Cinerama: A carreira de José Padilha – Parte 2

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Em 2008, uma disputa entre Record e Globo havia ocorrido para saber quem teria o direito de produção de uma série a partir de Tropa de Elite, e acabou que a Globo ganhou a briga, e chegou até a confirmar uma primeira temporada de cinco episódios, onde André Ramiro faria o papel principal com seu personagem também presente no primeiro filme, André Matias, que entra no BOPE e se torna um policial duro e violento como seu treinador, Capitão Nascimento. As notícias esfriaram, e nada mais se falou a respeito. Quando Padilha foi perguntado, algum tempo depois, ele admitiu que seus ideais não permitiram que assinasse os contratos, pois o canal não estava lhe dando a autonomia adequada: “E com razão, afinal de contas, o louco do diretor é o Zé Padilha!” abriu o jogo José em piada, mas daquele projeto que não havia dado certo, surgiu Tropa de Elite 2, que entrou em produção em 2009, mas com um gigante véu de mistério. Nenhum dos atores falou a respeito da trama, o roteiro que foi enviado para a Ancine, por exemplo, foi impressa em tinta vermelha, impedindo fotocópia, e com o falso nome de “Crime Organizado”.

Após uma longa preparação de elenco, dirigida por Fátima Toledo, que havia levado os atores à loucura na preparação do primeiro longa, fazendo Wagner Moura até quebrar o nariz de um dos treinadores físicos e táticos do BOPE, as filmagens iniciaram em Janeiro de 2010, indo até o meio de abril, com grandes cenários e enormes sequências de tiroteio.

A pós-produção também foi cheia de mistérios, sendo feita dentro da sede da Zazen e com monitoramento de todas as salas e entrada somente para pessoas autorizadas e portadoras de senhas. As cópias foram todas numeradas e até mesmo a sessão de pré-estreia em Paulínia, no interior de São Paulo, foi aberta com revista de todos os espectadores, sendo vetada a entrada com qualquer tipo de aparelho digital, sendo celulares ou câmeras de pequeno porte.

De todo modo, o suspense não decepcionou, Tropa 2 é uma sequencia digna e até melhor que o primeiro, sendo um filme de mais coragem ainda e sem margem para duplas interpretações, ponto criticado e problemático no Tropa 1.

Desta vez, o Coronel Nascimento, nos dias atuais, é mais maduro, não conseguiu sair do BOPE como planejara e acaba se tornando Sub Secretário de Segurança Pública por conta de uma manobra política, o que lhe dá a chance de ter uma visão melhor do todo, e saber que quem aponta a arma é o policial, mas quem puxa o gatilho, está sentado nas cadeiras luxuosas do, mais uma vez, poder público, que é sempre usado ao interesse próprio e partidário, sendo o povo sofredor das comunidades, os mais sugados e menos favorecidos nessa teia de interesses trocados.

A direção é mais madura e mais autoral, as atuações são apuradíssimas e praticamente nada foge ao controle da situação, fazendo deste um filme extremamente “econômico”, pois tudo que é mostrado tem um motivo e uma função específica.

TFF 2008 Portrait Studio At The Amex Insider's Center - Day 5

O resultado? Sucesso de bilheteria (pouco mais de 104 milhões na arrecadação) e crítica (93% no Rotten Tomatoes), que levantou plateias astronômicas (mais de 11 milhões de pessoas, recorde de bilheteria para filmes Brasileiros e um dos primeiros em recorde no Brasil, perdendo apenas para filmes como Titanic, 16 milhões) para aplaudirem de pé o diretor que se tornou um nome forte até fora do Brasil.

Com muito dinheiro, pois Padilha e Marcos Prado descobriram que ganhariam muito mais se cuidassem de todas as fases de produção de um filme, principalmente sua distribuição, e com muita liberdade criativa, para decidir o que faria a seguir, recusou inúmeras oportunidades de dirigir blockbusters na “gringa” com grandes estúdios para fazer uma coprodução com a HBO e a BBC, o documentário “Segredos da Tribo” de 2010, que versa sobre os índios Ianomâmis, que se tornaram famosos nos anos 60 e 70 quando a floresta Amazônia e a importância de sua preservação tomaram a mídia, mas o Segredo exposto no documentário não é sobre os índios, mas sim sobre as atrocidades cometidas pelos antropólogos que os descobriram e por anos os exploraram de diversas formas.

Nada disso, porém, é algo inédito. A polêmica se instalou ao longo dos anos em artigos de publicações especializadas, livros e, eventualmente, na imprensa. No documentário, no entanto, Padilha reuniu material de arquivo e colheu depoimentos de acadêmicos de várias partes dos Estados Unidos e da Europa, em um bate-boca de PHDs bastante incomum. Os ianomâmis também são ouvidos e daí fica claro que, mesmo com toda essa confusão entre doutores, quem saiu perdendo e viu sua cultura ser pisoteada pelos ocidentais foram os índios. E se instala a discussão filosófica: até que ponto a antropologia pode interferir nos povos que estuda?

Documentário que, no quesito imagem, trilha sonora e edição, parece ter saído dos anos 80, muito provavelmente estética escolhida por José, que mais uma vez não perde sua verve cinematográfica de denúncia que se repete com força neste documentário que deveria se transformar em objeto obrigatório de discussão nas salas de aula de ciências sociais no futuro próximo.

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Na sequência veio a confirmação de Padilha para dirigir um dos curtas do Longa “Rio, Eu Te Amo”, que tem na lista de diretores os Brasileiros, Fernando Meireles, Carlos Saldanha, Andrucha Waddington e tantos outros. A prévia de lançamento do longa é para o meio de 2014 e o curta a cargo de Padilha conta a história de um casal em crise durante um voo duplo de Asa Delta.

Um pouco antes de todo o frenesi de Tropa de Elite, em 2007, a MGM planejava uma refilmagem do clássico Cult de 1987, “RoboCop”, dirigido por Paul Verhoeven, que estaria a cargo de Darren Aronofsky, diretor de Cisne Negro. Em 2009 a história foi confirmada e uma estreia estaria marcada para 2010. Depois essa data mudou para 2011 e nunca mais se falou nisso, para alegria de alguns fãs e para a tristeza de outros.

Cerca de um ano e alguma coisa depois dessas conversas, o estúdio que estava “quebrado” financeiramente e havia esquecido o projeto por conta disso, se reuniu com Padilha, assim como tantos outros estúdios de Hollywood, que viam no rapaz Brasileiro, que fazia filmes de grande apelo público com pouco dinheiro, um nome rentável que poderia estar à frente de algum remake, e foi o que lhe ofereceram: “Queriam que eu fizesse alguma refilmagem de um épico, me colocaram uma série de opções, mas bateram na tecla mesmo de eu dirigir um Hércules, e eu não estava nem um pouco a fim e estava ficando com fama de difícil em L.A., já que recusava tudo, só que quando eles cansaram de falar e a reunião estava pra terminar, eu vi o pôster do Robocop de 87 na parede e como eu sabia de toda a vontade deles de fazerem um remake do filme do Verhoeven, eu expus uma ideia que eu tinha sobre os policiais do futuro e o uso de Drones, aí por algum motivo colou, e eu saí da reunião como diretor do filme.”

Com a sua nova visão da ideia original, o filme teve de ser reconstruído do zero, o que foi um ponto muito forte a favor de Padilha, que teve a chance de colocar muito de sua visão e de sua verve fílmica no reboot de RoboCop: “me vacinava por conta do tema que o clássico levantava: A automação da Violência abre uma porta para o fascismo. Em Tropa de Elite eu mostro na cenas de preparação dos novos agentes do BOPE, a desumanização que o Estado faz com esses homens quando eles querem fazer uma violência em massa, mas e quando se tem Drones, robôs no lugar desses homens, que mesmo desumanizados e violentos, ainda são seres com alguns discernimento. Na guerra do Vietnam, exércitos foram retirados porque americanos estavam morrendo, mas e se naquele mesmo período estivessem lá robôs? Muitos outros Vietnamitas iriam morrer?” O filme de Padilha, trata basicamente disso e, é claro, sobre Alex Murphy e sua luta contra a máquina em que foi posto, já que de fato sabemos que seu livre arbítrio é uma simples ilusão, forçada pela agressiva corporação que pensa apenas em dólares e centavos.

Além de ter tido a chance de sugerir o enredo, Padilha teve a oportunidade de escrever “cotovelo a cotovelo” com o roteirista Joshua Zetumer: “Fazer um filme político ou filosófico em Hollywood não é fácil e eu tive de brigar por isso, pois você pode acabar limitando o público, e os grandes estúdios querem um grande filme para grandes plateias, o cineasta acaba se tornando um contrabandista de ideias: Nesse filme os personagens, por exemplo, tem nomes que remetem a filósofos da teoria da mente e etc, e para me ajudar nessa briga, eu tinha o próprio personagem, porque o RoboCop é um personagem que ninguém quer ser. Quando se faz um filme do Homem de Ferro, pega-se um ator carismático, uma série de efeitos especiais bem feitos e todo garoto quer ser o Homem de Ferro, já com o RoboCop, isso não funciona, pois o próprio Alex Murphy não quer ser o RoboCop.”

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Com um roteiro que “fala sobre algo” e 130 milhões a disposição, Padilha trouxe para a trupe seus colaboradores de longa data: Lula Carvalho, na Fotografia, Daniel Rezende na Edição e Pedro Bromfman, na Trilha Sonora, todos brasileiros e peças chaves no processo criativo do filme. Para o elenco vieram Joel Kinnaman, Gary Oldman, Michael Keaton e Samuel L. Jackson, que até disseram que um dos principais motivos de aceitarem trabalhar no filme foi o roteiro, pela mensagem clara e muito diferente dos filmes de mesmo estilo, e o diretor (Padilha), que integrava o grupo, o que foi de fato crucial para o resultado do longa.

Padilha teve a chance de ensaiar com todos os atores bem antes das filmagens, colocando-os a par do processo, aumentando determinadas falas, retirando outras. O próprio cineasta confirmou que fazer RoboCop foi como fazer um filme no Brasil, e que apesar da vigilância do estúdio, não se tornou algo tão problemático quanto Fernando Meireles informou publicamente, mas apesar de todo esse seu “sucesso” ao dirigir um filme de estúdio, José informou que se houver uma continuação, ele não dirigirá.

Agora falando sobe o filme, o longa realmente tem sua assinatura. O tom crítico está lá, as cenas de ação bem dirigidas se parecem muito com as de Tropa de Elite, a “farda preta” também está presente e é claro o seu tom de denúncia, nesse caso, de um eminente problema.

Com uma Detroit violenta, corrupta e situada no futuro, 2028, os androides são usados como uma máquina de guerra eficaz e poderosa que passa a agir em todo o globo, mas quando se coloca em cheque usar essa mesma tecnologia em solo americano, há uma questão: É certo colocar um robô para lutar contra qualquer americano que represente risco, que esteja armado? E se ele matar alguém que não represente perigo para a sociedade, mas represente perigo para o robô? A OmniCorp rebate: Mas e se colocarmos um homem dentro de uma máquina? Teremos uma eficaz arma contra o crime e ainda por cima teremos a consciência humana. Começa assim, a “Frankensteinização” de Alex Murphy, policial honesto que é gravemente ferido em um atentado bolado por policiais corruptos. O resto da história já se conhece, o lado humano de Alex passa a lutar contra o lado máquina, e fica a questão: Até que ponto é possível aprimorar a tecnologia das armas de guerra?

A direção é segura, e também se trata de um filme “econômico”, tudo parece estar em seu devido lugar, mas o especial é, mais uma vez, o lado político, que consegue ser mais forte do que no filme original, tornando esse não apenas um remake, mas sim uma nova visão do mesmo personagem: “São filmes diferentes, que refletem épocas diferentes. O meu fala do meu tempo”.

O filme fez dinheiro nas bilheterias: 241 milhões pelo mundo, mas foi morno com os críticos: “O que de fato existiu, foi uma má vontade de ver o filme, por conta de ser refilmagem de um clássico e etc, mas eu não me importo, eu sei o filme que eu fiz e o porquê eu o fiz. O que me chateia de algum modo é que se preocupou tanto em ficar se comparando o original com o novo que não pararam para discutir o que eu pus na tela, mas eu aprendi com o cinema que é preciso esperar e ver o que vai dar, se minhas prévias estiverem certas, daqui a alguns anos vão ver o filme como ele merece ser visto.”

Para os próximos anos, Padilha tem planos: Uma série que está em pré-produção com a Netflix sobre o traficante Pablo Escobar, que fez fortuna entre Colômbia, México e Estados Unidos. No papel de Escobar, Wagner Moura. A série provavelmente será falada em Inglês e Espanhol e dará a oportunidade de Padilha falar sobre a natureza da política antidrogas. Ainda não há data para a estreia.

Também na lista de projetos do diretor está uma ficção científica baseada em um antigo conto não publicado de Padilha que foi vendido para a Warner e que anda em fase de escrita da primeira versão, um drama de ação sobre a Tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, escrito por Nick Schenk, de Gran Torino, e um documentário ao estilo de Ônibus 174, sobre as manifestações que ocorrem atualmente no Brasil: “Mas não sabemos o que vai sair disso. Vamos apenas documentar. Apareceu uma pessoa chave das manifestações, a gente vai e filma.” Afinal de contas, o momento tem muito a ver com o que Padilha gosta de colocar na tela e com todo o talento que o diretor anda mostrando em suas produções, sabemos que, com José, missão dada – seja aqui ou fora da terra tupiniquim – é missão cumprida, parceiro.

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