Mar Aberto : O bom e simples filme de tubarão dos anos 2000

Mar Aberto : O bom e simples filme de tubarão dos anos 2000Mar Aberto é um filme de horror simples e surpreendente, lembrando especialmente por ter uma tensão atroz e uma atmosfera de mal inescapável. Esse é um filme de orçamento ínfimo, com valor inicial praticamente desprezível, sendo assim um filme B.

Lançado em 2003, completou 20 anos em agosto do ano passado, em atenção a data na estreia em sua terra natal, nos Estados Unidos, é dirigido, escrito e editado por Chris Kentis, é uma obra que conta com uma equipe diminuta e que tem um grave suspense que é pautado por se basear em um relato verídico, baseado em uma história que se contou a respeito do desaparecimento de um par de pessoas em uma viagem em mar aberto.

A narrativa é direta, mostra um casal atarefado, que viajam para se isolar, a fim de ter alguns dias de férias da rotina urbana que vivem todos os dias. A ideia é de se separar do mundo comum para curtir um ao outro, deliberadamente se desligando do mundo, incluindo aí a rotina de trabalho, familiar e afins.

Eles dois vão então para um lugar paradisíaco, se perdem do grupo de expedição e sendo assim abandonados à própria sorte, no mar, em meio a um ambiente hostil, já que esse é um pedaço de água que já seria seguro caso houvesse assessoria e estando eles isolados, fica tudo obviamente mais perigoso, já que ali habitam tubarões.

Toda a criatividade por trás do longa passa por seu diretor, que é competente apesar da pouca experiência que tem. Kentis tem apenas três filmes dirigidos, que foram Grind: Correndo Contra a Vida de 1997, essa Mar Aberto, além de A Casa Silenciosa de 2011.

Como produtor o filme tem Laura Lau, a esposa do diretor, que também produziu os outros longas do cineasta, escrevendo-os inclusive. Há também como produtora associada Estelle Lau, que fez essa função em ambos e ainda atuou no longa analisado. Já a produção executiva é do veterano Ruben Samuel Sachs, de Jogo Duro, À Sangue Frio, Plano de Fuga entre outros.

O estúdio que rodou o longa foi a Plunge Pictures LLC, com distribuição da Lions Gate Films. O custo do longa foi baixo. Fala-se que custou pouco mais de 100 mil dólares e que foi comprado pela distribuidora por US$ 2,5 milhões após sua exibição no Festival de Sundance.

O filme se chama Open Water no original, mas durante a pré-produção, teve dois nomes de trabalho: Below e Beneath. O diretor e roteirista decidiu pelo nome que ficou. tem pequenas variações como Mar Abierto e Océan Noir no Canadá.

O longa-metragem teve locações nas Bahamas e nas Ilhas Virgens, entre St. John e St. Thomas. Foi rodado ao longo de dois anos e meio, nos finais de semana e feriados com uma equipe que geralmente era composta por duas ou três pessoas.

O orçamento por sua vez foi angariado pelo diretor Chris Kentis e por Laura Lau, ambos ávidos mergulhadores souberam da história real e resolveram adaptar ela para uma ficção.

Kentis e Lau manipularam as câmeras, foram os diretores de fotografia e utilizaram o programa de mergulho chamado hollywood shark-wrangler Stuart Cove. Esse procedimento inclui os tanques de respiração, tubarões selecionados e assessoria de instrutores experientes.

Nenhum efeito digital ou especial foi usado, ou seja: foi tudo efeito prático. Os tubarões usados ​​neste filme foram os do recife do Caribe. A maioria foi fornecida por shark-wrangler profissionals, mas apareceram alguns selvagens, atraídos pelas iscas sangrentas jogadas ali.

Houve inclusive um comentário engraçado, da parte da atriz Blanchard Ryan, que disse que os tubarões que apareceram não eram sindicalizados.

A partir daqui falaremos do caso real e também sobre a narrativa. Portanto, para quem se importa com spoilers, o aviso está dado.

Mar Aberto : O bom e simples filme de tubarão dos anos 2000

O filme é inspirado no caso de Tom e Eileen Lonergan, um casal estadunidense que foi com um grupo de mergulho para uma área na costa da Grande Barreira de Corais, na Austrália em 1998 e simplesmente desapareceu.

Eles foram acidentalmente deixados para trás devido a uma contagem incorreta feita pela tripulação do barco de mergulho.

Somente dois dias depois, em 27 de janeiro de 1998, a dupla foi dada como desaparecida, depois que um funcionário percebeu que uma bolsa contendo seus passaportes e pertences foi encontrada no barco de mergulho. Até houve uma busca aérea e marítima, mas não obtiveram sucesso sequer em encontrar os corpos deles.

A narrativa do longa-metragem começa avisando que é baseado numa história real e o início engana, pois parece em um estilo found footage, em primeira pessoa, mas não há nele nenhuma pretensão em ser uma fita gravada, até por conta de não fazer sentido seguir um filme com alguém filmando duas pessoas que se perderam no meio do mar.

Essa é somente uma escolha estética, que aliás, é compreensível, dado que há tão poucas pessoas por trás das câmeras e tão pouco dinheiro disposto para tal. O estilo justifica a qualidade rústica da filmagem, mas há algumas tomadas bem sofisticadas, especialmente quando a trama foge da terra.

A primeira pessoa enfocada é Daniel Kintner, interpretado por Daniel Travis se preparando para viajar. Aqui de nota uma leve inversão de valores, já que Susan Watkins, personagem de Blanchard Ryan, tem maior dificuldade de desapegar das ligações e das amarras do trabalho.

Kentis colocou referências a clássicos do subgênero filmes de tubarão, como os sobrenomes dos seus personagens. Watkins é o nome da garota que é a primeira vítima do filme Tubarão (Chrissie Watkins) já Kintner foi escolhido em atenção ao menino que morre no bote inflável, Alex Kintner.

Aparentemente o mal ocorre com eles graças a tentativa de fugir da rotina típica do capitalismo, que mira transformar as pessoas em meros escravos modernos, em reféns de suas carreiras.

Os atores passaram por alguns problemas. Blanchard Ryan tinha pavor de tubarões. Por conta disso, Daniel Travis teve que entrar primeiro nas águas infestadas de tubarões todos os dias para garantir que eles não estavam em perigo.

A dupla foi amarrada ao barco para não serem levados pela forte correnteza. Eles passaram mais de 120 horas na água durante as gravações.

Travis fez pequenos papéis em séries como Sex and The City, Cold Case e Dexter. Também fez Obrigado por Fumar. Já Ryan fez Sex and the City também, além de O Jogador com Steven Seagal e Orange is the New Black.

Em 2013 Ryan falou a respeito de sua cena de nudez, em entrevista a um podcast. Ela considera que aquela foi uma exploração desnecessária de nudez. Na época ela não se incomodou, até concordou que era necessária, colocada no início do filme para basicamente despertar as pessoas. Ainda assim ela passou por um momento vergonhoso, já que viu a obra terminada com seus pais.

Seu pai vinha de uma formação esportiva e graças a "mentalidade de vestiário" ele não estranhou a nudez, mas sua mãe ficou horrorizada ao ver sua garotinha nua em tela.

A atriz disse que ela e seu pai riram disso porque sua mãe estava mais preocupada com Blanchard tirando a roupa na frente do mundo do que com ela correndo perigo nadando com tubarões de verdade.

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Kentis utiliza bastante a beleza de sua protagonista. A trama não demora a colocar ela e seu marido em ação, rumo aos números de mergulho, uma vez que ambos estão estafados com suas rotinas diárias, partindo assim em busca de algum descanso, mais ela do que ele.

O passeio de lancha ocorre de maneira ordeira, com um ou outro contratempo, como um sujeito que esquece de levar sua máscara de mergulho, mas nada realmente grave ou que denote perigo, desatenção ou qualquer coisa que o valha.

No anseio de serem diferentes e de fazer valer a saída, o casal acaba se atrasando para o retorno. Eles até notam o barco indo embora, mas ao invés de tentar ir na direção de uma das embarcações acham por bem esperarem parados.

Para o espectador que vai sem saber de nada do roteiro ou da história real, a expectativa para o que vai ocorrer é obviamente tensa. O roteiro trabalha bem a sua atmosfera, variando bem entre o medo e a sensação de que aquele pesadelo acabará bem, talvez positivamente para os seus personagens centrais, especialmente quando a trama em alto mar finalmente começa.

Os atores usaram armaduras, mas não tiveram contato com os animais. O elenco usava malha de corrente sob seus trajes de mergulho para proteção. Ainda assim nenhum deles foi mordido pelos tubarões. O máximo que ocorreu foi um ataque de uma barracuda a Blanchard Ryan no primeiro dia de filmagem.

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O cardume de águas-vivas apresentado no filme apareceu no dia em que a equipe planejava filmar aquela cena específica. Kentis achou por bem incluir os animais em sua trama e coincidentemente nenhuma água-viva apareceu no local durante todos os outros dias.

O filme não tem pressa, demora quase metade de sua duração para fazer aparecer um tubarão, ainda assim, em tela, se notam apenas as barbatanas. Mesmo sem ser explícito, não há como não ficar nervoso vendo, ainda mais graças as atuações do elenco.

Blanchard brilha muito, é através dela que o filme desenvolve sua tensão dramática e demonstra a evolução do quadro de desespero. Ela passa por todas as fases do luto. Seu parceiro também acerta, consegue variar bem entre o sujeito que tenta se equilibrar emocionalmente e que tenta ser forte para sua esposa.

É curioso também que o filme mostre um casal que estava distante antes, que segue assim durante a crise e que reata e resgata a sua relação de parceria próximo do final, quando estão distantes do navio e de todos.

As confissões de amor mútuo rivalizam o espaço com as barbatanas dos monstros marinhos. Mesmo que não apareça um único dente afiado dos tubarões, pouco a pouco a desesperança toma conta da tela.

Kentis consegue fazer muito com pouco, traz à tona um filme nervoso, repleto de tensão e desespero. Até o último momento o filme fica a sensação de desolação, oriunda não só do desespero do isolamento e da perdição, mas também do abandono entre sobreviventes, já que Susan larga seu parceiro na água, quando o mesmo deita e parece estar morto.

Perto do final ambos estão acordados e juntos, a espera do destino triste e trágico que os aguarda. Acabam poeticamente usufruindo do tempo isolados juntos, que tanto buscavam. É uma boa alternativa para a história real, possivelmente bem mais terna e sentimental do que foi o pragmático fim do casal Lonergan.

Mar Aberto é pontual, direto e uma pequena pérola do cinema independente. É uma pena que Lau e Kentis não tenham trabalhado mais tanto quanto mereciam, já que se assiste nessa obra é algo certeiro, inteligente, tenso e muito assustador.

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