Não gosto de fazer listas. Sei que muita gente adora ler classificações dos 5 melhores alguma coisa ou 5 piores de outra e eu mesmo leio algumas, mas não faço a menor questão de tentar criá-las. Isso porquê o critério para se chegar a resultados assim deveria ser muito maior do que geralmente é. Por isso, quando me ocorreu a ideia pra essa coluna, fiquei um pouco relutante. Eu estaria pulando a etapa de listar para simplesmente classificar os extremos. Bem, antes de mais nada, deixe-me explicar a ideia de "O Bom, o Mau e o Feio". A cada novo texto, um tema será abordado e dentro desse tema irei apontar três representantes: o "Bom" e o "Mau" são auto-explicativos e o "Feio" sempre será aquele que o público rejeita, mesmo não sendo ruim, ou, na maioria dos casos, mesmo sendo muito bom.
Entenderam meu dilema? De certa forma estaria sendo bem incoerente ao fazer esses textos, mas depois me toquei de uma coisa. Não vou simplesmente apontar os exemplos, irei justificá-los. Existem motivos pra cada um estar nessa coluna e o mais importante: é uma ótima forma pra que vocês, leitores do Cine Alerta conheçam algumas obras e tenham chance de assisti-las (mesmo as que estarão classificadas no tópico "Mau").
Bom, é isso. Espero que gostem. E vou começar com um tema sempre em voga. Filmes baseados em HQs de Super-heróis (porque existem outros tipos de quadrinhos que renderam filmes interessantíssimos e que podem acabar se tornando tema de um próximo texto).
A adaptação do Homem de Aço comandada por Richard Donner não está aqui simplesmente por sua trama envolvente e por se manter fiel ao espírito do personagem como poucas versões cinematográficas para heróis de quadrinhos conseguiram. Ela merece um lugar de destaque por várias outras razões e para que a principal delas fique bem clara, é necessário que se compreenda a época que o filme fora realizado. Nos anos 70, a única lembrança de um personagem de HQs em carne e osso era a versão cômica do Batman da década anterior. Ou seja, qualquer produtor ou dono de estúdio naqueles tempos nunca iria apostar as fichas num herói de fantasia apertada. Mas Ilya e Alexander Salkind apostaram e conseguiram convencer a Warner a seguir adiante com o projeto da forma mais ousada possível. Indo contra todas as ideias de roteiros que poderiam sugerir uma abordagem exagerada e ridícula, os produtores testaram vários escritores, chegando até mesmo a Mario Puzo, de O Poderoso Chefão. Mas apenas quando Donner foi contratado como diretor e trouxe Tom Mankiewicz para reescrever o filme, o tom correto para adaptação foi chegando à sua forma. O cineasta também precisou se despir de preconceitos para entender que apenas um desconhecido poderia vestir o uniforme do Superman. Assim, nenhum tipo de pré-julgamento poderia ser feito pela audiência se um ator famoso por papéis anteriores fosse adicionado ao projeto. O trabalho de Donner não foi fácil já que teve de dispensar nomes como Robert Redford, justamente por este ser conhecido demais. Quando Christopher Reeve finalmente entrou no páreo, por indicação do diretor de casting, o filme finalmente encontrou seu protagonista.
Outro desafio foi trazer ao elenco de coadjuvantes, astros que pudessem demonstrar a seriedade com que o material estava sendo tratado. No fim, Gene Hackman acabou no papel de Lex Luthor e Glenn Ford fez Jonathan Kent, mas foi mesmo Marlon Brando interpretando Jor-El que certificou não apenas à indústria, mas também ao público, que Superman seria algo bem diferente do que poderiam esperar.
Pela atitude ousada de levar um super-herói para as telonas, apesar de todo o preconceito que poderia afastar investidores, Superman de 1978 é a produção cinematográfica mais importante com um personagem de quadrinhos. Sem ela, outras demorariam muito para sair do papel e algumas, talvez, nem chegariam a ver a luz do dia. Mas claro, a trama envolvente e fiel ao espírito do personagem também ajudaram.
Eu provavelmente não precisaria explicar porque esse filme está no extremo oposto. Mas irei, porque sei que muita gente considera Batman & Robin o pior filme de quadrinhos de todos os tempos. Sinto informar, mas pelo menos a bobagem dirigida por Joel Schumacher tem pontos positivos como a direção de arte (exagerada? Sim, mas de acordo com a visão do diretor), os efeitos visuais (é um dos primeiros filmes a usar "dublês virtuais" de forma eficiente) e a trilha sonora (Elliot Goldenthal é um compositor de qualidade). E por mais que muita gente odeie concordar, Batman & Robin é fiel a uma determinada fase do Homem-Morcego, ou seja, a do seriado dos anos 60 e as HQs que vieram em seguida. É ruim? Indiscutivelmente. Pior filme? Mulher-Gato está aí pra provar que não.
Vamos aos fatos e juro que serei breve (até porque não quero desperdiçar meu tempo com essa abominação, e obviamente, nem o seu). O filme com a Halle Berry não é, nem ao menos, fiel a nenhuma interpretação da felina, mesmo tendo origem no conceito da personagem mostrado em Batman - O Retorno (e mesmo assim, falha). A Mulher-Gato aqui tem superpoderes que dariam inveja ao Homem-Aranha. Berry "interpreta" a personagem como se estivesse disposta a fazer o público sentir vergonha alheia. O roteiro é terrível. A direção nem parece ter vindo de Pitof, um francês ligado a obras mais artísticas como os filmes de Jean-Pierre Jeunet. Aliás, nem parece ter vindo de um cineasta, mesmo se amador, de tão primários os erros cinematográficos como a falta de coerência de um take para o outro, por exemplo. Mesmo o "argumento" de Berry em roupas mínimas é inválido, já que apenas confirma outra falha da produção: a de se basear na personagem como objeto sexual. Fica difícil imaginar o que fez a Warner produzir esse longa enquanto os outros estúdios estavam se saindo tão bem com as adaptações de X-Men, Aranha e Blade, justamente por terem encontrado a fórmula para o sucesso: respeito ao material aliado a competência de diretores e roteiristas. Enfim, se Mulher-Gato deve ser conferido é apenas como amostra de tudo que não se deve fazer com um filme de HQs. Na verdade, de tudo que não se deve fazer com filme nenhum!
O Feio: Hulk (2003)
Este é um exemplo de como as coisas poderiam ter sido melhores por conta de uma diferença de alguns anos. A Universal foi ousada em ter Ang Lee na direção de um filme de quadrinhos. O diretor fez de Hulk um estudo de personagens e tratou seus protagonistas como adultos num filme para adultos. O problema é que o público não esperava isso de uma produção sobre um monstro verde gigante. Infelizmente, se saiu muito mal, não conseguindo convencer os fãs de quadrinhos que queriam ver destruição, efeitos especiais e basicamente o personagem como foi mostrado neste ano em Os Vingadores. E é aí que um erro de entendimento pode afundar uma boa obra. O Gigante Esmeralda como mostrado no filme da Marvel que une seus maiores heróis, funciona por ser um coadjuvante em meio a tantos personagens. Mas o drama de Bruce Banner, aqui interpretado por Eric Bana, tinha de justificar o Hulk e seu alter-ego como protagonistas.
Pra chegar a isso o diretor taiwanês preferiu dar ênfase ao drama de Banner, ligando-o a um trauma do passado, que traz ainda mais sensibilidade ao roteiro, e ainda mais motivações para a história. Soma-se a isso a interpretação de Nick Nolte como o pai de Bruce e o resultado foi um trabalho muito bem conduzido. O cineasta ainda ousou na montagem, criando com seu editor, belas passagens de cena e split screens que referenciam a origem nos quadrinhos. Mas nada disso foi suficiente para que os fãs pudessem aceitar o filme, e até mesmo as mais absurdas desculpas foram dadas para a rejeição. Muita gente achou ridículo o Verdão dar aqueles enormes saltos, na verdade uma de suas características nas HQs. Outros apontaram os cachorros alterados genéticamente como um dos piores momentos do longa, quando anos antes o personagem havia enfrentado no papel, inimigos semelhantes. Ou seja, até sendo fiel, Lee errou. Ok, o filme tem problemas, como os efeitos que criaram o próprio Hulk, num tom de verde muito claro, lembrando inclusive a cor do Shrek e a necessidade de um vilão superpoderoso no terceiro ato.
Mas, por que as coisas poderiam ser diferentes por conta de alguns anos? Bem, em 2005 a Warner arriscou ao ter Christopher Nolan no comando de um filme do Batman, tão profundo e complexo quanto o Hulk de Ang Lee. Talvez se o Gigante Esmeralda fosse levado ao cinema depois de Batman Begins, o público poderia ter aceitado melhor um personagem de quadrinhos levado ao cinema de forma tão dramática e séria.
P.S.: Espero que tenham gostado da proposta ,principalmente porque graças a esse texto fui obrigado a rever Mulher-Gato... desta vez até o fim (escutem o Alerta Vermelho sobre filmes da DC para entender).
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