“Mesmo possuindo um potencial incrível no seu nível de debate, filme tende a cair no melodrama bobo e novelado.”.
Os cineastas Paulo Caldas e Lírio Ferreira ficaram marcados na história do cinema brasileiro pelo filme ‘O Baile Perfumado’, lançado em 1997. A obra, que trazia elementos da cultura nordestina como a história do cangaceiro Lampião e a vida do povo do sertão, inalava o movimento Mangue Beat de Chico Science e as tendências atuais da música pernambucana. Sendo fundamental para o renascimento da sétima arte, dentro do cenário nacional, impulsionando assim novos e excelentes profissionais, como Cláudio Assis e Marcelo Gomes, que surgiram daí então. De lá pra cá, Paulo e Lírio seguiram seus caminhos e continuaram fazer seus infortúnios solos, de maneira parecida. Caldas com o bom documentário ‘O Rap do Pequeno Príncipe Contra as Almas Sebosas’ e o premiado, mas duvidoso ‘Deserto Feliz’, que encantou no festival de Berlim. Ferreira com o seu também excepcional documentário ‘O Homem que Engarrafava Nuvens’ e sua obra prima contemporânea ‘Árido Movie’.
E, agora, no começo de 2013, chega aos cinemas, pela Califórnia Filmes, ‘País do Desejo’, o mais novo trabalho do já citado Paulo Caldas. Quase que se arrastando, já que o longa estava pronto desde o final de 2010 e percorreu vários festivais em 2011. O que já nos deixa com uma pulga atrás da orelha. Contando com um elenco global, formado estruturalmente por Fábio Assunção, Gabriel Braga Nunes e Maria Padilha.
A história inicia-se em referência a um caso verídico de uma menina recifense de 12 anos de idade que, violada pelo padrasto, foi excomungada pela igreja católica, junto à sua família, por ter feito um aborto, devido às complicações médicas que a mesma já estaria sofrendo. Mas que é apoiada por um padre local, que não se conforma com o julgamento cruel de sua entidade. Uma discussão polêmica, pungente e de extrema importância. Já que tal fato, até hoje, é um contrassenso imensuravelmente errôneo por parte dessa religião. Mas na verdade, e infelizmente, essa é a última coisa com que a fita preocupa-se. Já que logo percebemos qual seria o grande foco dessa nova investida do paraibano Paulo.
Nos seus minutos iniciais, a imagem da personagem Roberta, pianista vivida pessimamente por Maria Padilha (Praça Saens Peña), aparece de forma embaçada e aos poucos se revela. Formando assim a ideia de mistério que, possivelmente, residia naquela mulher. E é dessa musicista que tudo gira em torno. Descobrimos que ela está doente há 10 anos e precisa rotineiramente fazer hemodiálise para que seu rim funcione normalmente. O padre José - interpretado por Fábio Assunção (Primo Basílio), que não compromete - que foi contra a decisão da igreja, com referência ao aborto, é suspenso de sua ocupação e paróquia. O deixando assim frustrado e descrente nos princípios retrógrados de seu bispo - enxergado como um vilão e despontado sempre em uma sombra. E, ao ir a apresentação musical, ao lado do seu irmão médico Cezar - que ganha vida com o ótimo Gabriel Braga Nunes (O Homem do Futuro), mas aqui nenhum pouco convincente - no qual Roberta se apresentaria, ambos são surpreendidos.
Em meio ao espetáculo, com uma música que consume três minutos em tela com uma intenção frustrada de criar um suspense, a pianista desmaia e é imediatamente socorrida pelo médico ali presente. Após uma breve análise no hospital, Cezar descobre que a mulher tem pouco tempo de vida, e conta para Joaquim. Que fica muitíssimo preocupado e interessado no caso. Ao conhecer Roberta, sua vida é literalmente acendida. Já que o diretor deixa a imagem do padre sempre escura dentro de quadro, com a referência a outro personagem que contracena. O simbolismo é tão grande que, quando em uma cena, Roberta pede para que Joaquim abra a janela (do seu coração até). A iluminando por completo, pela ótica do mesmo. E assim, fatalmente, fazendo com que ele crie laços mais fortes.
Ao tender para um melodrama novelado, o filme começa a decair no final do seu segundo ato. Onde o debate inicial já foi completamente descartado, e o que realmente importa são as sensações vividas pelos seus personagens nada interessantes. Sendo mal desenvolvidos, fazendo com que o fator de identificação não aconteça com o espectador. Diria até que Caldas se perde um pouco em sua narrativa, em não saber focar muito bem o que na verdade quer destacar. Ele acerta mesmo na estética visual de sua obra, e é brilhantemente auxiliado pela cinematógrafa Karen Araújo. Que engendra uma fotografia composta por lentes opacas, imprimindo assim a sensação de um clima frígido, quase que sem cores. Fazendo reflexo com o conflito vivido pelas pessoas naquele momento e a personalidade de cada um deles.
Por fim, o que poderia ter sido uma obra muito produtiva e rica no seu conteúdo crítico-social, mostra-se, na verdade, ser um argumento raso, tirado de um roteiro pedestre, que é assinado pelo diretor em parceria de Pedro Severien e Amin Stepple. Que apenas inicia uma discussão e se acovarda em levar a frente. Devido a uma mediocridade artística, que pensa em suprir seus problemas, acreditando que o espectador se satisfaça com um romance bobo e sem pretensões. O que é uma pena, já que pelo amplo domínio técnico possuído pelo cineasta, essa mancha apareça negativamente em seu currículo e faça estar presente entre as decepções nacionais do ano.