Crítica: Dredd

Existe um conceito muito interessante em Dredd. Um que traz de volta uma forma quase perdida de se fazer filmes de ação. Não há, na estréia deste final de semana, o compromisso de iniciar uma série, contar uma história repleta de simbolismos e significados ou desenvolver um elaborado estudo de personagem. O único compromisso desta nova adaptação do popular personagem de quadrinhos britânicos é divertir o espectador. E da melhor forma possível: oferecendo à ele cenas de ação empolgantes, violência gráfica e um personagem central carismático. Tudo isso sem muitos dos vícios que, cada vez mais, grandes produções do gênero tem adquirido. De quebra, ainda presta um serviço aos fãs do Juíz, entregando uma adaptação que, mesmo sofrendo com o orçamento baixo, é competente ao trazer muito do espírito das HQs para as telonas.

Com direção de Pete Travis, Dredd aproveita sua trama simples, vinda do roteiro de Alex Garland, para contar com uma execução competente que não deixa o ritmo se perder. A história mostra o Juiz, interpretado por Karl Urban, avaliando a novata Anderson, vivida por Olivia Thirlby, enquanto atendem uma chamada envolvendo um triplo homicídio num conjunto habitacional barra-pesada, dominado pela chefe do tráfico Ma-Ma (Lena Headey, quase desaparecendo sob a maquiagem). Quando tudo parecia uma missão de rotina, a vilã bloqueia todas as saídas do local e prende os dois Juízes, oferecendo uma recompensa para quem conseguir matá-los. Agora cabe à Dredd e a jovem recruta sobreviverem enquanto aguardam os reforços. E esse é o conflito que o espectador acompanha durante os 95 minutos do longa. Direto, cru e sem esconder à que veio, Dredd consegue prender a atenção. Travis cria sequências de tiroteio das mais variadas formas. Seja pelo ponto de vista dos usuários da droga Slo-Mo, que faz tudo parecer em câmera lenta, dando uma das poucas justificativas convincentes para o uso desse recurso narrativo, ou colocando quem está assistindo, “ao lado” dos protagonistas, desviando das balas e dos destroços do prédio. Tudo auxiliado por um 3D muito bem sucedido (já que foi rodado no formato).

No âmbito “adaptação”, Dredd também se sai bem, mesmo com os limites de orçamento que impediram a criação de uma Mega City One (a megalópole futurista onde a trama se passa) com um pouco mais de personalidade, principalmente levando em conta a importância da cidade no material de origem. Por outro lado, a visão mais “pé no chão” que o design de produção buscou, funciona por estabelecê-la como um local em que cada esquina parece ser uma ameaça, ajudando a narrativa com essa noção de perigo constante, aumentando o suspense e criando uma ambientação claustrofóbica e, consequentemente, angustiante. E, se faltam oportunidades para Mega City One se tornar mais importante para a trama, basta levar em conta que os Juízes Dredd e Anderson acabam encurralados por um sistema de segurança criado para proteção dos cidadãos. Ainda que manipulado pela vilã, temos neste, um dos poucos momentos que o longa faz uma análise do Estado policial que impera neste futuro terrível.

Outras questões sobre como os Juízes levam a Justiça ao pé da letra quando dão suas sentenças, também são levantadas pela personagem de Thirlby, que faz uma espécie de ponte entre o universo do filme e o espectador. Nada muito aprofundado, mas que planta uma semente de discussão que pode, ou não, gerar frutos, caso a produção tenha um desempenho que anime continuações. Por alguns diálogos no início da projeção, a impressão é que o crime está tão presente nessa sociedade como nos dias de hoje, mesmo com o Sistema sendo tão rígido, como se quanto maior a repressão, mais motivos houvesse para a proliferação do crime. Ponto positivo para o roteiro de Garland, que não expõe todas essas idéias de forma didática, as deixando apenas como fruto de abstração do espectador.

Dredd também não tem pudores com a violência, sendo um dos exemplares mais fortes do gênero nos últimos anos. De classificação alta, o filme se permite ousar, sem medo de ser explícito demais quando uma bala atravessa a bochecha de alguém. Mas será que toda essa matança é mesmo necessária de forma tão brutal? E se você se fez essa pergunta, é porque a intenção é justamente essa. Novamente, esse é outro momento em que o texto, aliado às escolhas da direção, força o espectador à uma breve reflexão. E sem atrapalhar o ritmo. Desta forma, o longa consegue agradar não só quem busca uma diversão escapista (que o filme é, na maior parte de sua duração), como também aquele espectador mais atento aos subtextos, às entrelinhas.

Mesmo tendo na crueza da trama, seu ponto mais forte, é justamente esse conceito que colabora para dar à Dredd uma certa complexidade que é tão natural à narrativa quanto as explosões de sangue que surgem na tela. Sem demonstrar compromisso, o filme acaba tendo muito mais significado e relevância que produções pretensiosas com custo elevado e pouco conteúdo.

P.S.: Sinto não poder aprofundar minha análise na interpretação de Karl Urban, já que fui obrigado a ver o filme dublado na única sala que o exibe aqui em minha cidade. O ator tem uma presença forte na tela, mas a criação de sua voz para o Juíz se perde, obviamente, com a versão em português.

Alexandre Luiz

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6 comments

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    José Guilherme 22 setembro, 2012 at 20:10 Responder

    Coeso e sem enrolação nos 95 minutos, Dredd consegue ser simples para quem só procura diversão e levantar as boas discussões que você apontou Alexandre, sem se tornar pretensioso. É uma pena que você não tenha visto legendado o filme, pois deu até para entender as declarações prepotentes de Karl Urban ao dizer que seu Judge Dredd realmente fazia jus ao original e não a versão do Stallone (que eu já gostava um pouco), o cara tá possuído.

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