bem trabalhados se comprar com seus pares.
Na prisão Gotti recebe as notícias da sucessão de Don Carlo. A ordem para não comercializar drogas foi desrespeitada até pelos outros aliados do mafioso mais antigo, mas são os homens que cercam o anti-herói central que são condenados por seus pares e pela lei.
Em muitos pontos isso soa como algo condescendente mesmo, eles são a reserva de moral e virtude.
Um papel importante apresentado na segunda parte do filme é Carmine Russo, um agente do FBI, feito por Frank Pellegrino, que acredita que o racha na família Gambino se dá pela origem dos subchefes e por não respeitarem a sucessão indo para o Caporegime mais antigo, no caso, O'Neill.
Como Russo é italiano, ele consegue entender como funciona as discussões entre os chefões, inclusive em relação as origens europeias dos bandidos. Gotti é napolitano, enquanto Castellano é siciliano, como Carlo também era. A balança sempre penderá para os sicilianos, mesmo que de longe, eles pareçam iguais.
As partes mais "recentes", são dramáticas, especialmente em 1980, quando Frank o filho de John é atropelado e morto. Toda a famiglia comparece, se faz presente, até personagens que pareciam desafetos de John, especialmente Samy, que toma as dores do amigo e mata o sujeito que atropelou o garoto.
Outro ponto curioso é que os fotógrafos, sejam do FBI ou da imprensa comum, Gotti é flagrado em sua intimidade, quando visita o túmulo do filho.
A maquiagem e os cabelos demonstram o envelhecimento do personagem. O trabalho é bem feito, mesmo que seja sutil. A maquiagem de Patricia Green é bem encaixada e o trabalho com cabelos, de David R. Beecroft também ajudam a aplacar os desnecessários e frequentes saltos temporais.
Há uma boa exploração das questões agressivas da biografia de Gotti, seus rompantes de raiva, as brigas e disputas na sucessão da família Gambino, especialmente quando relaciona a covardia do personagem de Quinn com relação a assumir o comando.
Também se fala bem sobre a lei RICO, que é a abreviação de Racketeer Influenced and Corrupt Organizations, um ato aprovado em lei federal pelo Congresso dos Estados Unidos em 1970 para restringir as práticas do crime organizado no país e visava processar chefes da máfia nos EUA.
As duras penalidades que prevê podem ser incentivo para os demais réus procurarem acordos de cooperação. Essa lei impede John de seguir crescendo na hierarquia criminal e na tentativa de fortificar uma Cosa Nostra natural da América, como era na Itália, até por conta de ele não aderir a acordos de delação.
Pastore atua bem, especialmente depois que seu personagem fica doente. Forsythe também é ótimo, combina demais com a atmosfera de paranoia e violência que a trama exige. Mesmo que Assante seja o mais exigido, o seu elenco de apoio brilha bastante.
Em determinado ponto, John é culpado e preso. O filme louva sua integridade e sua insistência em manter-se íntegro e fiel aos seus próprios preceitos. É curioso como mesmo sendo um criminoso, ele ainda é orgulhoso.
Dos telefilmes de sua época, Gotti: No Comando da Máfia é certamente o mais inspirado, o que reúne atuações mais dignas e o que tem mais semelhanças com obras feitas para o cinema. Ainda assim, carece de uma boa edição e de uma dinâmica interessante, perdendo força justamente por tentar abarcar um período histórico longo demais.