Falcone é um filme biográfico sobre o famoso um juiz italiano que ganhou notoriedade na Itália e no mundo inteiro graças a sua ação contra bandidos mafiosos, organizados da Cosa Nostra e demais facções da Máfia italiana.
Feito para televisão, é um longa-metragem conduzido por Ricky Tognazzi, ator e diretor italiano, que tinha alguma experiência em registrar histórias criminais na grande tela. A obra é bastante lembrada graças a dupla que protagoniza o filme, com o veterano ator Chazz Palminteri fazendo o Giovanni Falcone, além de ter F. Murray Abraham interpretando o mafioso Tommaso Buscetta, que é a outra figura famosa abordada no filme.
Essa é uma coprodução entre Itália e Estados Unidos, que adapta o livro Excellent Cadavers, de Alexander Stille. O nome do livro também é a alcunha de batismo do longa.
No resto do mundo a obra foi batizado ou de Falcone ou contava com pequenos acréscimos, entre variações de Falcone contra a Cosa Nostra. O longa foi apresentado pela HBO Pictures, produzido pela Tidewater Entertainment.
O roteiro ficou a cargo de Peter Pruce, do também telefilme da HBO Rasputin (1996) e da minissérie Julio Cesar (2002). O longa foi produzido por David Nichols, que vinha de trabalhos como Sete Anos no Tibet, conta também com a produção executiva de Renato Izzo, cuja experiência inclui filmes como Amor à Queima-Roupa e Estranha Obsessão.
A obra foi rodada in loco, com cenas na Sicília, em Palermo e em Roma. Tiveram algumas cenas em Nova York, em Greenpoint.
O que se conhece popularmente a respeito de Giovanni Falcone é que ele foi um magistrado italiano que atuava em processos contra os chefes da organização criminosa siciliana. Ele foi um sujeito reconhecido em sua época, era visto como uma pessoa de grande imparcialidade e se tornou famoso graças a Operação Mãos Limpas - que certamente mereceria um artigo próprio nessa coluna - e também graças ao seu fim trágico, morto a mando do mafioso Salvatore Riina.
Essa não é a primeira versão ficcional do juiz. Houve uma adaptação cinematográfica italiana, chamada Giovanni Falcone, lançado em 1993, dirigido por Giuseppe Ferrara e protagonizado por Michele Placido. Morto em 1992, ele passou a ser uma figura revisitada dentro do cenário de filmes e séries de máfia.
O telefilme se inicia em 1984, na sede da polícia em Roma, na famosa colaboração que ocorreu entre Buscetta e Falcone. O discurso é em inglês, com um dos personagens falando com um sotaque carregado, que entrega a nacionalidade italiana.
Esse seria um toque curioso e inteligente, pois como o longa foi feito para exibição interna, seria bem natural que fosse todo narrado em inglês. Acrescentar o sotaque seria uma saída esperta, que justificaria parte da adaptação, mas ao longo do filme o elenco simplesmente abre mão disso, inclusive Abraham, que na cena imediatamente posterior já não tem qualquer sotaque.
Não é difícil imaginar que a pessoa que fama é Buscetta, por mais óbvio que pareça, há um cuidado por mostrar Tommaso falando sem revelar quem faz o discurso em um primeiro momento.
O personagem afirma que não está traindo a máfia, e sim que a máfia o traiu. Claramente o que ele faz é um pedido de desculpas, por quebrar o juramento sagrado da Omertá, por ir contra a lei do silêncio que a instituição impôs a ele.
Há uma tentativa de santificar a figura de Buscetta, que por sua vez, acusa os mafiosos de terem matado seus familiares que ficaram na Itália. O diálogo se dá em um ambiente fechado, cinza, que lembra o aspecto de repartição pública e dos quartos sujos dos filmes noir antigos. Nesse início parece que o filme terá um cuidado com o visual, mas aos poucos, se nota a condição de mediocridade técnica, com pouco ou nenhum cuidado em representar a história de uma forma diferenciada.
A obra cai na condição de biografia que resgata muitos momentos na vida de seu personagem central. Para isso, retorna seis anos no passado, mostrando Giovanni mais novo, com dificuldades de encontrar um amor. Ele nesse momento da trama está trabalhando com falências, mas já nesse início ostenta um belo bigode grosso, que seria a marca do Falcone original.
Obras biográficas normalmente tentam fazer com que o elenco lembre bastante dos personagens reais. No caso de Abraham existe uma aproximação da aparência de Buscetta, até colocam uma peruca e maquiagem para parecer mais o mafioso.
Já Palminteri não lembra Falcone em quase trecho nenhum, fora o bigode, quase não há um trabalho do ator para mudar o próprio visual. Em alguns trechos ele lembra a figura real, mas na maior parte dos momentos, não é muito parecido não, tendo até mais semelhanças com o bandido Sonny de Desafio no Bronx do que o personagem que Chazz interpreta.
O visual dos personagens está longe de ser o maior dos problemas, uma vez que a construção do roteiro irrita bem mais. As fragilidades do texto já chamam a atenção no início da obra, enquanto o personagem tenta ascender na carreira de jurista, já que as linhas de diálogos, quase todas, possuem uma ou mais frases feitas, marcadas por uma pieguice atroz.
Falcone chega ao cúmulo de comparar mafiosos a advogados. A ideia seria a de mostrar que Giovanni tinha uma certa intimidade com os bandidos, já que viveu a vida inteira na localidade de La Calza, lugar bastante perigoso de Palermo, mas isso é mal representado em tela, igualado a inúmeros outros momentos baseados em frases feitas.
Ele afirma que respirou o mesmo ar que os bandidos, viveu na mesma vizinhança, compartilhou lembranças e vivências com eles, por isso ele não enxergava esse poder paralelo como algo necessariamente mal. Isso conversa diretamente com a percepção geral da população civil em relação a algumas classes de bandidos, mas o que poderia ser uma boa exploração de problemática é suavizado, tratado como algo subalterno.
Dita essa origem, é natural que os criminosos olhassem para ele com respeito, no entanto essa respeitabilidade não é posta à prova nunca. O roteiro simplesmente não trabalha para registrar complexidade no sujeito, ele não é mostrado tendo contato com nenhum bandido, não há nenhuma proximidade dele junto aos membros dessa sociedade secreta.
Por mais que o discurso do jurista seja o inverso, aqui, os mafiosos são apenas bandidos. Não humanização de nenhum deles, a exceção de Buscetta, que quando entra em cena, parece um sujeito sem propósito, desesperado, que ao se enxergar sem saída, aponta o dedo acusador para quem tem mais culpa que ele.
Palminteri parece entediado, imune a sensações de urgência ou vibração. É frio, mas não de um jeito que pareça seguro. Ele só aparenta não se importar muito com os graves acontecimentos que o rondam, é alienado. O interprete parece estar em uma espécie de piloto automático, atua de modo mecânico.
As mudanças na vida do protagonista ocorrem muito rápido, o filme tenta cobrir muitos acontecimentos e muito tempo em pouco espaço de tela. Isso inclui a transformação de área, com ele deixando de ser advogado para se tornar juiz. Não se dá quase nenhuma importância para os processos pelos quais Givovanni passa.
Ao menos há uma boa cena de introdução de Francesca, interpretada por Anna Galiena. Ela seria a esposa do juiz, a pessoa que estaria ao seu lado nos bons e maus momentos pelos quais a personagem passa.
Apesar de não ser mal interpretada, é um fato que Francesca é subaproveitada, até a presença do guarda-costas Mario Fabbri (Pierfrancesco Favino), é mais sentida que a dela, uma vez que ele é um dos poucos personagens que causa espécie em Falcone, tirando ele da zona de conforto assim que aparece pela primeira vez.
O filme é zerado de complexidade. É moralista, meio bobo e tolo em matéria de texto, desperdiçando assim uma história repleta de contradições, que poderiam gerar algumas discussões, mas não o fazem.
Também não há muita ousadia da parte técnica, a fotografia de Alessio Gelsini Torresi lembra o que é visto em programas de televisão, a montagem de Roberto Silvi também evoca essa condição. Como o filme está disponível no serviço de streaming da HBO em qualidade baixa, fica difícil não apreciar ele e sentir essa condição.
Tognazzi é mais conhecido por ter atuado com Nicolas Cage em Tempo de Matar de 1989. Também contracenou com Brad Davis em Nas Garras da Máfia (86). Com o tempo, passou a dirigir mais e atuar eventualmente. Suas obras mais conhecidas são Ultrà, La Scorta , L'Assalto e a série Boris Giuliano: Un Poliziotto di Palermo. Apesar de ser acostumado a dramas e histórias de criminalidade, traz à tona uma obra morna.
Vale pela curiosidade de assistir algo nessa temática em uma época pré-sucesso de Família Soprano, que também começou no ano de 1999. Nota-se então que a tv a cabo parecia se interessar por contar histórias de bandidos, em formato de filmes e séries.
O filme ganha um pouco de emoção quando Abraham retorna, quase na metade do filme, quando é capturado na Amazônia brasileira, em uma fazenda hiper genérica, muito mal caracterizada. Nesse trecho chama mais a atenção que a dubla brasileira utilizar a pronúncia Buxeta, em atenção ao que já ocorria nos informes jornalísticos do Brasil.
O roteiro é fraco em mostrar as motivações dos personagens. Por mais que Abraham trabalhe bem, seus motivos parecem gratuitos. Depois da introdução ficou a impressão de que seria mostrada algum momento de traição, ou de gente comprometendo a integridade da família, mas não. Tommaso decide cooperar com a polícia, chama o juiz e vai entregando seus antigos comparsas, como se Falcone fosse seu amigo de longa data. Não há nenhuma preparação, até se fala depois, que Riina era cruel e matava muita gente, mas não é mostrado até então.
Ao menos Abraham parece estar gostando de trabalhar, e vários pontos repete seu bom desempenho de Scarface, onde também fez um bandido. Mas é pouco, já que não há um grande esforço da produção em parecer dramático.
Até mesmo a série de assassinatos é tratado de modo blasé. Falta visceralidade e gore, falta também peso dramático. É como se todo o filme seguisse a mesma linha de frieza do Falcone que Palminteri faz.
O texto permite ter um momento de brilho em uma fala de Tommaso, que denuncia que o estado não se importa em acabar com a criminalidade mafiosa, por não enxergar nesse tipo de poder grandes problemas, mas até aí, Falcone também pensava assim...
Giovanni só demonstra emoções perto do final, quando está atrás de Totò Rina, pouco antes da polícia soltar alguns bandidos, inclusive assassinos de juízes. Ele vibra, se irrita, dá chilique, mas está atrasado até na percepção de que o sistema não vai mudar, já que sua esposa denuncia isso para ele, antes dele chegar a essa conclusão.
No final ele decide aceitar uma promoção, saindo de Palermo para trabalhar em Roma, onde teria mais chances de mexer nas leis, para enquadrar os criminosos de maneira mais rígida. A partir desse ponto ele é dramático, aparentemente seu gosto pelas óperas influencia sua forma de agir enquanto magistrado.
Ele se apresenta como um fã do sistema de leis dos Estados Unidos. Até sugere a instituição de um FBI italiano. Essa babação de ovo já era esperada, afinal, esse é um telefilme dos EUA, que é até falado em um inglês americano, mesmo que se passe inteiro na Itália.
A cena mais esperada certamente é a sequência de morte. A parte da explosão é bem-feita, mesmo com o CGI fraco no final. Tem uma boa variação de tomadas, e é mostrada de maneira crua. A grande questão é que todo resto da percepção pública sobre a morte de Falcone é zero sentida, e sendo ele e Paolo Borsellino heróis nacionais, era importante sentir o impacto em suas mortes.
Vale a pena ver Falcone graças à atuação de Abraham e para ter noção de como era o cenário de biografias para televisão da época. Falcone merecia uma obra mais complexa e cuidadosa, já que é um personagem rico e polêmico, e não um personagem tão comum como é o desenhado aqui.
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