Capone é um filme de drama que se vale da exploração de temáticas criminais, embora sua forma de contar suas tramas e histórias sejam bem diferenciadas. Idealizado por Josh Trank e estrelado por Tom Hardy, tem curiosa premissa melodramática de explorar o último ano da vida do bandido de Chicago, Al Capone, mostrando ele sofrendo com uma doença que retirou dele boa parte de sua personalidade, espírito e caráter até.
Planejado para ser lançado nos cinemas, acabou recebendo um lançamento direto para meios digitais, devido à pandemia de COVID-19.
A trama se passa nos últimos dias do mafioso ítalo-americano Alphonse Gabriel "Al" Capone, o Scarface, ou Al Capone, em 1941. Nascido em 1899 na cidade Nova Iorque, ele foi um homem de negócios norte-americano que liderou um grupo que geria diversas atividades ilegais, no ramo de apostas, agiotagem, prostituição e contrabando de bebidas durante a era da Lei Seca, que vigorou nos Estados Unidos nas décadas de 1920 e 1930.
Ele é um dos fundadores do Chicago Outfit, que foi o maior expoente da máfia americana no meio oeste dos Estados Unidos. Foi uma sumidade em seu ramo, considerado por muitos como o maior gângster da história, conhecido no seu círculo íntimo pelo apelido de Scarface, graças a cicatriz que tinha no rosto.
Coprodução entre Canadá e Estados Unidos, foi dirigida por Trank e escrito por ele também.
Tem como produtores Russell Ackerman, Lawrence Bender e John Schoenfelder. Os produtores executivos são Adhrucia Apana, Jason Cloth, Chris Conover, David Gendron, Aviv Giladi, Ali Jazayeri, Ron McLeod, Anjay Nagpal e Steven Thibault.
A obra foi anunciada em outubro de 2016, já com Tom Hardy escalado para interpretar essa versão de Al Capone/Fonzo. As filmagens estavam inicialmente previstas para começar no verão de 2017, o ator chegou a afirmar que seria lançado em 2018.
No entanto, por conta de ele estrelar Venom (que saiu de fato em 2018) a obra analisada acabou sendo adiada, mesmo depois do anúncio do restante do elenco, dito com pompa nessa época, que incluiu Linda Cardellini, Matt Dillon, Kyle MacLachlan, Kathrine Narducci, Jack Lowden, Noel Fisher e Tilda Del Toro.
Há quem compare a premissa desse com Dillinger e Capone: A Era dos Gângsters, filme feito para vídeo, lançado em 1995, no entanto os dois filmes biográficos tratam de momentos muito distintos da vida do mafioso.
O título inicial do filme seria Fonzo, em atenção ao apelido carinhoso que a família dele usava. Esse era o título preferido de Josh Trank, na época do lançamento do trailer, em abril de 2020, foi que apareceu o termo Capone como “novo título”. Há poucas variações de nome pelo mundo.
No Canadá por exemplo, é chamado de Fonzo, nos cinemas que “falam” francês. No Vietnã é Ông Trùm Mafia, em Portugal também é Capone.
Após os adiamentos, as filmagens começaram enfim em 19 de março de 2018, e duraram até 15 de maio. A maior parte das gravações ocorreram em Nova Orleans, com cenas em 18447 Three Rivers Rd, Covington, Louisiana, especialmente.
Os estúdios por trás dele foram o BRON Studios, A Band Apart, Addictive Pictures, Creative Wealth Media Finance, Lawrence Bender Productions. Foi distribuído pela Redbox Entertainment e pela Vertical Entertainment em VOD, lembrando que ele foi lançado na época da pandemia.
Em entrevista, o diretor afirmou que achava que Capone era a coisa mais próxima de seu retorno ao cinema autoral. Ele teve diversas brigas com os estúdios quando fez Quarteto Fantástico, afirmou que sofreu tormentos graças a interferências, fato que, segundo ele, foi o motivo para o fracasso comercial da obra.
Trank acabou saindo de um projeto da saga Star Wars, mas até hoje não ficou claro se ele foi demitido ou abandonou o projeto após o desastre financeiro da adaptação de quadrinhos lançada em 2015.
Vale lembrar que isso ocorreu obviamente antes da compra dos estúdios do estúdio Fox pelo conglomerado da Disney.
Josh Trank dizia que haviam muitas semelhanças entre ele e o personagem-título, já que ambos perderam tudo, depois de terem acumulado fortunas. Aparentemente o diretor teve que investir US $ 150.000 de seu próprio dinheiro para obter luz verde para o filme.
Ele era um diretor promissor. Foi muito elogiado por seu primeiro longa-metragem de cinema Poder Sem Limites. Antes dele, vinha de seriados como The Kill Point e caiu em desgraça depois de várias brigas nos bastidores da sua versão de dos heróis familiares da Marvel. No momento ele está em pré-produção no longa The Rise of Theodore Roosevelt.
Bender é um produtor de mão cheia, inclusive no cinema de Quentin Tarantino, como em Cães de Aluguel, Pulp Fiction: Tempo de Violência e Kill Bill.
Vinha na época fazendo obras como Obsessão e Dois Estranhos. Foi produtor executivo em Silêncio e Uma Verdade Mais Inconveniente.
Russell Ackerman foi produtor em Tau e Noite de Lobos, A Maldição da Escola Edelvine. Assinou como produtor executivo em Efeito Flashback e esteve na equipe de produção de Hellboy II: O Exército Dourado e Mama. John Schoenfelder também produziu Tau e Noite de Lobos, também esteve em Cargo e foi produtor executivo em Efeito Flashback.
Gilbert fez Pedaços de Uma Mulher, A Luta de Uma Vida e Americana. Também foi produtor executivo em Licorice Pizza, Ghostbusters: Mais Além, Casa Gucci, 65: Ameaça Pré-Histórica e Fúria Primitiva.
Hardy foi o segundo ator inglês a interpretar Al Capone. O primeiro foi Stephen Graham, que interpretou o mafioso na série da HBO Boardwalk Empire: O Império do Contrabando dez anos antes.
O ator ficou conhecido por fazer filmes com Christopher Nolan, especialmente por A Origem. Depois foi muito elogiado por Locke. Antes desses, Hardy fez um vilão em Jornada nas Estrelas: Nêmesis.
Ainda em filmes comerciais fez Bane em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, Max Rockatansky em Mad Max: Estrada da Fúria. Esteve em obras elogiadas como Bronson, O Regresso e Dunkirk, além de ter experiência em obras que tratavam sobre crime como Rock'nRolla: A Grande Roubada, Os Infratores, A Entrega e Lendas do Crime.
A narrativa inicia com com um letreiro, falando da sentença dada a Capone em outubro de 1931, por sonegação de imposto de renda. Nessa introdução se fala que ele sofria com neurossífilis e que foi liberado uma década depois, já que não era mais uma ameaça.
A liberação dele para ficar em sua bela mansão, sob vigilância do governo tem essa desculpa, dele estar doente e inofensivo, mas é obviamente mal vista por setores da sociedade e até do governo.
O filme se passa em meados da década de 1940, porém a versão de Nessun Dorma usada nos primeiros minutos do filme foi gravada por Luciano Pavarotti em 1972, quase 30 anos após o presente do filme.
Curiosamente ela é colocada na trama de maneira diegética, ou seja, como parte da trama e não como trilha externa, para embalar momentos de ação.
A primeira cena de fato ocorre em um dia chuvoso, se ouvem nuvens precipitando, raios se formando, enquanto Fonzy, ou Fonse, que é o apelido de Capone. Ele anda silencioso pelos corredores e cômodos da casa, atrás de algo ou alguém.
Logo se percebe a decadência nele, seu cabelo está ralo, desgrenhado e calvo, se movimenta cambaleando, de bengala. Todo suspense é apenas uma brincadeira, já que ele está procurando as crianças de sua casa.
Ao contrário a mera descrição dos fatos pode fazer parecer, para Fonse não era exatamente uma brincadeira ele mal fala.
A primeira cena em que consegue falar algo pensado é na mesa de jantar, no feriado de Ação de Graças, com toda a família, onde trava diálogo com a menina Berta, interpretada pela atriz infantil Tara Marie Foy.
A garota não sabe dar graças e isso ganha uma importância grande, já que ela é graciosa e ingênua, como de certa forma é o seu avô, que antes era chamado de Al Capone e nem assim pode ser chamado mais, ao menos segundo a sua esposa.
Ele aparece com um pouco mais de cabelo, com terno claro, ainda assim tem dentes muito feios. O trecho parece um flashback, mas não fica claro se é uma lembrança ou real ou apenas um momento de fantasia do homem. Há sinais de que o filme já nesse início é uma grande ilusão, um delírio bizarro em boa parte das desventuras do sujeito.
Um personagem misterioso liga para ele. É um rapaz, interpretado por Mason Guccione. Essa ligação é monitorada por gente engravatada, mas os investigadores do FBI não acham nada. Depois ele conversa com o Junior Capone (Noel Fisher) e Ralphie (Al Sapienza) Alphonse vomita, até se urina. Depois disso, o filho de homem vai atrás de uma calça nova.
Depois desse trecho a câmera mira um quadro, onde aparece um garoto em um lago. A imagem é mostrada de maneira fixa, como se quisesse passar uma mensagem, ao som da música incidental do produtor underground de hip-hop El-P, conhecido como Jamie Meline.
Os créditos iniciais só ocorrem depois de 13 minutos passados.
No "presente" Fonse dá alteração, briga com Rodrigo (Edgard Arreola), trata mal o empregado, não retribui sequer a gentileza de Gino (Gino Carafelli), que o auxilia a não tomar chuva.
Em casa, com sua esposa Mae - feita por Linda Cardellini - o personagem-título está sempre sujo, ou babando ou suado, com detritos de comida pelo corpo e roupa. Frequentemente vê o quadro do menino em posições diferentes, segue recebendo ligações de Cleveland.
Ele tem um pesadelo, vê uma criança no quarto, com a barriga machucada. Moscas entram no cômodo, pudera, já que ele defeca em si mesmo.
O doutor Karlock, de Kyle MacLachlan, recomenda que não se livrem das esculturas, sob pena de Alphonse achar o lugar não familiar, mas a família usa isso para tentar arrecadar algum dinheiro, já que estão falidos.
Os que cercam o protagonista ligam para Johnny, o personagem do ator famoso Matt Dillon. O personagem é creditado apenas com o primeiro nome, provavelmente em atenção a Johnny Torrio, que foi o mentor de Al Capone.
A diferença de idade entre atores faz sentido, já que Dillon é mais velho que Hardy, como Torrio era mais velho que Capone.
Quando ele chega a Florida, é um dos poucos a falar bem com Alphonse. Ele dialogam na frente de um lago, onde podem ver crocodilos. O personagem parece ter lapsos de lucidez, depois, segue falando coisas sem sentido.
Os dois vão pescar juntos, enquanto o personagem principal usa roupas extravagantes. Basicamente colocaram nele o que primeiro acharam na casa, inclusive peças femininas.
Já no barco que ele fala que escondeu 10 milhões de dólares, mas não diz onde, fato que deixa Johnny curioso e encafifado. O momento termina com Fonse atirando em um crocodilo.
Cardellini brilha muito, sejas nas brigas que tem com seu marido, na culpa absurda que ela tem ao perceber que se excedeu com um doente, bem como no trato que tem com Gino. Além de evitar que as pessoas vejam o esposo, ela também manda que não o chamem de Al Capone.
Em meio aos delírios do personagem principal, o sujeito segue vendo um menino em casa, no que parece ser um espelho. Esse trecho é confuso, pois parece uma visão sobre ele mesmo jovem, ao menos de início. Logo depois fica claro que se refere a um filho perdido do mafioso. Como a abordagem capenga, parte da simbologia é perdida.
Fonse se vê em vários momentos estranhos, em abstrações que misturam a febre dele com atuações lúdicas. Isso se percebe bastante em dois momentos, quando ele canta a música do leão quando passa O Mágico de Oz em sua sessão particular de cinema e quando ele se imagina no palco com Louis Armstrong, feito por Troy Anderson
Depois desses momentos, ele chega a se encarar no espelho de maneira literal, caracterizado como o mafioso estava em seu auge físico, em um trecho que lembra inclusive a postura de Robert DeNiro em Os Intocáveis.
Depois Gino o resgata e eles torturam um sujeito que errou com eles. A cena é brutal, que termina com o capanga esfaqueando o pescoço do homem. O local onde a sequência ocorreu foi o mesmo utilizado em Cães de Aluguel, também produzido por Bender.
Karlock tenta colaborar com os federais, mas não consegue reunir nenhuma informação. Capone está completamente demente, tanto que o médico sugere que a família substitua os charutos por cenouras cortadas.
Rosie (Kathrine Narducci) chora por conta dessa reação, achando que é um delírio do parente. Ralphie diz que ele não cairá nesse esforço para manter a saúde do antigo homem poderoso, mas a imagem seguinte mostra ele com uma cenoura na boca, no lugar dos charutos.
Esse momento foi tão icônico nas gravações que se tornou uma piada interna entre Trank e Hardy. Nos bastidores eles viviam fazendo graça com relação a isso.
Quando Junior tenta interagir, Fonse pergunta de seu filho, Tony. O que parece ser um delírio é na verdade um vislumbre, um momento de possível lucidez, sobre um outro "herdeiro", que existe a despeito do conhecimento familiar.
Esta deveria ser a segunda tentativa de Tom Hardy de interpretar Al Capone. Anteriormente, ele interpretaria o personagem em um filme chamado Cícero, dirigido por David Yates, mas o projeto não avançou.
Esta é a quinta vez em quatro filmes que Tom Hardy interpreta uma versão de um fora da lei da vida real. O primeiro foi o preso britânico Charles Bronson no já citado Bronson, seguido pelo contrabandista da Virgínia Forrest Bondurant em Os Infratores. Depois ele fez os dois chefes da máfia de Londres, os gêmeos Ronald Kray e Reggie Kray em Lendas do Crime de 2015.
Muita gente condenou Trank por fazer um filme que não consegue ser dicotômico, que não consegue variar entre a figura decadente, do bandido doente que vai entrando na demência com o gângster poderoso que Al Capone foi. No entanto o retrato de figura com mente deteriorada é muito bem enquadrado.
Qualquer pessoa observadora e não saudosista que viu um parente que gradualmente perde a sanidade consegue ver os trejeitos comuns a essas pessoas no desempenho de Hardy. Essa é uma boa demonstração do quanto a falta de cuidados básicos pode humilhar um homem forte, reduzindo ele a nada.
A questão é que quando se fala de Capone é difícil não aguardar algo grandioso, sobre máfia e crimes, sobre violência urbana. Talvez a rejeição ao projeto advenha principalmente de uma expectativa quebrada.
Também não ajuda o fato de Tom ter seus rompantes gritando de maneira esganiçada palavras em italiano. Não há muita certeza se Alphonse tinha hábito de praguejar nessa língua, fica parecendo artificial, além de ser bastante patético, inoportuno e forçado em muitos pontos.
Nos momentos em Fonse está sozinho, ele vê Johnny, até ouve uma gravação de rádio, sobre Torrio. No sonho, era Johnny quem apanhava, com a cara enfaixada, momentos antes. Não fica claro se ele tem lapsos de lucidez ou se é tudo o mais puro devaneio.
O agente Stirling H. Crawford de Jack Lowden acredita que Capone está fingindo ser demente. O acusa de estar vivendo como um rei, confortavelmente, na conversa dos dois, ele não fala quase nada.
O advogado, Harold Mattingly (Neal Brennan) responde a maioria das indagações, ele só grunhe. Essa é a segunda vez que Hardy e Jack Lowden trabalham juntos, já que estiveram juntos em Dunkirk. Crawford pede para seu parceiro, Harris - interpretado pelo diretor Josh Trank - para desligar o gravador. Ele indaga sobre os 10 milhões, Alphonse, mais uma vez caga.
Mason Guccione liga de novo, dessa vez Mae o chama de Tony. Aos poucos o encontro entre ele e Capone amadurece.
Boa parte dos itens na mansão tem cor de ouro. A ideia era tentar simbolizar riqueza, grandeza e prosperidade, elementos que não pertencem mais a Fonzo. Exemplo disso é o balão que a criança segura – essa também referência ao possível filho abandonado, que ensaia uma reconciliação com o passado, próximo do final. A arma que ele guarda exposta também tem essa cor.
Trank guarda um momento de clímax violento, uma cena que Al retoma o modus operandi de gângster, pega uma metralhadora Tommy Gun dourada e passa a atirar nas pessoas. Ele mata Moreno e Gino, passeia assim, de pijamas e fralda, mata funcionários, atira em parentes, até nos crocodilos que habitam os lagos pertos da mansão.
Ele cai no lago próximo, é dragado, como se tivessem puxada a tampa de um tanque. O homem é encontrado por sua família, que o acolhe, logo depois começam a retirar os itens caros de decoração, depois a câmera passeia pela casa, que vai perdendo mobília e itens básicos, a desgraça enfim chega, provavelmente graças a processos do empregado, também graças a possível violação de acordos de prisão.
No final é mostrado novamente o jantar de graças. A pequena Berta agradece pela vida do avô e até Tony aparece. É levado até seu pai. Os créditos sobem assim.
Há uma cena antes do início dos créditos, que precede o final dos créditos, que afirma que a maior parte de sua família mudou de nome e se mudou nos anos seguintes, também se fala que nenhum dinheiro foi recuperado, mesmo que se sugira ao longo da duração que há algo escondido na estátua favorita do personagem, a que fica coberta com pano quase toda a duração do filme.
Capone prometia muito e não entregou tanto, É uma obra capenga, mas tem seus bons momentos. Poderia ser mais melancólico, assumidamente e menos pretensioso em querer mostrar todas as facetas do personagem-título, já que ao menos em uma ele acerta muito, na parte em que mostra ele sendo digno de pena.
Comente pelo Facebook
Comentários
Comente pelo Facebook
Comentários