Re-Animator: A Hora dos Mortos Vivos

Um lugar comum entre fãs de terror é a máxima de que adaptações boas dos contos e novelas de H P Lovecraft inexistem. O cinema produzido por Brian Yuzna e dirigido por Stuart Gordon desafiam essa pecha, especialmente por conta de Re-Animator: A Hora dos Mortos Vivos que a sua maneira, reinventa um pouco dos contos de zumbi no cinema.

O filme, que tem seu protagonista no icônico e carismático Jeffrey Combs como o doutor Herbert West, é agressivo, cheio de gore e completamente sem vergonha em sua abordagem, sem receio de usar de um sensacionalista no seu drama, sendo absolutamente inventivo nos efeitos visuais também.

Esse é um clássico injustiçado do terror, pouco lembrado dada a qualidade que tem além de ter uma quantidade de momentos icônicos considerável e que foram largamente copiados em outras obras.

Embora a versão do morto vivo não seja o monstro clássico introduzido em A Noite dos Mortos Vivos de George A. Romero, os seres reanimados pelo soro verde de West são assustadores, e remetem a uma causa científica, tal qual foi explorada, sob um viés diferente na saga Biohazard/Resident Evil nos games.

A tradução brasileira se apegou a moda de chamar filmes de terror por A Hora de..." tal qual A Hora do Pesadelo, A Hora do Espanto ou A Hora do Lobisomem, mas fato é que essa obra é bem diferente das suas parceiras de nome, especialmente pela insanidade de quase todos os seus personagens, não só com o West, mas também nos doutores Carl Hill (David Gale) e no futuro parceiro de Herbert, o jovem Dan Cain (Bruce Abbott), que além de estar buscando uma bolsa de estudos, ainda é apaixonado por Megan Halsey (Barbara Crampton), a bela filha do reitor da universidade Miskatonic.

O filme não demora a mostrar suas intenções e seu caráter. Já no epílogo, West manipula seu reagente em um colega, enquanto está na Europa. A cena é sangrenta, choca e estabelece o grau de exploração da violência e sanguinolência que será a tônica.

A sequência também expõe a deturpação do ensino de medicina, transformando a universidade que deveria ser o lar do saber em um palco semelhante a um circo de horrores, resultando em um picadeiro de homens que brincam de ser deus. O laboratório vira o centro de atos inescrupulosos, como também seria quando a trama vai para a América.

Já no segundo cenário o ambiente limpo e normalizado da Miskatonic (que vem a ser a base dos estudos profanos também no conto lovecraftiano) rapidamente é tomado pelo vil doutor West, que mesmo sendo discreto em um primeiro momento, se espalha por ali como um vírus toma um corpo saudável, ainda que aqui não haja personagens bondosos, exceção talvez a mocinha Megan.

A ideia original de Gordon seria adaptar o conto em uma série de televisão, o que até fazia sentido, visto que mesmo sendo uma história curta, é originalmente contada em seis partes, formando quase uma noveleta. Em conversas com o técnico de efeitos especiais Bob Greenberg, (que fez Dark Star de John Carpenter), ele foi convencido de que o mercado para terror era o de longas-metragens para o cinema.

Greenberg então apresentou Gordon ao produtor Brian Yuzna, que por sua vez decidiu usar seus contatos para fazer um acordo de distribuição com a Empire Pictures em troca de serviços de pós-produção.

A ideia deu certo, já que o impacto da obra se tornou grande entre os fãs do cinema B, ganhando um lastro que certamente não seria o mesmo caso essa fosse uma minissérie, e com um orçamento pequeno, menor que um milhão de dólares, a produção foi feita, gerando uma bilheteria que mais que dobrou o custo, e que ganhou fama ao longo de sua exibição em formato de vídeo.

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Gordon optou por filmar a maior parte das cenas de ação de maneira fechada, diminuindo a amplitude dos cenários nos momentos chave, para enfim focar nas reações do elenco. Isso aumentava a sensação de claustrofobia, registrando as experiências de reanimação de modo violento, onde os experimentos gritam em tom desesperador.

A fala de Herbert sobre isso é de qualquer nascimento é barulhento, repleto de agonia, mas fato é que os reanimados imitam as atitudes de seu "criador", retornam sem escrúpulos, movidos por puro instinto, buscam apenas atingir o básico da sobrevivência.

É incrível como só usando bonecos e efeitos sonoros, o diretor conseguia reproduzir o mesmo horror indescritível que Lovecraft fez em seu conto, mesmo que fique evidente aqui a falta de um orçamento mais robusto.

As cenas de reanimação do gato e do cadáver encontrado no necrotério estão entre os melhores momentos do cinema trash do século XX, fazendo desse Re-Animator um clássico instantâneo.

O humor do filme também é impossível de ignorar, e choca por conta da reação de todas as pessoas envolvidas nela.  Se o espectador não for capturado pela cara de pau destes momentos, certamente nada mais chamará sua atenção.

Essas sequências de testes também servem para mostrar o caráter do personagem de Combs, um sujeito que apesar de terrível, é sedutor e convincente, com uma lábia que dobra qualquer pessoa basicamente falando a respeito de seu trabalho e do soro que desenvolveu.

O desempenho do ator é incrível, rivaliza apenas com o vilão de David Gale, que também acerta no tom canastrão, servindo como um espelho do anti-herói.

Um fator curioso é a trilha sonora assinada por Richard Band, que claramente imita a de Psicose. Gordon era muito fã de Alfred Hitchcock, tanto que sua abertura é uma clara referência ao trabalho do artista Saul Bass em Um Corpo que Cai.

Se o espectador for paciente (e um pouco condescendente) enxergará que a produção é oportunista mas é igualmente reverencial e agradecida as diversas fontes da onde bebe, e faz essa reverência equilibrando bem as atuações caricatas, o gore e uma formula de terror poucas vezes vista em execução tão exitosa, em especial, por sua direção de arte, assinada por Robert A. Burns, com o acerto do design verde florescente da formula, icônico demais.

Hill não é o nêmese clássico, já que não é o exato oposto de West, ao contrário uma vez que parece com o protagonista, por não ser santo, por não ter uma ética aceitável e por ser ainda mais imoral e aproveitador que o personagem central, ainda é adulador e puxa-saco do reitor, tarado pela filha do mesmo, fato que o enquadra como o inimigo perfeito para a dupla de médicos.

West é uma bela reformulação do mito de Victor Frankenstein, agravado pela insensibilidade de cientista psicopata que Combs é. Tal qual ocorre com essa "deturpação", há também um sem número de cenas constrangedoras ao extremo e vergonhosas.

O momento de nudez envolvendo Gale e Crampton são tão exagerados que causam risos por conta de um humor involuntário, mas também por incômodo.

O mal gosto é tão presente que certamente deve incomodar as plateias mais mais sensíveis, no entanto seguem dentro de um contexto onde um brilhante e imoral cientista é revivido, piorado em caráter por estar ali como puro instinto. Para um sujeito renascido, que é capaz de andar com sua cabeça separada do corpo, moralidade não parece ser um grande tabu.

Re-Animator: A Hora dos Mortos Vivos é bem diferente do conto de Lovecraft, mas seus vinte minutos finais são bastante fieis, com um zumbimaster comandando os reanimados. A mistura de sexo, body horror, filme de monstro e malignidades infernais é uma ótima sacada, que em uma ode ao cinema de horror especulativo, sendo assim um clássico subestimado em qualquer dos gêneros que ele tenta referenciar.

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