Após o fim da trilogia O Hobbit que Peter Jackson conduziu nos cinemas era comum ver entre fãs de cinema e do autor J.R.R. Tolkien uma indignação severa com a extensão da história de um livro tão curto em três produções.
Para fazer justiça a isso um fã anônimo editou a trilogia, lançando então The Hobbit Tolkien Edit, uma versão que compila as belas cenas em HD que o neozelandês concebeu, colocadas da forma mais fiel possível ao livro, ou ao menos fazendo jus de colocar Bilbo, o hobbit como o protagonista.
O que é visto nessa edição é uma reconstrução, com um recado afirmando que o objetivo do seu esforço era dar a Bilbo a importância que o livro tinha e para isso, ele manteve as marcas do trabalho de Jackson, desde as vinhetas da New Line e MGM, até a introdução de Ian Holm, ainda que reduzida, onde ele fala a Frodo sobre suas lembranças, depois transitando para Martin Freeman, 60 anos antes.
O editor anônimo descreveu algumas de suas mudanças. e as enumerou. Abaixo uma tradução. Se o leitor não quiser spoilers, recomendo ler depois de ver essa versão.
-A investigação de Dol Guldor foi completamente extirpada, incluindo as aparições de Radagast, Saruman e Galadriel.
-O triângulo amoroso Tauriel-Legolas-Kili também foi removido, Tauriel praticamente não é mais um personagem do filme, e Legolas só tem uma breve aparição durante a prisão de Mirkwood.
-A subtrama de Pale Orc é reduzida. Azog obviamente ainda está liderando o ataque à Montanha Solitária no final, mas ele não aparece no filme até que o grupo escape dos túneis dos goblins, sugerindo que o assassinato do Grande Goblin é um fator em sua vingança, como foi no livro.
-Várias cenas de Laketown foram cortadas, como a prisão de Bard e o ataque orc.
-O prelúdio com o velho Bilbo inexiste. A ideia é entender como Smaug agiu pela canção dos anãos.
- Vários avanços orcs foram cortadas.
- Também se modificou a ordem de Thorin sendo salvo por Bilbo e a sequência de perseguição
- Algumas das cenas de ação foram reforçadas, como o passeio de barril, a luta entre Smaug e os anãos (sem ouro derretido nesta versão) e a Batalha dos Cinco Exércitos.
Outro comentário do editor foi "Especificamente, achei tonalmente chocante pular do crescendo emocional de Thorin sendo salvo por Bilbo direto para outra sequência de perseguição. Para o editor o filme funciona melhor se Bilbo ainda estiver tentando ganhar o respeito de Thorin durante toda a jornada, como ele estava no romance."
Deve-se notar que as cenas-chave de Bilbo - o encontro com Gollum, a batalha contra as aranhas da Floresta das Trevas e a conversa com Smaug - não foram adulteradas, pois provaram ser excelentes adaptações, e servem para reorientar o filme no arco de Bilbo.
Voltando a narrativa e análise, a introdução de Gandalf como um velho inconveniente e entrão é reforçada.
Ele aparece de forma tão surpreendente e invasiva que beira a condição de anti-herói. A forma como introduz os anãos é mantida, afinal, conversa bem com o que Tolkien escreveu.
Essa versão também reforça Bilbo como um hobbit incomum. Por mais que negue isso, ele é bem parecido com o seu antecessor Bandobras Took, um sujeito de viés viajante, não o típico hobbit caseiro e incapaz de sair.
Seria esse antepassado um possível amigo do mago cinzento também, fato que conversa inclusive com a recente série Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder com a personagem pé-peludo Nori e o Estranho.
Curiosamente se especula sobre Nori ser uma antepassada dos bolseiros, e a possibilidade mais cogitada para a real identidade do Estranho é que ele seja mesmo o Mago Cinzento, ainda não se sabe se com o nome Olorin (como os elfos chamam) ou Mithrandir (na língua dos homens). Há também a possibilidade dele ser outro Hitar, como Radagast ou Saruman ou um dos magos azuis.
Muito se reclama da versão que Richard Armitage faz de Thorin, de que ele é uma versão menorizada de Aragorn, e essa sensação é bem diminuída aqui, embora em alguns pontos o ritmo e narrativa soem incongruentes, pudera, são cortadas horas do material.
É bem ressaltada as ressalvas e desconfianças de Escudo de Carvalho com os elfos, e o contrário também, já que ele é visto por Elrond e pelos outros imortais como alguém potencialmente insano, como era seu avô e como possivelmente era seu pai, o mesmo que foi morto por Azog.
Fora isso, momentos como a cena com os trolls atrapalhados é um bom indício de que o mal se reaproxima da Terra Média, mas sem deixar de lado o cunho mais infantil que o original propunha.
A versão de Advinhas no Escuro, onde ocorrem as charadas e enganos entre Bilbo e Gollum é melhor explorada.
Se reforça o terror, o aspecto monstruoso de Sméagol, mesmo que ele esteja em melhor estado do que em Senhor dos Anéis, valoriza também a benevolência de Bilbo, que poupa Gollum, sem saber (ainda) que faz isso por se enxergar nele. Esse trecho também serve de espelho para o que Frodo faria, de poupar a criatura por ver nela uma versão piorada e mais obcecada de si mesmo e isso funciona graças não só ao belo trabalho de efeitos especiais da Weta e também graças a entrega de Andy Serkis.
Esse corte poderia optar por usar a versão estendida no encontro com Beorn, a mesma que introduz mais lentamente os anões, tal qual foi escolhido com Gandalf e os treze no Condado, até por conta de haver nessa versão cenas do filme três estendido, em especial no enterro de Thorin. Mais uma cena curta não atrapalharia.
Contra Smaug, duas coisas imperam: a capacidade de Freeman de apresentar um personagem carismático até nos pequenos gestos, e a tentação de usar o anel cada vez mais, justificada por ele, um ser tão pequeno, estar em frente a uma máquina de matar.
Enfrentar o maior predador conhecido é de fato uma boa desculpa para se tornar invisível, ainda mais não tendo noção do objeto que estes carregam.
O Dragão de fato estupendo, sedutor, parece que vai consumir o ladrão a qualquer momento, mas também parece querer brincar com sua presa
Richard Taylor faz armaduras, armas, criaturas e efeitos especiais de maquiagem maravilhosos. Do ponto de vista técnico, não há o que reclamar da trilogia O Hobbit.
O problema de fato é o alongamento, que entre outros defeitos, diminui o esforço de Bilbo como agente duplo, sendo capaz de roubar - virando então o ladrão que o grupo tanto buscou - basicamente por não concordar com Thorin, sobre uma guerra que eles com certeza perderiam.
Momentos como a chegada de Dain Pé de Ferro, o senhor dos anãos das colinas de ferro, são bastante valorizadas, ao passo que a formação tartaruga é belamente demonstrada. A diminuição da batalha favoreceu esses aspectos táticos, mas também deixou a união entre anão e elfo em algo um pouco gratuito, com menos sentido nessa velocidade em que é apresentada.
Fato é que Jackson exagerou. Uma Jornada Inesperada, A Desolação de Smaug e A Batalha dos Cinco Exércitos chegaram ao cúmulo de ganhar uma versão estendida de cada um, como ocorreu com a trilogia original, e por mais que alguns momentos melhorem nessas edições maiores, não justifica um romance tão curto gerar filmes que ultrapassam fácil mais de 10 horas de duração.
A diferença entre as duas trilogias é que Senhor dos Anéis conta de fato com livros longos e densos, muita coisa ficou de fora. Se exagera demais em compilar material acessório, não só de livros como Contos Inacabados e Silmarillion, mas também outros tantos momentos forçados.
A Sociedade do Anel tem uma cena de Silmarillion logo no início, onde Elrond e Isildur encontra o Um Anel em Mordor, mas no filme de 2001 ela cabe bem, cai como uma luva, já nos acréscimos dessa nova série de filmes, não.
Não possuir cenas com Radagast, Galadriel e Saruman é ótimo, e fortalece aparições como Beorn na batalha entre Exércitos, fora a já citada cena do funeral do herdeiro do trono anão.
Esta versão editada de The Hobbit: Tolkien Edit é uma boa saída para fãs da literatura de Tolkien e para meros curiosos, e embora carregue alguns problemas lógicos, é sim um bom exercício de imaginação, um belo esforço de montagem por parte dos apaixonados pela saga tolkieniana.
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