Batman de Tim Burton: Um legado de 25 anos

posterEm 23 de junho de 1989 Batman de Tim Burton, chegava aos cinemas norte-americanos. Era muito mais que uma adaptação de quadrinhos e, com poucas obras para servir de base (o outro único filme de herói realmente bem sucedido era Superman, de 11 anos antes), deixou um legado até hoje seguido por diretores que assumem o comando de algum longa do tipo. O cuidado da produção, o respeito à abordagem autêntica de um artista em ascensão e uma campanha de marketing de proporções inéditas são apenas alguns dos pontos que tornaram o filme inesquecível e um marco para o gênero. Sem ele, obras como Dick Tracy, Rocketeer, Darkman e O Corvo jamais teriam saído do papel durante a década de 90. Ou ainda, talvez Batman demoraria muito mais para ser respeitado como o personagem que é hoje. Foi graças à "Batmania" que surgiria, anos depois, aquela considerada a melhor versão do Cavaleiro das Trevas fora dos quadrinhos: a série animada de Bruce Timm e Paul Dini. Ora, sem Tim Burton para dar o ponta-pé inicial, nem mesmo a recente Trilogia Dark Knight de Christopher Nolan teria sido possível.

"Eu quero que você conte aos seus amigos sobre mim. Eu sou o Batman!" Colocando o Cavaleiro de volta nas Trevas

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Quem foi ao cinema naquele verão do último ano da década de 80 visitou uma cidade muito peculiar. Gotham City, com suas perigosas ruas cobertas de vapor saindo dos esgotos, prédios de estrutura assombrosa e uma noite quase constante (até durante o dia tudo parecia escuro e cinza), era muito diferente do que vários espectadores tinham como memória do antigo seriado de TV do Batman. O longa de Tim Burton veio três anos depois da antológica minissérie em quadrinhos O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e um ano mais tarde que A Piada Mortal, de Alan Moore, mas para o público geral, não versado em comic books ou graphic novels, a versão mais sombria do Homem-Morcego era mesmo a da telona.

Tudo começara dez anos antes, quando Michael Uslan e Benjamin Melniker adquiriram os direitos para adaptar Batman para a sétima arte. Não precisou muito tempo até que a dupla de produtores Jon Peters e Peter Guber demonstrasse interesse em assumir a produção. Isso, no começo dos anos 80, antes dos dois despontarem como gigantes do cinema comercial norte-americano. Enquanto roteiros eram escritos para uma adaptação de HQs que ninguém levava muito a sério, ambos entregavam para as telonas obras como A Cor Púrpura, As Bruxas de Eastwick, Nas Montanhas dos Gorilas e Rain Man. Quando Tim Burton finalmente começou a rodar seu primeiro longa do Morcego, Peters e Guber haviam se fortalecido em Hollywood, o que ajudou, e muito, o marketing de Batman. Parecia (aos olhos do público) que os realizadores estavam levando o personagem a sério.

No entanto, quase tudo fora por água abaixo com a contratação de Michael Keaton para o papel principal. Fãs mandavam cartas para a DC Comics e para a Warner Bros. ameaçando boicotar o filme, caso o ator fosse mesmo o Cruzado Encapuzado. Burton se defendeu como pôde, pedindo calma e justificando sua escolha: "Há uma qualidade nele que poucos atores tem: seus olhos. Eu os vejo e parece que há tanta coisa acontecendo por trás de seus olhos. Além do mais, ele não é um cara musculoso e de queixo quadrado. Minha visão do Batman é que ele é apenas um homem bem treinado que veste uma roupa ameaçadora. Michael fará as pessoas se lembrarem deste fato." A  visão do diretor foi um fator fundamental para sua contratação. O grupo de produtores percebeu que aquele jovem cineasta de 29 anos parecia mesmo ter uma interpretação particular do Batman, ao mesmo tempo que se mantinha fiel à essência obscura do personagem. Em 1992, quando divulgava sua segunda investida em Gotham City, Burton disse que "não nos baseamos em nada que vinha das HQs. Nós buscamos um contexto, que era uma história profunda com personagens psicologicamente complexos".

O Homem-Morcego era o herói mais sombrio de 1939, quando Bob Kane o criou para as páginas da revista Detective Comics. Anos depois, com a adição de um sidekick, Robin, e a tentativa constante de deixá-lo mais leve para as crianças, com histórias esdrúxulas envolvendo elementos sci-fi e objetos em tamanho ampliado como máquinas de escrever e moedas gigantes, além, é claro, da cômica série dos anos 60, Batman se tornou ridículo aos olhos do público. Ter alguém oriundo da comédia, como Michael Keaton, o interpretando no cinema parecia, para os fãs, uma manutenção desta visão deturpada do vigilante mascarado.

Apesar da parceria do diretor com Keaton em Os Fantasmas se Divertem, foram Peters e Guber que sugeriram o ator. E veio deles também a ideia de um nome para o elenco que acalmaria o coração dos fanáticos pelo Batman: se a recepção pelo herói havia sido fria, foi com enorme entusiasmo que o público soube que Jack Nicholson seria o vilão, Coringa.

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No entanto, com o lançamento do teaser trailer, no final de 1988, os ânimos dos executivos finalmente foram acalmados. As primeiras imagens mostravam uma interpretação soturna, um visual único e um material empolgante o suficiente para os mais céticos passarem a acreditar que seus personagens de quadrinhos preferidos seriam respeitados.

"Onde ele arruma esses brinquedos maravilhosos?" - Bugigangas, armadura e visual

Em 1984, o diretor Neil Jordan trouxe uma versão repleta de significados do clássico Chapeuzinho Vermelho. Companhia dos Lobos era o filme e seu visual intrincado vinha da mente perturbada de Anton Furst, um diretor de arte que colocava seus demônios no papel em conceitos assustadores e claustrofóbicos. Não foi a toa que Burton não via a hora de trabalhar com o profissional nas artes de Batman. Com influências industriais, góticas, de art déco, brutalismo e das estruturas opressivas do fascismo, Gotham City ganhava vida como uma cidade do caos, com arranha-céus quase empoleirados formando cânions urbanos. "Nós tentamos imaginar o que poderia ter acontecido com Nova Iorque se tudo tivesse dado errado (com a arquitetura)", explica Furst. Criada por um processo que envolvia extensas maquetes e adição de matte paintings na pós-produção, a cidade era mais um personagem do que o mero cenário da ação.

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A interpretação de Burton, somada às suas influências do Expressionismo Alemão e uma atmosfera noir inerente às boas tramas de detetive, fortaleceram ainda mais esse rico universo criado no pátio do Pinewood Studios, na Inglaterra. O sucesso foi tanto que o visual da cidade acabou incorporado nas HQs, tempos depois. O "goth" em Gotham finalmente fez sentido.

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Uma coisa que a equipe criativa manteve das inúmeras versões de Batman nos quadrinhos, foi a grande quantidade de gadgets que saíam de seu cinto de utilidades, um conceito absurdo mas que ajuda a enfatizar que o herói não conta com super-poderes, apenas com inventivas armas e ferramentas. Do gancho para escalar paredes até o controle remoto do Batmóvel, o design de Furst se fazia notar, lembrando o espectador que tudo aquilo era uma visão altamente estilizada de uma fantasia urbana, mais preocupada em estabelecer um mundo único do que explicar de forma prática o funcionamento dos apetrechos. E que ajudou bastante a vender brinquedos, os executivos agradecem.

O instrumento definitivo de combate ao crime, no entanto, era bem maior e não cabia no cinto amarelo. O Batmóvel se tornou sonho de consumo de todo garoto em 1989. E provavelmente de todo marmanjo também. Com seu design longo e curvo, pintado com uma cor preta profunda e brilhante, o carro passeava pelas ruas de Gotham como se fosse parte orgânica do caos artístico imaginado por Anton Furst.

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"Um pouco de música, um pouco de dança, a cabeça de Batman numa lança!" Entra Danny Elfman

Tim Burton, até hoje, é famoso por ter colaboradores habituais ao longo de sua filmografia. Desde o começo, o ex-líder da banda Oingo Boingo, foi responsável por adicionar ao incrível visual criado pelo cineasta, temas musicais igualmente marcantes. Com Batman não foi diferente. Ao contrário do heroico tema de Superman, composto por John Williams, a música que embalaria o combate ao crime deveria ser tão soturna quanto o campeão de armadura negra.

Assim, da marcha inicial usada como tema central, até as canções que acompanhariam a loucura do Coringa, toda a trilha reflete as sombras, o caos e o perigo iminente de Gotham. "Eu me inspirei inicialmente caminhando a noite pelo set de filmagens. Para o tema principal eu queria algo que trouxesse mistério, mas também que evocasse o heroísmo, mas sempre mantendo o lado sombrio daquele universo", comenta Elfman. O resultado foi uma composição operática, encaixando perfeitamente na abordagem estilizada de Burton e tão icônica que chegou a ser utilizada nas versões animadas e até hoje é imediatamente ligada à imagem do herói.

"Minha cara na nota de um dólar" - Batman em toda parte

1989 marcava os 50 anos do Homem-Morcego e o filme era parte das comemorações desta data emblemática. Para aproveitar o evento, a Warner e a DC investiram em uma pesada campanha de marketing, que até hoje é case obrigatório para aspirantes em propaganda. Naquele ano foram lançados inúmeros produtos como edições especiais de quadrinhos, coleções de figurinhas, cards, lancheiras, action figures, estatuetas colecionáveis, roupas (inclusive as íntimas), enfim, procurando com afinco, seria possível encontrar praticamente qualquer coisa com o emblema do herói. Tanto que para divulgar o filme em si, foi necessário apenas um pôster com o famoso símbolo em tamanho gigante, tamanha era a bat-presença em todo lugar.

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Pessoas faziam fila para ir aos cinemas que exibiam os trailers, emissoras como a CNN destacavam a proximidade da estreia com matérias em seus telejornais, revistas especializadas cobriam quase todos os aspectos da produção. Batman estava tão presente no mundo real quanto sua sombra sobre os criminosos de Gotham City.

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A estratégia deu certo. Os US$ 48 milhões investidos na produção foram rapidamente recuperados em uma arrecadação que chegou a impressionantes US$ 412 milhões. Se hoje isso já garantiria uma continuação, imaginem há 25 anos, quando os ingressos eram mais baratos e não havia "truques" para garantir uma boa bilheteria, como o atual recurso 3D que encarece ainda mais o valor da entrada. Bem aceito por público e crítica, apesar de reclamações habituais dos fãs, que são inerentes a qualquer adaptação, por melhor e mais fiel que ela seja, a Warner não hesitou para aprovar o segundo longa e garantir o retorno de Burton e Keaton, dando ao diretor ainda mais liberdade criativa.

"Não estamos num mundo normal, não é?" A continuação do legado de Burton

Quando Batman - O Retorno chegou aos cinemas no verão de 1992, ficou claro que, apesar da visão particular de Burton no primeiro filme, o público não estava preparado para algo ainda mais sombrio, feito por um diretor que não estava interessado em se repetir, mas, ao contrário, sem as amarras imaginárias criadas pelos olhos suspeitos dos executivos da Warner, estava livre para soltar ainda mais sua criatividade. Apesar de não ter mais Anton Furst como parceiro, por conta de conflito de agenda (e mais tragicamente, pelo suicídio do designer em novembro de 1991), o cineasta manteve a fantasia urbana criada no caos de um mundo opressivo ainda mais focada na psique dos vilões como o assustador Pinguim vivido por Danny DeVito ou a sensual Mulher-Gato de Michelle Pfeiffer. Com uma trama repleta de subtextos políticos, sexuais e psicológicos, o filme foi muito bem na bilheteria, mas muitos pais saíram arrependidos de levar seus filhos ao cinema. Era violento, perturbador e muito mais "maduro" do que os adultos achavam adequado para as crianças.

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Assim, em uma jogada semelhante ao que o personagem passou nas HQs, a Warner se esforçou para que o terceiro longa pensasse mais no público infantil e na possibilidade de uma maior venda de brinquedos. Como essa não era a proposta de Burton, sua substituição por Joel Schumacher ocorreu de forma até natural. O resultado todos já sabem: a inclusão de Robin em Batman Eternamente e os absurdos de Batman & Robin, cuja influência da série dos anos 60 quase elevou ao quadrado o fator de momentos ridículos, afundaram o Morcego nas telonas até 2005, quando Christopher Nolan o ressuscitou em Batman Begins.

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Porém, durante a década de 90 nem tudo estava perdido para os fãs. Fortemente inspirada pela visão sombria de Burton, a série animada que estreou em 1992 é considerada por muitos a melhor versão do Batman fora dos quadrinhos, com seu equilíbrio entre fidelidade ao material original, visual singular e tramas muitas vezes maduras, sem nunca apelar para elementos "infantilóides", o programa rendeu vários prêmios Emmy e foi fundamental para manter a seriedade do personagem no imaginário popular.

25 anos depois, o Batman de Tim Burton envelheceu muito bem. Espectadores que reclamaram do longa em 1989 passaram a elogiá-lo, depois das decepções seguintes nos anos 90, e principalmente após atingirem certa maturidade para compreender o que o diretor quis transmitir com sua abordagem pessoal da mitologia do herói (principalmente em sua segunda incursão naquele universo).

Hoje o sub-gênero "filme de quadrinhos" finalmente alcançou seu lugar ao sol, com mais acertos do que erros, mostrando que a aposta da Warner na liberdade criativa de um jovem cineasta continua ecoando positivamente nas telonas do mundo todo.

Curiosidades

Burton e os produtores não ficaram tranqüilos apenas com Jack Nicholson no elenco. Como a trama pedia alguém para viver o chefe de Jack Napier antes deste se tornar o Coringa, os realizadores foram atrás de Jack Palance, veterano que, de acordo com o diretor, “as vezes fazia Nicholson parecer um garoto quando contracenavam”;

Kim Basinger teve apenas dois dias de preparação para viver Vicky Vale. A intérprete original era Sean Young, de Blade Runner – O Caçador de Androides, que se machucou quando treinava equitação para uma cena e precisou ser substituída. Ironicamente, a cena em questão foi descartada;

Robin quase apareceu no primeiro longa. A cena chegou a ser criada em storyboards, mas foi removida por não adicionar nada a trama, além de quebrar a narrativa. Na edição especial em DVD e Blu-ray, a sequência foi animada e dublada por Mark Hammil e Kevin Conroy, o Coringa e o Batman da série de desenhos.

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Alexandre Luiz

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