Havia grande expectativa por parte dos fãs de cultura japonesa com a adaptação animada de Chainsaw Man. A versão do estúdio MAPPA era cercada de uma esperança de ser bem-feita, não só pelo texto do mangaká Tatsuki Fujimoto, que tem uma base em questões sobrenaturais, além das múltiplas referências a clássicos do cinema recentes e antigos.
Fato é que furou a bolha otaku, entre outras coisas pelas referências, mas também por sua temática que conversa diretamente com os modismos mais populares da cultura pop.
Aviso aqui que falaremos sobre spoilers, e embora haja o aviso, não há muito sobre a trama revelada neste único capítulo lançado até agora.
Há uma boa mistura entre elementos em 2d e 3d, fato que produz um visual único. A cena de abertura mesmo, há uma cena com uma porta com a madeira e o batente que se assemelha demais com o real, trecho esse antecipado e muito em comparação com a publicação original.
A sinopse simplificada do mangá é a história de Denji, um rapaz que tem dívidas com a Yakuza desde que seu pai morreu, e que trabalha para essa máfia matando demônios, junto ao seu cão-Demônio Pochita.
De diferente há o fato de que ele vendeu boa parte de seus órgãos, a troco de tentar abater seu débito, mas ainda assim ele segue com alguns milhares de ienes contraídos como dívida.
O cenário desse universo é desolador, se assemelha a um futuro pós apocalipse, mas não necessariamente por catástrofe climática ou ação humana, e sim por interferência sobrenatural.
Daí os seres do inferno tomam a Terra e interrompem a rotina dos humanos. No mangá a tradução foi de Demônio, mas no anime se escolheu chamar essas criaturas de Diabo ou diabos.
A abertura conta com uma música animada, Kick Back de Kenshi Yonezu, onde se estabelece bem o número de personagens diferenciados da trama, incluindo alguns que sequer aparecem nesse piloto, além de dezenas de referências.
Entre as referências dá para notar filmes de Tarantino - Cães de Aluguel,
Pulp Fiction: Tempo de Violência, Era Uma Vez Em… Hollywood - clássicos dos anos 90 e 2000 - O Clube da Luta, Alucinações do Passado, O Grande Lobowski, Constantine, Onde os Fracos Não Tem Vez - filmes B de qualidade variável, como O Massacre da Serra Elétrica, O Chamado vs. O Grito e O Ataque dos Tomates Assassinos, e produções recentes como Não Olhe Para Cima e Thor: Amor e Trovão.
Também aparecem caçadores lidando com as criaturas sobrenaturais, a maioria dessas com um visual doido.
No início apenas repercute a ação de uma luta, poupando o espectador de um combate no início para não confundi-lo, uma vez que é preciso primeiro fazer o público entender do que se trata essa história, para depois explora-la.
Os cenários têm profundidade, e o design dos humanos e das criaturas é bem detalhado demais. É fácil perceber que esse é um mundo sujo.
O agiota que cobra Denji diz para ele juntar enfim o valor da dívida e ameaça desmembra-lo (mais ainda) caso não houvesse o pagamento. Para piorar ele começa a cuspir sangue, tal qual a doença que sua mãe teve no passado.
Em um mundo onde as pessoas podem vender seus órgãos legalmente e seguir vivas, tal qual a sanha de extrapolação da economia liberal que alguns canalhas (inclusive no Brasil) defendem, os mafiosos são ainda mais implacáveis, mas não tão distantes do visto na nossa realidade.
A regra do capitalismo é vigente também aqui, o acúmulo é o motivo que inspira todos os poderosos, e se põe acima de qualquer necessidade básica como alimentação ou mera sobrevivência.
Denji não só herda uma dívida que não é sua, como sofre com necessidades, inclusive com insegurança alimentar, não sabe se terá verba para comprar uma fatia de pão de forma para comer. Diante disse, ser dilacerado a golpe de espadas não parece algo tão aterrador.
Há elementos de ação dentro do desenho, claro, de ficção científica e de horror.
Mas se engana achando que a presença de monstros é o principal fator para este piloto estar sendo analisado nessa coluna. O motivo maior é a desolação do personagem central, e como a história é simples ao retratar a violência gananciosa do mundo após a revolução industrial.
A denúncia é contra muita coisa, entre elas, o comportamento automatizado e semelhante ao dos mortos acéfalos e andantes que servem o Diabo Zumbi, dos que atacam o corpo do herói seguindo ordens que nem mesmo eles compreendem.
O comentário serve de reflexão para muita coisa, incluindo em qual tolo e fútil pode ser a aceitação de um discurso extremo, seja político ou comportamental. Além disso há uma boa exploração da violência e gore. Denji depois de se transformar mata os zumbis de maneira gráfica e agressiva.
Um aspecto diferenciado e curioso que o episódio pincela é o acordo entre demônios e humanos. Quando começou a caça aos personagens espirituais, a maioria da humanidade simplesmente sucumbia, então pactos foram estabelecidos, de cooperação mútua.
Uma união entre diabo e homem pode ser de benefícios para ambos, ou não, e no caso de Denji e Pochita era total fidelidade do segundo, que teve contato com o sangue do rapaz para restaurar sua própria vida, quando estava quase morrendo.
Dessa forma, houve um segundo pacto, quando Denji foi atacado covardemente pelos mafiosos, e Pochita retribui a abnegação do menino, trazendo ele de volta, fundido as serras que já habitavam o corpo de Pochita.
O que a história deixa implícito é que o heroi morreu.
Sua volta a vida lembra inúmeros filmes de invocação dos mortos, em especial Hellraiser, além de fazer esse se assemelhar com filmes sobre pactos com Satanás como Coração Satânico, ainda que no anime e mangá a casca seja mais de ação, mais voltada para a cultura pop e menos para o sujo underground do cinema de horror.
A questão é que pelo menos nessa versão e nesse capítulo inicial, dirigido por Ryuu Nakayama e Tatsuya Yoshihara, não se tem receio de apelar a violência. Tudo é super agressivo, com corpos sendo destruídos e laminados, como um pão cortado por uma faca super afiada, e tão natural quanto a passagem de manteiga no alimento.
A agressividade faz parte desse mundo, e combina com a atmosfera, e esse é o espírito que se aguarda dentro dos próximos episódios de Chainsaw Man, que devem ser fechados em uma temporada breve, que adaptará alguns arcos do mangá original, retomando depois de acordo com a recepção geral do público japonês.
Entre expectativas de que esse seja um sucesso comercial tal qual foi com Naruto há alguns anos, a espera por parte desse que vos fala é que o seriado continue violento, agressivo e sem receio de tocar em temas espinhosos.
É aguardar e conferir.