Sob as Águas do Sena é uma obra que mistura elementos de terror, comédia e aventura cuja premissa é bastante peculiar. Lançamento da Netflix é um filme de tubarão protagonizado pela premiada atriz argentina Bérénice Bejo, que baseia sua narrativa em na invasão de um animal marítimo gigante no mar que cerca Paris, às vésperas das Olímpiadas da França, que estão sendo disputadas atualmente.
O drama foca na rotina da traumatizada bióloga marinha Sophia Assalas, que perdeu toda a sua equipe em um incidente com uma tubarão fêmea que todo o grupo de estudo conhecia e analisava. A moça sobrevive ao momento assustador, mas não consegue deixar de lembrar das perdas que teve e dos momentos de dor e desespero, até descobrir alguns anos depois que o mesmo tubarão está atacando o rio em volta de Paris.
A questão é que haverá uma prova de triatlo no rio Sena, que foi higienizado e está supostamente propício a banhos - nessa parte a ficção foi mais generosa com a organização das Olímpiadas, já que o Sena está ainda bastante poluído.
A partir daí se desenrola uma trama bizarra em narrativa e bastante negacionista com relação as autoridades, em uma clara imitação a parte da dramaticidade do clássico Tubarão de Steven Spielberg.
Dirigido por Xavier Gens, as funções de roteiro têm uma divisão curiosa, já que são creditados como construtores de cenário o trio Yannick Dahan, Maud Heywang e Xavier Gens, a ideia original é de Edouard Duprey e Sebastien Auscher, enquanto Yaël Langmann e Olivier Torres adaptaram a história para esse script.
Vincent Roget foi produtor e "delegate producer", são produtores executivos Daniel Delume e Fernando Victoria de Lecea apenas nas partes filmadas na Espanha.
O longa estreou mundialmente em 5 de junho de 2024, um mês antes das Olimpíadas de Paris de 2024.
O título original é Sous la Seine. Foi chamado assim na França, Itália e Canadá. Em inglês é chamado Under Paris, nos Estados Unidos, Austrália e na parte do Canadá que fala inglês.
Em países latinos como Argentina, Chile, México é En las profundidades del Sena, na Croácia é Pod Parizom, na Dinamarca é Hajer i Paris, na Romênia é Sub Paris e em Portugal é Sob as Águas do Sena.
O longa teve filmagens em três países: Bélgica, França e Espanha. Houveram cenas na Ciudad de la Luz - Alicante, em Comunidad Valenciana na Espanha.
A maior parte das cenas subaquáticas foram rodadas em um palco aquático coberto na Bélgica, em Bruxelas. Também tem cenas específicas no Paris Aquarium, 5 Av. Albert de Mun.
Os ensaios com o elenco duraram cinco semanas antes do início das filmagens.
Ainda sobre as locações, há um momento de uma prova com diversos triatletas nadando no Sena. As cenas foram filmadas em um tanque de água ao ar livre em Alicante, na Espanha, já que o Sena foi considerado poluído demais para nadar, mesmo com o gasto milionário das autoridades francesas para corrigir isso.
O estúdio por trás do longa foram o Let Me Be. A distribuição mundial foi da Netflix. Na China, foi veiculado pela Youku.
Xavier Gens dirigiu (A)Fronteira, Hitman: Assassino 47, O Abrigo, Exorcismos e Demônios e episódios de séries como Gangs of London e Lupin.
Yannick Dahan escreveu Legião do Mal e Enfurecidos. Maud Heywang escreveu apenas esse, mas atuou em Serial Lover e também em Legião do Mal. Yaël Langmann escreveu Carnívoras, Reputação, A Acusação e Maestro(s). Olivier Torres escreveu La Nuit Sera Longue e La Ligne Blanche. Auscher produziu Jogue or Morra e foi produtor executivo em Shadow Master. Vincent Roget produziu Mamãe, Voltei!, Meu Cachorro e Eu.
Sob as Águas do Sena foi a segunda grande produção no período de um ano que brinca com a representação da capital francesa, fugindo da pecha de paraíso turístico. Foi assim também na série de The Walking Dead: Daryl Dixon, de 2023, que aborda o tema de apocalipse zumbi justamente em uma Paris pós retorno dos mortos-vivos.
O longa-metragem foi bastante elogiado por Stephen King, que teceu comentários em suas redes sociais. Ele disse que achava que seria apenas um filme engraçado, como Sharknado, mas depois de assisti-lo, ele gostou bastante. Falou muito bem dos 25 minutos finais, especialmente.
A narrativa começa com uma citação de uma frase de Charles Darwyn, sobre a superioridade da espécie que se adapta. A câmera vai ao barco explorador e isto, no pacifico norte, em uma pesquisa chamada Projeto Evolution.
Enquanto está gravando um depoimento para o seu estudo, Sophia é interrompida, graças ao sinal, que indica que um filhote de cachalote está preso em uma rede.
Todo o esforço dela e sua equipe visa conscientizar população e mídia de que é necessário limpar as águas que banham a França e toda a Europa. Quando sua equipe vai verificar o animal, percebe que o estomago dele está cheio de plástico.
A motivação da personagem é explícita desde esse momento. Sua busca é a de cuidar da natureza, ela parece nutrir uma curiosidade e obsessão pelos animais aquáticos e o faz de maneira saudável, embora acabe mergulhando fundo demais em sua análise, com o perdão do trocadilho.
Dentro do seu trabalho de pesquisa há um grupo de tubarões, que ela e sua equipe marcaram.
Esse é um grupo de tubarões fêmeas, da espécie anequins. Entre essas, há um destaque grande a tubarão com tag 7, que cresceu enormemente, tendo entre 5 e 7 metros de comprimento, mesmo que 3 meses antes, a tal "Lilith" tinha 2,5 m.
A história tem uma divisão em dois atos bem distintos, coincidindo inclusive com um blockbuster cinematográfico recente, no filme catástrofe Twisters. Há um momento traumatizante, no passado da protagonista, depois um salto para o presente.
Nesse início ocorre o que já se esperava: uma grande cena de ataque de tubarões, a despeito de todo o cuidado que os personagens tiveram e de que aquele grupo ser supostamente conhecido e pacífico.
Nesse trecho há uma mostra de gore, com boas cenas de ataques marítimos. É aqui que se prova que essa é uma obra trash, mas com orçamento, já que há violência explícita e uma boa projeção da cor rubra do sangue no mar azul, tudo isso sendo feito após uma cena inicial que parecia inocente.
A piada está justamente no inesperado e é muito efetiva.
Sophia tenta em vão salvar o seu amado e os membros de sua tripulação, mas ela não consegue. Depois desse trecho ela sai da água ferida, sangrando muito na cabeça.
Nesse trecho, aparentemente ela feriu o ouvindo, estourando os seus tímpanos. Curiosamente não há nenhuma repercussão para esse ferimento depois, ela sequer reclama disso depois.
Sophia sai da água em câmera lenta, em um movimento selvagem e estranho, saindo assim como um animal que acabou de conseguir uma sobrevida. Há obviamente uma tentativa de remeter a um renascimento, nessa fase, embora o que se vê do cotidiano dela seja o exato oposto disso, já que ela é refém do ressentimento que tem.
Se passam então três anos e estranhos desaparecimentos ocorrem no rio Sena. Sophia seguiu sua vida, dá palestras para grupos de excursão e em certo ponto ela é interpelada por uma menina, a jovem Mika de Léa Léviant, atriz jovem, conhecida por ter feito Eu Não Sou um Homem Fácil e Minha Querida Nora.
A moça diz saber onde está a Tag 7, afirma que ela e sua equipe de estudo acharam Lilith e Assalas decide seguir a garota. Ao encontrar o resto da equipe, percebe que Mika é bastante próxima de outra estudiosa jovem, no caso, Ben, personagem é feita por Nagisa Morimoto, interprete que fez Obsessão e Cavaleiro da Lua.
O modo como as duas se vestem lembra o visual de e-girls. Não fica claro se a ideia é parodiar a geração Z ou se é um mero apelo à moda. Como ambas tem um destino trágico, fica a pergunta se a ideia era brincar com a rejeição de um público mais conservador com esse tipo de personagem.
Fato é que o contato que Sophia tem com ambas faz deixar claro a diferença de espírito e entre as duas "gerações", mesmo que o campo de estudo seja o mesmo entre ambas. Uma é melancólica e da velha guarda, enquanto a outra é diferenciada, com roupas e cabelos coloridos, com um comportamento bem mais positivo, provavelmente graças ao fato de serem mais joviais.
O objetivo as une, assim como a obsessão por entender o que Lilith faz e como ela acabou em uma área completamente diferente do seu hábitat.
A menina de cabelos azuis é de uma organização de ecologistas que facilmente seriam chamados de "eco-chatos". O grupo que se reúne em torno deles é lotado de estereótipos de zennials, ainda mais caricatos que a dupla.
Essa é a chance de provar que Sophia tinha razão, que a poluição e as dificuldades climáticas empurraram o animal para a parte continental do mar, mesmo que não faça sentido, já que tubarões nadam em água doce, exceto o tubarão touro, que consegue ficar algumas horas.
Não há muita preocupação em explicar por que os tubarões são mutantes, a teoria mais plausível é que tem algo a ver com as questões de clima e atmosfera diferenciada, mas não se aprofunda nada a questão.
Se dá destaque a Adil, um policial e agente da lei interpretado pelo belo Nassim Lyes, que fez a minissérie O Espião, O Último Mercenário, Pássaros de Liberdade. Aparentemente, só ele e a protagonista conseguem fugir da pecha comum a todos os personagens, sendo ligeiramente menos burros que todos os outros.
Aparentemente, nesse universo tubarões nadam em água doce e as pessoas são desprovidas de racionalidade mínima. Toda a tentativa de se comunicar com Lilith é simplesmente imbecil, envolve um momento em um lugar fechado do esgoto, que obviamente termina trágica e muito engraçada, com a morte dos personagens mais moços.
Há até quem defenda que a postura de Gens foi misógina, mas o filme não se leva nem um pouco a sério, para se encarar isso.
A crítica social foda cabe pouco aqui e a sequência tem um texto tão tolo que parece ser calculada para ser uma caricatura e um louvor a burrice da geração Z, como uma manobra metalinguística, que se torna engraçada por ser exagerada.
Ao menos se percebe que há um (na verdade uma, já que o cardume é todo formado por fêmeas) grande tubarão comanda os outros. Essa é justamente Lilith. Há um número considerável de vítimas e bons efeitos especiais, inclusive os digitais.
Esse trecho reforça o quão burra foi essa ideia, afinal, não havia necessidade de ter tanta gente ali. O desespero das pessoas por estar em um momento possivelmente histórico inebriou geral.
Ainda há um trecho tão constrangedor quanto divertido, onde Adil atira com uma pistolinha mixuruca na água. Ele é capaz de atingir um dos animais, que sobra ali, para ser analisado em uma análise comandada por Sophia.
A partir daí se desenrola um argumento quase mágico a respeito da condição do tubarão, com direito a muita tecnobaboseira sobre sensores que o animal tem e sobre a adaptação que os animais desenvolveram a salinidade da água. Assala percebe saliência na parte lateral, ao analisar o bicho na mesa de autopsia.
A especialista intui que os tubarões subiram rio acima, acharam o lugar para fazer um ninho, nas catacumbas e passaram a agir como pragas que colocam larvas em uma colmeia, se alimentam no Sena, crescem e voltam para o oceano.
É o tipo de explicação esdrúxula e maravilhosamente absurda que só funciona por que Paris é um dos poucos cenários onde é possível um certo trânsito aquático na parte baixa da cidade, não com espaço suficiente para passar um tubarão, que dirá um cardume, mas a extrapolação é sensacional.
O que fica sem resposta é como esse animal conseguiu essa mutação, especialmente na questão de os tubarões conseguirem engravidar sozinhos, ainda mais tão novos, como o tubarão capturado, que tem apenas dois meses de vida, além de não ter necessidade de um macho.
Lilith é uma Eva, para uma nova geração de tubarões fêmeas diferenciadas. Chega ao cúmulo de Sophia falar que ela não um anequim e sim uma nova espécie.
É sabido que há espécies de tubarões que conseguem ter filhotes sem acasalar, mas obviamente não são os da espécie vistas nessa obra.
A competição de triatlo segue marcada, mesmo que as autoridades saibam disso. Nesse ponto fica clara a referência ao clássico spielberguiano, fora a cena em que mostra Lilith nadando rio acima em direção aos nadadores com uma rede de pesca presa às nadadeiras e barris amarelos, que é uma homenagem a uma cena bem semelhante do filme de 1975, onde prenderam objetos ao animal para fins de rastreamento.
A sequência do triatlo foi toda trabalhada para parecer épica, mas é bem bagunçada e cheia de referências nonsense.
Há uma boa ideia, de usar lanchas com pessoas armadas, circulando em volta das barbatanas não é de todo ruim assim como os snipers, que milagrosamente acertam os animais embaixo d'água, mas falta ataque dos animais.
Ao menos há bons efeitos, com maremotos e ondas gigantes, destruição de patrimônio público, mas é pouco, até por que é fruto de burrice humana e não de um contra-ataque da natureza.
Esse é um filme de tubarão...deveria ter como foco de matança dos animais, não bombas acionadas por cápsulas descartadas de projéteis, em slow motion. A ideia de explorar as bombas desativadas de Paris é uma sacada boa de Gens, tão absurda e esdrúxula que soa charmosa.
Dentro da ideia de explorar o inesperado o filme acerta. O drama de Sophia é bem qualquer nota, tem uma certa importância graças a dedicação de Bejo.
Mesmo com os muitos problemas, o longa não cai na besteira de ter um final feliz, ao contrário, vira um final de maluco, com Paris embaixo d'água, os tubarões circulando pela cidade.
Os créditos finais dão a entender que os bichos vão parar em diversas cidades, algumas até próximas, como Londres e Veneza, mas também Nova York, Bangkok, Tóquio.
Não havia planos imediatos para uma sequência, mas Xavier Gens deu a entender que uma sequência aconteceria em uma Paris subaquática.
As mortes são legais, os efeitos também e os absurdos sempre aumentam de grau, ou seja, não há do que reclamar na questão da história.
Sob as Águas do Sena é absurdo, um filme trash com orçamento de blockbuster, que poderia ter ousado mais. Seu pecado é o de demorar a engrenar a galhofa mais séria, ele poderia ser assim o tempo inteiro, mas se cortassem o drama dificilmente haveria como se importar com todos esses personagens sem noção. Há um grande charme, especialmente pela ironia de acabar irritando os não fãs de cinema B.
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