No final de Fevereiro de 1976, Coppola, Scorsese, Altman, Jakob e tantos outros amigos de George Lucas haviam assistido ao primeiro corte de Star Wars e haviam odiado; Coppola particularmente não estava nem um pouco impressionado com a ópera espacial do fiel escudeiro; não gostava do roteiro, achava as cenas de luta chatas e detestava o fato da câmera nem ao menos se mexer em cenas que deveriam ser empolgantes. Dennis Jakob – escritor de “Summer with Morrison” e colega de classe de Coppola – lhe dizia: “Você é a última esperança da nova Hollywood. Só restou você.” O que fazia Francis sentir que seu próximo projeto – Apocalypse Now – era uma verdadeira potência artística e que ele não decepcionaria ao transformar em arte cinematográfica o evento definidor de sua geração, a guerra do Vietnam. Francis lutou com isso, sucumbiu a isso, e embora tenha realizado uma obra-prima, ainda que falha, ele jamais seria o mesmo, e seu riso ao ouvir de Jakob o “Que a força esteja contigo” ao embarcar rumo às Filipinas, significaria muito.
Apocalypse Now
Ou como um desastre de mais de 30 milhões de dólares que custou a sanidade de Coppola se tornou um dos maiores clássicos do cinema contemporâneo.
A American Zoetrope nascia em 1969 e a ideia era: um coletivo de realizadores – encabeçados por Francis – que fariam filmes nas condições ideais, distribuiriam seus filmes como eles mereciam e não prestariam contas, nem fariam parte do nojento sistema Hollywoodiano. Lindo, não?
No corpo da Zoetrope estavam George Lucas, John Milius, Coppola, Jakob, Fred Roos, Gray Frederickson e mais meia dúzia de malucos que posavam para fotos estranhas com chapéus de cowboy – no caso de Milius, com enormes chapéus mexicanos e cinturões com balas envoltos ao corpo como os de Lampião – em frente ao Prédio da Zoetrope em São Francisco.
Com a produção de THX – 1138 de George Lucas, o projeto da cia. de cinema ainda não era algo concreto, e com muitas contas para pagar, Coppola aceitou o convite de fazer O Poderoso Chefão – um filme de estúdio – de modo a usar o dinheiro de seu salário para levantar a Zoetrope. Na época, tal ideia foi empurrada goela abaixo por Lucas e Eleanor – esposa de Francis. Todos sabiam que era o melhor para a companhia e para o diretor e tal previsão se tornou uma realidade. Coppola ficou milionário e se tornou um nome poderoso em Hollywood, o rei que ele e seus parceiros queriam que ele se tornasse.
Em 1975 o Poderoso Chefão II arrebentou e dessa vez havia sido produzido por Coppola e seus parceiros, logo a American Zoetrope renascia das cinzas.
O primeiro projeto que desenterram foi a adaptação de “Coração das Trevas” de Joseph Conrad, história de um cara louco que se isola no Congo, e lidera sua legião de nativos seguidores. Orson Welles tentara adaptar o livro em 1938, mas desistiu por se tornar uma tarefa louca demais. Ainda na faculdade, Milius se apaixonara pela ideia de um projeto impossível se tornar possível, e alguns anos depois Lucas sugeriu que eles fizessem uma fusão de Coração das Trevas e a guerra do Vietnam, o que animou muito Coppola, que produziria o filme, Lucas dirigiria e Milius escreveria o roteiro. O filme seria uma espécie de documentário gravado na guerra. “Amigos nossos que ingressaram na faculdade, fugiram para o Canadá para casar e escapar da guerra. Estavam animados em irem para fazer a fotografia, ou capturar o áudio. Era uma loucura” – recorda-se Milius. “Só que na hora que os investidores notaram que íamos morrer, e que o filme não seria bem aceito, pois pessoas cuspiam na cara de soldados na rua e havia uma pressão contra a guerra, abortamos o projeto.” – lembra-se Lucas.
“Desenterrei o projeto de Apocalypse Now, pois queria fazer algo original e não queria demorar oito meses escrevendo um argumento. Era só questão de mandar Milius revisar o roteiro e entraríamos em produção.” – lembra-se Coppola, que ofereceu o longa a Lucas, pois queria que ele “fizesse filmes de verdade, como os outros”. George recusou o projeto por ter recebido o sinal verde da 20th Century Fox para fazer Star Wars.
Com a ideia fervendo na cabeça e com seu gênio megalomaníaco, Francis decidiu que levantaria os 12 milhões do orçamento e ele mesmo teria controle total sobre o filme, agora sob sua direção.
Com todos trabalhando e um elenco composto por Harvey Keitel e Marlon Brando, que cobrara 3 milhões por três semanas de filmagem, o Designer de Produção Dean Tavoularis viajara com as indicações de Lucas e Roger Corman para as Filipinas, de modo a escolher algumas locações, já que o local se assemelhava com o Vietnam. Apesar dos avisos de Lucas e Corman sobre “Apenas gastar alguns rolos de filme com imagens de cobertura”, Coppola instruiu Tavoularis a escolher todas as locações por lá, onde ele situaria uma enorme equipe e só se deslocaria de helicóptero entre as mesmas. Um dos assistentes ligou para Coppola e disse: “Não venha para cá. É perigoso. Vá para a Austrália, para a Tailândia! Você só pode estar louco de colocar centenas de pessoas aqui e construir um set de 20 milhões nesse lugar. Estamos em Novembro. No dia 15 de maio o primeiro tufão vai chegar e vai chover sem parar até 15 de outubro. A água sobe mais de 15 metros e vamos afundar na lama tudo que construirmos!” Calmamente, mas arrogante, Coppola respondeu: “E quem é você, a porra do homem da meteorologia?”.
No dia 1° de Março de 1976, Coppola e toda a sua família embarcaram para o que deveria ser uma filmagem de 14 semanas nas Filipinas.
O processo seria infernal, com a arrogância de Coppola aumentando todas as dificuldades. A logística da coisa era impossível. As locações eram distantes umas das outras, o esquema aéreo não era nada eficiente, as colinas eram perigosas, o país estava em guerra contra os Comunistas e os helicópteros do exército Filipino, que eram utilizados durante as filmagens, acabavam abandonando a produção para combaterem.
Coppola estava ficando louco e descartava assistentes como lenços de papel. Os primeiros eram italianos, de modo a facilitar a comunicação com a equipe de Vittorio Storaro, diretor de fotografia. Logo eles perderam força durante o processo sem nexo de Coppola, que filmava sem direcionamento. Como descrito por Fred Forrest – ator que faz o papel de Chef - “Era como a cena em que Martin Sheen vai falar com aquele cara na trincheira e diz: ‘Quem é o comandante aqui?’ e um dos caras responde: ‘Não é você?’. Aquilo era a essência de Apocalypse Now. Ninguém sabia o que estava fazendo e nem ao menos a quem se reportar.”
As condições de trabalho eram tão ruins que todos viviam na farra, usando drogas, saindo com prostitutas e bebendo como se não houvesse mais daquilo no resto do mundo. “Quando cheguei ao hotel, no mesmo andar que eu, havia uma casa de massagem e lá você conseguiria qualquer coisa por menos de 5 dólares.” – lembra o ator Sam Bottoms.
Enquanto tudo era um completo desastre, Coppola se armava dos maiores luxos que um americano poderia ter. Os melhores equipamentos, os melhores vinhos, a melhor comida. Semanalmente, um avião vinha diretamente de São Francisco com vinhos, hambúrgueres e salsichas. Outro vinha diretamente da Itália com massas e era totalmente destinado à equipe de Storaro. Cerca de 8 mil dólares eram gastos semanalmente com taxa na alfândega. O ego de Coppola só crescia e ele reescrevia diariamente as cenas que iria gravar no outro dia, dando um gasto enorme de tempo e dinheiro. Não que isso fosse exclusivamente culpa de Francis. Ele estava realmente convencido, com alguma razão, de que Apocalypse era um grande feito artístico, e ele vivia cercado de adoradores cuja a missão era servi-lo e bajular o poder de sua imaginação.
Dinheiro não era um problema, se Coppola fazia menção a uma certa taça da Tiffany para uma cena, com certeza chegariam dezenas delas na próxima remessa de São Francisco. Ninguém queria se expor à ira de Coppola. A regra no set era: Na dúvida, compre.
Em abril, pouco depois da Páscoa, Coppola decidiu que substituiria o ator principal da trama, e Harvey Keitel fora demitido como semanalmente diversos outros técnicos eram, com uma única diferença: o pouco material que Coppola havia filmado em quase dois meses de gravação teria de ser regravado.
“Storaro, por exemplo, era um cara muito calmo e gentil e não impedia nenhum dos impulsos de Francis, o que era um tremendo problema, pois Poderoso Chefão só saiu pois Gordon Willis era um cara de opinião forte e confrontava Coppola em prol do filme, cobrando datas e sendo direto e objetivo quanto ao que gravar e como. Com um cara que não dizia não, o filme foi degringolando rumo a um buraco sem fim.” Lembra o produtor executivo Fred Ross, que era constantemente xingado e humilhado por Coppola, que sempre dizia: “Eu sei o que estou fazendo!”.
Sem ator principal, Francis fez a barba e voou para LA, onde encontrou com Martin Sheen, que acabou aceitando o papel, mesmo sabendo que não estava com uma saúde boa – fumava cerca de três maços de cigarros dia, estava acima do peso e bebia muito aos 35 anos. - mas assinou contrato para as outras 16 semanas – sim, o filme já havia estourado mais uma vez o prazo – e Sheen partiu para as Filipinas junto a Coppola e o que encontrou foi “Uma equipe de lunáticos drogados, que viviam quase sem roupa por conta do calor do lugar e que constantemente sentavam e cruzavam os braços, pois não sabiam o que fariam a seguir.”
Com o filme atrasado, Coppola era uma ferida aberta, e a insegurança que sentia a respeito de si mesmo como artista, que havia disfarçado com o sucesso fenomenal dos outros dois filmes, agora vazava dele como o caldo de uma manga amassada. Achava que era melhor adaptando obras originais do que criando coisas novas e tinha medo por estar fazendo um filme exagerado sobre um tema importante e além de tudo isso, estava gravando materiais muito destoantes do roteiro, pois não se preparou de forma adequada e o seu novo enredo não condizia com o final, que já não lhe agradava muito, e agora era uma coisa completamente inútil.
Com essa insegurança enorme, mas agindo como qualquer grande estúdio, gastando muito consigo mesmo, com os astros e sendo extremamente cruel com os demais, a equipe de Storaro estava como ele, em Manila, bem hospedada e tratada como príncipes. Já a equipe técnica estava isolada em acampamentos improvisados nas proximidades das locações.
Um dia, quando Coppola parou de pagar as diárias a todos – pois estava reclamando da falta de dinheiro – a equipe que estava de folga foi correndo até um avião de carga com destino a Manila para ligar para seus parentes, comprar laticínios e itens de higiene pessoal. Como todos estavam afoitos e nervosos, um sujeito com uma metralhadora os impediu de entrar e o avião partiu, deixando todos para trás. “Era um estado de sítio. Era igual àquelas pessoas se pendurando nos trens de pouso dos helicópteros tentando fugir de Saigon”, lembra Nancy Tonery, supervisora de roteiro. O filme não era mais sobre o Vietnam, era o Vietnam.
Como previsto pelo assistente que Coppola ignorou, na primeira semana de maio o tufão atingiu a ilha em que estavam situados com uma força gigantesca. Choveu por dias e mais dias, uma torrente interminável de água, que nesse ritmo começou a arrancar o telhado de diversas casas, a destruir comunidades inteiras e a matar diversas pessoas – mais de 200 para ser preciso.
Se não bastava a impossibilidade de gravar, o tufão também atingiu diversas locações, pondo abaixo milhões de dólares em blocos de argila que foram arrastados rio abaixo.
Em 8 de junho Francis foi obrigado a parar de vez a espera e partir com seu elenco e equipe técnica de volta para São Francisco. Com muita gente sofrendo de doenças tropicais e parasitas exóticos de vários tipos, todos aproveitaram para fazer tratamentos de saúde, já que não haviam médicos no set e a equipe era obrigada a passar cloro diluído e vodca em suas feridas. Bottoms, por exemplo, havia contraído parasitas intestinais, danificando seriamente seu fígado. Fred Forrent certa vez desmaiou com sangue escorrendo pelos ouvidos e um peão de construção filipino havia morrido de hidrofobia, e fora enterrado usando sua camiseta de Apocalypse Now. Ou seja, a situação ia de mal a pior.
Não bastando tudo isso, a produção estava seis semanas atrasada e das noventa horas de material gravado, apenas oito minutos eram editáveis. 3 milhões fora do orçamento também era um grande problema. Uma hemorragia de dólares se seguiria e Francis – que estava deprimido e com medo, pois sabia que não conseguiria terminar o filme – conseguiu um empréstimo com a United Artists de outros 3 milhões para terminar Apocalypse e penhorou até as canetas de sua casa para tal. Em resposta, a United foi dura: Se o filme não fizesse mais de 40 milhões em renda líquida, ele seria pessoalmente responsável pelos gastos em excesso e se não se tornasse um blockbuster, Coppola tinha uma chance razoável de ser completamente aniquilado.
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