A saga Evil Dead foi bastante popular e influente no cinema em geral e especialmente no gênero do horror. Produções mais comerciais e mainstream utilizaram boa parte das técnicas utilizadas na trilogia enquanto os filmes mais underground beberam da fonte sanguinolenta pensada por Sam Raimi. Não faltaram referências e inspirações pelo mundo.
Eis que nos idos da década de noventa, surgiu uma versão japonesa do filme. Dirigido, escrito e produzido por Shinichi Fukazawa, Jigoku No Chimidoro Muscle Builder é um experimento esquisito e louco, que foi descoberto anos depois de seu lançamento.
Sua divulgação foi bastante confusa, é sabido que ele foi filmado em 1995, mas aparentemente jamais ganhou os cinemas. Oficialmente, foi lançado em 2012 no formato DVD-R. Já em 2014 foi exibido nos cinemas e lançado em DVD no Japão. Nessas ocasiões podia se encontrado pela alcunha em inglês Bloody Muscle Body Builder in Hell ou apenas como The Japanese Evil Dead.
Um aviso ao leitor: esse é um filme independente. Não é tão difícil encontrar ele pela internet já que caiu na malha fina dos fãs de filmes de horror.
No entanto informações técnicas e de elenco são escassas. A maior parte das pessoas que participaram dessa obra fizeram ela e nada mais. Desse modo, talvez os intérpretes de alguns personagens estejam trocados.
Assim que tivermos a informação mais acurada consertaremos o texto, visto que não há material sequer no idioma original sobre a ficha técnica da obra.
Também deixamos um aviso de spoilers abaixo. Depois da imagem, falaremos abertamente sobre a trama.
A história começa de maneira abrupta, com um casal brigando seriamente, com um esfaqueando o outro sem motivo aparente. Eles são interpretados pelo diretor e por Aki Tama Mai.
Pouco antes da cena de introdução vem um letreiro, que localiza a trama no final dos anos 60, em algum lugar de Tóquio. A sequência é confusa não só pelo motivo da mesma, mas também graças ao modo de filmar.
A obra foi rodada em Super 8, todos os efeitos com sangue foram feitos à mão, com exceção de um buraco de espingarda, que foi feita com um tiro de verdade.
Em 1995 a franquia A Morte do Demônio/Uma Noite Alucinante já havia se estabelecido entre as obras que melhor misturam elementos de sustos e de risos. Fukazawa sabia disso e decidiu homenagear a obra de Raimi expondo isso, excluindo a parte cômica, deixando a trama séria, colocando a parte engraçada na maneira de filmar.
A ideia do cineasta é chocar pelo malfeito e pelo bizarro, sem muito compromisso com o bom gosto.
Isso se nota tanto no filtro meio azulado que recai sobre a cena onde personagens observam uma casa onde manifestações malignas ocorreram e também pela trilha sonora esquisita, de Notzan Act, que parece preocupada mais preocupada em imitar o visto em O Exorcista do que em assustar.
O filme é super mal iluminado, claramente passam pessoas na frente das lâmpadas, o trabalho da fotografia é horrendo. Nem mesmo uma simples história de ciúmes é bem demonstrada, dado que os atores também não são bons.
Os personagens não têm aprofundamento. A curta duração do filme - que gira em torno de 62 minutos - é mais preocupada em chocar e menos em aprofundar dramas. Engraçado que mesmo sendo curto, sobra espaço para contemplação. Ficam parados muito tempo, esperando alguma coisa acontecer. Até um simples abrir de porta é demorado.
A história já no presente mostra Naoto (o filho do personagem do início, também executado por Fukawa) e sua ex-namorada Mika (Masaaki Kai), uma jornalista que quer investigar casos sobrenaturais.
Depois de conversar bastante, os dois decidem ir até a casa antiga do pai de Naoto, a fim de investigar as lendas de que aquele é um lugar habitado por espíritos. Os dois se juntam a Mizoguchi (Asako Nosaka), que é um médium e vão até a casa antiga, para observar o local e suas possíveis manifestações.
Naoto é basicamente o único personagem minimamente trabalhado. É mostrado que ele se preocupa com sua forma física. Ele malha, esculpe seu corpo por alguma razão, fato que justifica o Body Builder no nome em inglês.
Já no início da exploração deles, Mizoguchi encontra um objeto assustador, no caso, uma boneca loira, pequena, que cabe na palma de uma mão adulta. O que mais chama a atenção no brinquedo é que suas feições são ocidentais e seus olhos são esbugalhados.
Ela guarda em cima de si uma toalha, onde está escondida uma faca que ao ser tocada, faz estranhas aparições surgirem.
O ser espiritual diz que o seu corpo está podre, que precisa de um novo para viver. Nem mesmo o especialista espiritual foge disso e acaba sendo o primeiro possuído, como um autêntico Deadite, termo esse que serve para designar os possuídos pelos espíritos kandarianos oriundos do Necronomicon/Naturon Demonto.
Aqui não há livro maligno ou sagrado, mas a entidade age quase da mesma forma que os espíritos que atacam Ash e seus amigos na cabana. Aqui há uma sequência que faz enganar o espectador e o médium, já que primeiro parece que a entidade esfaqueou o rapaz, para logo depois aparecer ele mesmo se ferindo.
O filme é bem confuso.
O rapaz morto aparece com uma aparência de zumbi, com a pele acinzentada. No chão ele começa a se debater, de sua boca sai um cordão de ouro, que vai se movimentando por seu rosto, até entrar em seu olho, em uma animação stop motion horrível.
Como um bom deadite ele retorna, ataca os vivos e protagoniza momentos nojentos até em comparação com a saga de Sam Raimi.
A mitologia utilizada aqui é original, mostra uma maldição hereditária, que passou do pai para Naoto, como se fosse um legado de melancolia. O pai do herói matou sua amante naquela mesma casa e agora o espírito da falecida tenta tomar o corpo de quem quer esteja no recinto.
A maior das coincidências dramáticas entre as obras está a utilização do esquartejamento como solução, ao menos supostamente. O artifício até possui uma explicação plausível, já que o espírito não tem força sozinho, precisa do corpo do médium para causar o mal.
Dessa forma, cortando o receptáculo, o espírito encerra suas atividades, ao menos em teoria.
Um aspecto curioso é que esse foi um lançamento bem próximo do clássico japonês Ringu/O Chamado de 1998, idealizado por Hideo Nakata. Em comum entre ambos há a maquiagem do possuído, com um aspecto obviamente mais bem executado no filme mais novo, além do advento da fita cassete, que em O Chamado é o objeto condutor da malignidade e aqui serve como artifício de explicação conveniente de roteiro, mas voltada para o bem, já que é dessa forma que o pai de Naoto se comunica com ele.
A diferença é que Ringu ao menos preenche essas características singulares dentro da trama. As coisas fazem sentido e se encaixam, já aqui, não. Tudo é jogado. Não há nem como afirmar que Nakata utilizou esse como referência, já que as datas não batem, já que o filme só foi lançado comercialmente mais de uma década depois.
Em um quesito não há do que reclamar: a nojeira. A versão que Fukazawa faz tem muita violência, com decapitações ocorridas a partir de uma pá no pescoço do possuído e golpes com facas.
O espírito consegue trancar a porta, mantendo a única rota de saída fechada para os heróis. Essa questão é bizarra, uma vez que Mizoguchi está todo retalhado. Mas essa não é a maior das maluquices, já que Naoto repete cenas idênticas a de Ash, munindo de cápsulas de espingarda, falando Groovie no final, como ocorre em um trecho de Uma Noite Alucinante 2.
O corpo une partes distintas para atacar. A cabeça decepada usa a mão como base para andar, se movimenta tal qual uma aranha. Aqui é praticamente impossível não lembrar de Re-Animator: A Hora dos Mortos-Vivos, que tem em comum com Evil Dead a raiz que se baseia nos contos lovecraftianos.
Hebert West gostava de reunir pedaços de corpos revividos, despertados por um soro pseudo-científico. Aqui é tudo baseado no sobrenatural.
As próteses são bem diferentes, dá para notar que fizeram várias, de diferentes tipos e tamanhos. Todas são utilizadas, não importa continuidade ou algo que o valha. Em alguns pontos parecem fazer parte de estágios de decomposição diferentes. Entre uma tomada e outra a pele da face fica mais escura e gordurosa, isso antes de Naoto ferir o olho do deadite.
Próximo do final um corpo deformado se insurge a partir de um efeito em stop motion bem mambembe. Fica claro que aquilo é um boneco, mas os tiros e golpes com armas não funcionam contra ele, nem contra Mika, que agora, está possuída.
A sequência se torna confusa não só pelos vilões mortos vivos e possuídos, mas também por todo o desenrolar da trama. Falta tempo para amadurecer a história e mais ainda para permitir que o espectador capte as mensagens propostas.
Entre os aspectos confusos está a solução que o herói encontra, finalmente inspirado por algo que parece divino.
Naoto é levado a acreditar que os pesos e halteres que usa para malhar são a raiz de seus poderes. Quando ele pega os instrumentos - que ele convenientemente lembrou de trazer, afinal nunca se sabe quando ele poderia resolver treinar - se torna tão invencível quanto o marinheiro Popeye ao consumir espinafre.
Ele fica tão forte que esmigalha as aparições e se torna tão confiança que usa a expressão "Sayonara, Baby", em referência ao T-800 que Arnold Schwarzenegger fez em O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final.
Incrível como a criatura disforme que aparece na segunda metade do filme consegue ser assustadora. De tão caricata e feia faz causar medo, mesmo sendo uma versão baixíssimo orçamento dos monstros que Sam Raimi idealizou. Mesmo que lembre uma fantasia de carnaval ou um boneco de Olinda que derreteu, não há como negar que essa é uma criatura que causa medo e receio.
Os personagens terminam todos ensaguentados, destruídos e humilhados, mas vivos com esperança na vida, apesar de terem testemunhado tantos horrores, mas ainda assim há quem saia vivo, apesar de no final haver uma referência, de que os espíritos malignos ainda condenam aquela velha casa.
O Evil Dead japonês não se leva a sério, apesar de ter poucas piadas. É engraçado pela falta de noção e pela forma como registra a ação demoníaca nas vítimas dessa trama confusa e diabólica. Para quem gosta de cinema especulativo, produções B e da franquia que Bruce Campbell estrelou, vale muito a pena conferir, especialmente entre os fãs de filmes B e da franquia.
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