Infestação é um filme de horror lançado em 2023 que faz uso de medos comuns da população relacionados a insetos, aracnídeos e demais animais peçonhentos. Coprodução entre França e Estados Unidos, é um tomo do horror francês dirigido por Sébastien Vanicek que remete aos antigos filmes de ataques de animais mutantes e nojentos, embora toda a sua estética converse com o cinema de ficção científica e suspense atual.
O longa-metragem estreia no Brasil nesse dia 11 de julho de 2024, mas passou nos cinemas pelo mundo ano passado, em um circuito de festivais considerável.
Em setembro passou no italiano Venice Film Festival, no alemão Fantasy Filmfest, no francês L'Étrange Festival, no austríaco SLASH Filmfestival. Já em outubro passou no Chicago International Film Festival e Philadelphia Film Festival, ambos nos Estados Unidos.
A história acompanha Kaleb, um rapaz fanático por animais exóticos e que os coleciona. Ele está para completar três décadas de idade e que tem uma relação bastante conflituosa com a sua família, especialmente graças a uma questão de herança, já que a sua mãe morreu recentemente, ou seja, ele lida também com um luto mal digerido.
Depois de um dia frustrante (e infelizmente comum) ele acaba levando uma estranha aranha para casa, contaminando assim o prédio onde vive, também graças a uma inconsequente e gananciosa ação de homens ricos, cuja origem é misteriosa desde o início até o final do longa.
O roteiro foi escrito por Florent Bernard e Vanicek, baseado em uma ideia original desse último. O realizador procurava modos de falar a respeito da discriminação racial enfrentada pelas pessoas pretas ou de origem árabe na França.
As aranhas são animais que obviamente não são bem-vindas nos lares, sendo golpeadas assim que são avistados. Dessa forma, esses seres são tratados como vermes pela sociedade, mesmo sendo animais. São excluídos, portanto, não à toa o nome na França é Vermines, considerando assim uma duplicidade na nomenclatura.
Vermines também foi o nome do filme em países como Itália, Alemanha e Japão. Em países de língua espanhola como Argentina e Espanha foi chamado de Vermin: La plaga.
Já nos Estados Unidos, na Austrália, Índia e na parte do Canadá que fala inglês é Infested. No Chile foi nomeado Arácnidos, no Peru é Arácnidos: La plaga, na Polônia é Robactwo e em Portugal é Vermin - A Praga.
O filme foi rodado no departamento de Seine-Saint-Denis, próximo a Paris, de janeiro ao início de março de 2022.
Vanicek apresentou a ideia do filme ao produtor Harry Tordjman, que gostou tanto da ideia que levou até à Netflix. Os responsáveis pela divisão francesa do streaming também gostaram da ideia e entendeu que o filme merecia um lançamento nos cinemas antes de terminar na plataforma digital.
Na França há uma questão legal e pontual, o espaço de tempo para um filme sair do cinema e ir para o streaming é bem maior que em outras praças, de 15 meses para a Netflix, que tem uma janela menor, enquanto para Disney+ ou Prime Video é de 17 meses.
Os estúdios por trás da produção são a My Box Productions (My Box Films) em parceria com a Tandem, participações da Netflix, France Télévisions, com suporte da Impact Film, associação junto a Cinécap 6, Cofimage 34, Indéfilms 12, SG Image 2022 e Cinéaxe 5.
A distribuição francesa ficou a cargo de Tandem, já nos Estados Unidos é parte do catálogo do streaming de horror Shudder. No Brasil o filme foi trazido pela Paris Filmes.
Sébastien Vanicek dirigiu os curtas 299 792 458 m/s, Mayday e Crocs. Esse é o primeiro longa-metragem do diretor.
Bernard escreveu Les Situations Impossibles 7, As Aventuras de Jack Mimoin e Nous, les Leroy. Ele é um dos criadores de Groom, escreveu a série Pitch e La Flamme também.
Tordjman produziu Rosy e Last Dance, foi produtor da série Serge la Mytho e produtor associado no seriado Replay.
A trama inicia no deserto, onde os homens que estão escavando, falam em um dialeto que não tem legenda, propositalmente, para deixar o espectador sem conseguir distinguir as palavras.
Depois de deliberar, os personagens colocam um tubo e gás na areia, em um buraco no chão. Saem aranhas grandes e feias, que em um simples ataque conjunto, derrubam um homem, de uma maneira tão fácil que faz até perguntar se seria possível.
Alguém tem misericórdia dele, finalizando ele com um golpe de peixeira, para fazer ele parar de chorar, apagando o sujeito, provavelmente morrendo. Eles colocam aranhas em potes e em sacos, separam para tentar arrumar dinheiro com elas.
A câmera logo vai para um subúrbio francês, onde jovens também pegam um pote com uma aranha, sendo que uma delas parece ser uma daquelas que estava no início.
A história se passa quase toda no mesmo lugar, em um prédio, em edifícios visualmente impressionantes. Esses cenários não foram criados para o filme, são as arenas Picasso em Noisy-le-Grand, perto de Paris, projetadas pelo arquiteto Manuel Núñez Yanowsky nos anos 80.
Logo aparece Kaleb, um delinquente, que negocia itens caros, provavelmente já roubou e traficou drogas. Ele é feito por Théo Christine, ator de Como Virei Super-Herói e Gran Turismo - De Jogador a Corredor. Ele é acompanhado de seu amigo de Mathys, outro rapaz de índole complicada, feito por Jérôme Niel. Ele tem uma relação conturbada com sua irmã Manon, de Lisa Nyarko.
Ambos têm saudades de sua mãe, há um luto mal digerido, claramente, que piora graças a discussão dos dois a respeito dos espólios dela.
Entre as espécies raras que Kaleb guarda há sapos, baratas, diversos insetos e anfíbios.
Essa claramente é a sua maior paixão e parte das discussões dele com a irmã passam pelo cuidado com os animais, já que ela age de maneira rebelde, simplesmente desligando a energia quando quer, atrapalhando a temperatura ideal dentro do quarto/estufa que é o dormitório do rapaz.
Kaleb negocia com um vizinho jovem, no caso, Toumani (Ike Zacsongo) um rapaz de postura semelhante ao de um gangster, que cobra dele um par de tênis caros que ele prometeu.
Por uma triste coincidência, a aranha que o protagonista trouxe acaba repousando em uma caixa de tênis, assim que ele chega em casa. Como o calçado estava sem caixa, o rapaz coloca ele na caixa de papelão e entrega para o vizinho. Daí começa a tal infestação que dá nome ao filme.
Há um trabalho visual bem interessante no sentido de construir visualmente a sensação de nojo para com essas criaturas. Até quem não sofre de aracnofobia certamente pode, depois de ver o filme, desenvolver uma sensação que emule esse medo.
As ovas de aranha, os casulos, as teias, são todas visualmente interessantes, tem um aspecto nojento e asqueroso sui generis. Também é notável como os animais se propagam facilmente.
Algumas aranhas parecem ter vida curta, morrem assim que procriam, outras parecem imortais, de tão grandes e fortes que se tornam. No entanto, fora o tamanho entre elas, não há uma grande e destacada diferenciação delas. Se há espécies, gêneros e subespécies diferentes entre elas, não fica claro.
O que fica evidente ao longo da trama é que elas parecem ser mutantes, fruto de experiências científicas, possivelmente eram armas biológicas que caíram no mundo comum, ou eram animais poderosos que seriam usados para esse fim, mas que acidentalmente caíram na mão de meninos.
O fato de não ter uma origem conhecida é um aspecto charmoso, um grande acerto da obra.
Foram utilizadas duzentas aranhas caçadoras gigantes nas filmagens, fora obviamente muitos efeitos digitais. Boa parte desses momentos são bem construídos, também se usa muito efeito prático.
As vítimas se levantam com dificuldades motoras, babando, agendo tal qual pessoas possuídas ou como os contaminados do filme REC. As aranhas entram na parte interna da cabeça das vítimas, as tornam zumbis cambaleante, com rostos manchados e lágrimas de sangue.
Aos poucos outros vizinhos acabam se contaminando, as autoridades são chamadas e gente do setor de saúde manda as pessoas ficarem no prédio, em suas casas, proibidas de sair. Isso inclui Mathys e o casal Lila de Sofia Lesaffre e Jordy de Finnegan Oldfield.
Vanicek tinha a intenção de mostrar a comunidade habitacional de baixa renda na França de forma diferenciada, exibindo detalhes de uma parcela da sociedade popular francesa que não vivem como reféns dos problemas sociais que boa parte da população elitista julga que eles vivem.
A ideia era mostrar essas pessoas como gente comum e não como reféns de questões típicas do estereótipo da violência urbana. Por isso o horror não é ligado a eventos sociais, embora o fato das pessoas viverem amontoadas colabore para a proliferação dessa praga, então há sim um comentário social, mesmo que se tente evitá-lo.
As aranhas "aumentam" em tamanho físico e em quantidade. São espertas, se escondem de possíveis caçadores, que usam spray e veneno sobre elas. Elas viajam por dutos de ar, passeiam por encanamentos, até derrubam objetos. Caminham normalmente no escuro, embora não se fale isso - afinal não há um cientista, especialista ou qualquer pessoa esclarecedora de enredo aqui - provavelmente elas são cegas.
A sequência no banheiro é sensacional, especialmente pelo fato de ser protagonizada por Lila, que tem fobia de aranhas. O desespero a toma enquanto ela está no cômodo que normalmente é um lugar de intimidade, onde as pessoas ficam vulneráveis.
Ela chama seu namorado para matar o animal, mas a demora na ação de Jordy só piora a situação.
Essa é uma baita cena, com uma tensão crescente que resulta em um suspense sinistro, com Jordy tentando pegar o bicho sem matar, terminando com ele pisoteando, "transformando" a aranha em várias outras. Essa é uma estranha forma de propagação, que até então, não era sabido ser possível.
A partir desse ponto, os animais aparecem mais, tomam espaço, até perdem o "pudor" de aparecer diante da câmera, embora obviamente não tivessem receio de se apresentar. Com isso cresce também o receio das pessoas, até Mathys, que antes parecia ser um dos mais corajoso, revela ter muito medo delas, tanto que pega uma fita adesiva e sela uma das caixas de sapato em alta velocidade, quase como uma máquina de lacrar e embalar.
Há muitas cenas de sustos, pontuadas pela trilha incidental aguda de Xavier Caux. Apesar de ele não ter muitos trabalhos conhecidos, suas composições são pontuais e assertivas, adicionam sensações de perigo e urgência, embora exagerem na emulação da moda dos jumpscares.
Vacinek filma bem. Usa uma variação de ângulos para passear pelos cenários, fortalecendo a paranoia das pessoas que acreditam estar vendo os animais peçonhentos se aproximando.
Curiosamente se gasta mais tempo mostrando a espera de humanos aguardando as aranhas do que os ataques em si, a exemplo do que ocorre com o vizinho Moussa, de Mahamadou Sangaré. Há várias cenas assustadoras. As aranhas funcionam como monstros, entram no interior das pessoas, parecem ter até algum nível de controle sobre elas, mesmo morrendo tão cedo. A trama levanta a possibilidade de elas terem dificuldade em respirar o mesmo ar que os humanos.
Jordy é o personagem mais proativo dentro do grupo de sobreviventes. Ele aproveita o acesso a internet para "estudar" o adversário. lê no twitter sobre uma raça, sicariidae, com fêmeas que colocam muitos ovos e aumentam 10 vezes de tamanho.
Esse tipo de aranha é da família de aranhas araneomorfas, uma espécie venenosa. A maioria das aranhas são haploginas, ou seja, tem seis olhos. A família inclui dois gêneros, Loxosceles e Sicarius, que conjuntamente agrupam cerca de 122 espécies,
Os cinco amigos de Kaleb tentam sair do prédio, enfrentam um miliciano, veem teias por todo lugar.
A sequência do corredor é lembrada e muito elogiada por quem viu a obra. Há uma boa mistura entre efeitos práticos digitais, quando a câmera trafega rapidamente, em um ritmo mais rápido, para mostrar o que eles teriam pela frente.
Já a passagem é lenta e extremamente tensa, boa demais. É muita angústia acumulada, há uma sensação de mal inescapável, já que as autoridades selaram o prédio.
Em boa parte do filme não há a menor intenção de explicar o que são essas aranhas, como funcionam e como podem ser detidas. É apenas um efeito colateral da ganância de alguns homens, um mero escape e deslize de um controle de praga mal pensado.
Elas têm problemas com luzes, mas no escuro, correm muito. O design de som, de Samy Bardet é pontual, fortalece a sensação de incômodo, valorizando sons comuns, que parecem parte desse cenário de calamidade dantesca.
O final é um bocado apressado, não possui tantos bons momentos quanto o meio do filme. O produtor final poderia ser mais curto, em nome da construção de tensão. Ele se alonga demais, mas não estraga o todo, afinal, os personagens conseguem ser tridimensionais, mesmo com tão pouco tempo de tela.
Infestação acerta muito, é nojento, urgente e um bocado catastrofista. Trabalha bem o suspense, consegue ter um gore considerável, mesmo que aparece pouco sangue e é escatológico bem ao seu estilo próprio.