1956, Nova York - Estados Unidos da América.
Em um pequeno set de filmagem, um filme de baixo orçamento de um jovem diretor/produtor começará a ser rodado. Com apenas 28 anos, Kubrick dá as boas-vindas a todos os integrantes do produção, pega seu viewfinder e posiciona seus atores para a primeira tomada do filme. Todos estão muito agitados e ansiosos com a realização do longa, os únicos mais tranquilos em cena são o diretor, que agora se concentra em achar o ângulo e lente correta para sua cena, e o fotografo Lucien Ballard, que havia trabalhado em grandes produções e que já era importante na época.
A tomada era bem difícil. Uma cena com travelling lateral atravessaria vários cômodos de uma casa cênica seguindo alguns personagens, que tinham de ter seus rostos iluminados da forma correta em movimento. Kubrick definiu então a distância dos trilhos e escolheu uma lente grande-angular de 25mm, bem aberta e com uma perspectiva bem específica. Stanley orientou Ballard e o deixou trabalhar, indo conversar com os atores sobre a cena, afinal de contas, montar as luzes seria algo relativamente demorado.
Algum tempo depois, Kubrick foi avisado de que Ballard estava pronto para rodar. Feliz que a montagem havia sido tão “rápida”, voltou para o set com os atores. Ao chegar lá, percebeu que as luzes não estavam do modo como queria e que os trilhos estavam bem mais para trás de onde ele havia pedido que fosse montado. Serenamente e com o tom de voz baixa, Stanley foi até Lucien e lhe perguntou: “Por que os trilhos não estão onde eu pedi?”. Calmo, mas gesticulando muito, Ballard disse: “Eu coloquei ao invés da 25mm, uma 50mm, que vai dar o mesmo enquadramento que você queria, mas que vai me economizar tempo, pois montar a luz pra 50mm é mais simples.” Kubrick fechou seus olhos por um segundo: “Mas e quanto a mudança de perspectiva?”. Lucien disse: “Isso não importa tanto...”.
Lucien estava redondamente errado, a perspectiva que se tinha com a nova lente mudava totalmente a cena, afinal não se trata apenas de enquadramento, mas sim de discurso visual e mais um monte de outras razões. Kubrick sabia que Ballard estava tentando o enrolar, mas o que o deixava nervoso era o modo como presumia que ou Stanley não entendia daquilo, ou não ligaria para a escolha, mas mais uma vez calmo e com serenidade Kubrick disse, olhando diretamente para os olhos de Ballard: “Ponha a câmera onde eu pedi, com a lente que eu pedi e com a iluminação que eu pedi, ou pode sair do set e não voltar nunca mais.”
Um silêncio se instalou por alguns segundos, e Kubrick foi cuidar de outros assuntos pertinentes. A câmera foi colocada no lugar certo, com a lente certa e nunca mais houve qualquer discussão acerca de qualquer outra coisa no set de The Killing, terceiro longa de Stanley Kubrick, que com essa mesma serenidade e calma encantou e impactou bilhões de pessoas ao redor do mundo com seus filmes, que até hoje causam reações das mais diversas nas pessoas.
Esse Cinerama especial colocará em destaque a carreira de um homem simples, que ficava em silêncio quando era aplaudido, ou quando era amaldiçoado.
Stanley Kubrick
Kubrick nasceu em 26 de Julho de 1928 em Nova York, filho de pai médico e mãe Judia, Stanley cresceu no Bronx em uma casa própria, e sempre foi um menino “diferente” dos outros, por passar tempo demais afundado em livros, incentivado por sua mãe, Gertrudes, que andava sempre com livros também.
Seu pai, Jack, era interessado em fotografia e havia montado junto ao filho um mini laboratório em sua casa e deu uma câmera a Kubrick aos 12 anos, máquina que o fez se tornar fotógrafo do jornal escolar e estar sempre atrás de cenários para seus experimentos fotográficos.
Aos 16 anos, Kubrick registrou um senhor triste a lamentar a morte do Presidente Roosevelt em uma banca de revistas, com inúmeros jornais anunciando a notícia, que causou comoção em todos os Estados Unidos da América. Stanley vendeu a foto para a importante revista Look e ganhou um emprego registrado como fotógrafo fixo.
Dentro da Look, Kubrick não só tirou fotografias fantásticas, como aprimorou ainda mais seus dons técnicos, que foram fundamentais para o seu alto nível de sofisticação na fotografia de outro tipo de câmera.
Apaixonado por Boxe, Kubrick fez diversos ensaios sobre o esporte para a Look, inclusive um sobre o, na época notável boxeador, Walter Cartier. Estava aí o tema da primeira incursão de Kubrick no meio cinematográfico. – Day of the Fight de 1950. Stanley tinha apenas 22 anos.
Day of the Fight, embora pequeno e sem muitos arranjos artísticos, mostrava o talento do jovem para a captação e o levou a pedir demissão da Look, mudar-se para um lugar bem barato, jogar xadrez a dinheiro no Washington Square e fazer pequenos documentários institucionais. Embora ganhasse muitos torneios de xadrez, todo o dinheiro que ganhava não era o suficiente para fazer um filme, então em 1953, o pai de Kubrick rasgou sua apólice do seguro de vida e resgatou o dinheiro para investir na primeira grande alçada do filho, Fear and Desire, longa sobre uma guerra fictícia onde soldados se perdiam de seu batalhão e procuravam manterem-se vivos atrás das linhas inimigas.
O filme era um simples ensaio para o futuro grande cineasta, mas graças a Fear and Disere, Kubrick ganhou a possibilidade de fazer algo maior e melhor – Killer’s Kiss, de 1955, com um roteiro bem mais amarrado e intrigante ilustrando uma fantástica fotografia Noir.
O filme sobre um boxeador – novamente - que se apaixona por uma dançarina noiva de um gângster era pequeno, simples, mas muito bem filmado.
Gravado com pouco dinheiro, todos recebiam apenas uma ajuda de custo e a alegria de estarem participando de um filme. Toda sexta-feira à tarde, Kubrick dispensava a equipe por algumas horas para que pudessem receber a dinheirama de 30 dólares do seguro-desemprego, que era o que pagava as contas e alimentação de boa parte da produção.
Apesar das inúmeras dificuldades que se tem em um filme de baixo orçamento, Stanley instigava o bom clima no set e estava determinado que todo o seu esforço naquele projeto lhe daria frutos, e se dedicou 100% em seu material.
O esforço foi recompensado com o prêmio de melhor diretor pelo filme no festival de Locarno na Suíça e pela atenção e proposta de sociedade por parte do jovem produtor James B. Harris, que tinha acesso a grandes financiamentos. Juntos, formaram a Harris-Kubrick Pictures, e de cara decidiram adaptar um livro sobre um assalto mal fadado a um hipódromo. Surgia assim The Killing de 1956, com um bom orçamento, uma equipe bem paga, um experiente e premiado diretor de fotografia e um diretor/produtor que tinha controle sobre todas as fases de produção de seu filme e mais que isso, tinha uma tremenda autoconfiança. Kubrick, com 28 anos, era um excelente diretor.
The Killing não foi um sucesso comercial, mas colocou seu nome e o de Harris em outro patamar de evidência. Os críticos amaram a narrativa não linear inteligente - que mais tarde seria totalmente utilizada para construir Cães de Aluguel e Pulp Fiction de Quentin Tarantino – e elogiaram muito a direção artística do filme, alguns o postulando até como forte candidato ao Oscar daquele ano.
O prêmio não veio em 1957, mas naquele ano Kubrick impressionou com seu filme antibelicista Paths of Glory, que tem no elenco o já na época famoso, Kirk Douglas, como um Coronel Francês que coordena um ataque suicida no front, que é claro resulta em tragédia, como previsto pelo Coronel que não apoiava tal investida. Os Generais, sabidos de sua incompetência, mas ainda assim generais, escolhem 3 bodes expiatórios que serão executados por covardia, afinal de contas alguém tem que levar a culpa pela incompetência de outro que não sabe o que é o front.
Sensível, impactante, violento e honesto, Paths of Glory arrepiou as salas de cinema e colocou Kubrick na posição de artista, por suas composições de quadro e uso apurado da linguagem cinematográfica.
“O modo honesto como foi filmado era chocante, principalmente as cenas das trincheiras em dolly. Ele mostra que é uma hipocrisia, que é uma mentira e que é desumano sendo objetivo, deixando que o espectador veja por si só que aquilo é terrível” – declarou inúmeras vezes Martin Scorsese que assistiu ao filme quando ainda era adolescente e sonhava em se tornar diretor. “Mas o que mais impressiona é o fim do filme. Kubrick consegue, com aquela singela cena de uma moça alemã cantando uma canção, a chorar para uma plateia de furiosos franceses, causar sentimento no público. Não sentimentalismo, mas sentimento...”. Scorsese não foi o único a ser tocado e entender todo esse cuidado de Stanley com a direção, o filme foi indicado a diversos prêmios, como por exemplo o BAFTA de melhor filme.
Kubrick se casou com Cristiane Harlan, a moça que canta ao final de Paths of Glory, e teve duas filhas. Ainda vivendo em Los Angeles, o diretor trabalhava em seu próximo projeto quando recebeu uma ligação de Kirk Douglas.
“Douglas estava tendo problemas com Spartacus - de 1960 -, filme que era o sonho de sua vida e desejava alucinadamente atuar, por isso viabilizou a produção junto a Universal. Kirk era importante no ramo e estava colocando muito dinheiro seu no filme, portanto todas as suas vontades eram atendidas, exceto a escolha do diretor. Kirk queria Kubrick desde o começo, mas o estúdio preferia alguém veterano e que estivesse acostumado a dirigir grandes produções e assim foi escolhido Anthony Mann. Uma semana após o início das filmagens, Douglas estava certo de que Anthony não era o homem para o filme, e conseguiu convencer a Universal a trazer Kubrick para o projeto, e é claro eu insisti para que Stanley aceitasse o convite, pois seria bom para a sua carreira e para a nossa produtora.” – lembra Harris, que embora estivesse acompanhando a situação de fora, sabia o quão tal decisão seria importante para a carreira de Kubrick – “Ele disse que jamais faria tal coisa novamente”.
Com um orçamento de 12 milhões – uma superprodução para a época – para um filme colorido, com estrelas como Laurence Olivier e Peter Ustinov, Kubrick estava com uma bomba na mão, pois todo o elenco era cheio de atores “paparicados” de Hollywood, o roteiro era mórbido e sem cenas de ação e Kirk tinha uma opinião sobre como cada cena deveria ser rodada. A tarefa não seria fácil e não foi.
Desentendimentos com o fotografo e Kirk eram rotineiros e as interrupções do estúdio não deixaram Stanley colocar em prática a maioria de suas ideias e, assim, rodou um filme que não o entusiasmava e nem o interessava muito, e para completar o ciclo de atrocidades, foi vetado do direito à edição.
Apesar das inúmeras dificuldades e de Stanley odiar o filme e a experiência de gravá-lo, o pouco que Kubrick pôde mexer o fez um sucesso de público e crítica, rendendo 4 Oscars e uma porção de indicações para diversos outros prêmios como o Globo de Ouro, com Kubrick concorrendo a melhor diretor.
Apesar da relação com Kirk arruinada – por conta das diferenças criativas - Kubrick era oficialmente Diretor de cinema e um nome “quente” na indústria e inúmeros foram os convites para dirigir filmes épicos, mas Stanley recusou todos dizendo: “Só trabalharei em filmes que eu tenha o total controle sobre todas as fases de produção”. De fato, a experiência de Spartacus havia sido enriquecedora e importante para a carreira de Kubrick, como James havia dito.
Com a carreira feita, decidiu adaptar uma história pela qual tinha paixão – Lolita de Vladimir Nabokov, livro controverso sobre uma menina de 14 anos que se relaciona com um professor de 50. O livro teve problemas para ser publicado em diversos países e em alguns, publicado como livro adulto.
Apesar da controvérsia, Kubrick amava a sensibilidade com que Nabokov escrevera a história e como seus personagens eram fortes e únicos e é claro o tema, que esclarecia a sensação de que o bem e o mal nem sempre vem nos formatos que esperamos.
Mesmo sabendo da loucura que o lançamento de Lolita causaria, Kubrick e Harris conseguiram viabilizar a produção e voaram para realizarem as gravações em Londres, por questão de barateamento de produção, e no meio deste processo, Nabokov e Kubrick decidiram por realizar um roteiro um tanto longe da obra original, colocando um pouco de humor negro e brincando com o tempo narrativo – como em The Killing.
“Lolita é uma comédia, mas tem elementos sérios, é ousado, descarado, tem grandes performances e funciona completamente. Não consigo imaginar ninguém fazendo Lolita se não Kubrick”. – lembra o diretor Alex Cox.
Com Sue Lyon - menina de 16 anos emancipada – selecionada para integrar o elenco que contava com Peter Sellers, o filme foi gravado como os anteriores de Kubrick. Com muito controle, perfeccionismo e qualidade. Com a obra pronta, uma outra batalha se instaurou, a censura.
“A Igreja católica tinha sua própria censura e quando condenava um filme, mandava avisar todas as igrejas que era pecado assistir, e fomos interrogados por eles. Por exemplo: Em uma das cenas que James Mason está na cama com Shelley Winters, um porta-retrato com a foto de Lolita está logo atrás deles, no campo de visão de Mason. A igreja nos acusou de colocar a imagem de uma “criança” como fonte de libido sexual para o homem que tende se relacionar com uma mulher que não lhe atrai sexualmente. Neguei firmemente que aquilo não passava de besteira e que não havíamos usado isso no filme. Reeditamos essa e mais uma centena de cenas para lançar o filme, mas hoje, acho que a igreja tinha razão. Kubrick certamente pensara naquilo”, lembra James.
O filme teve de ser reeditado, cortando algumas dessas sugestões da relação entre Lolita e Humbert, o que deixou Kubrick furioso, mas que não tirou a maestria do longa de 1962, que recebeu boas críticas, foi sucesso absoluto de público e apreciado por todos os bons amantes da sétima arte. Kubrick mais uma vez impressionava e escandalizava, só reafirmando sua genialidade e mentalidade além de seu tempo.
Mas, se “Lolita” havia polemizado, seu próximo projeto seria ainda pior: “Dr. Strangelove ou: como aprendi a parar de me preocupar e passei a amar a bomba.” de 1964.
Nos anos 60 duas grandes nações estavam encharcadas por um lodo grosso e grudento chamado Guerra Fria, que colocou todo o mundo em estado de alerta. Bombas estavam apontadas para todos os lados possíveis e a qualquer minuto o mundo poderia simplesmente deixar de existir, afinal de contas a tecnologia da época era capaz de pôr fim a humanidade como a conhecemos, e as pessoas dos Estados Unidos da América estavam no centro de toda essa eminencia que necessitava de muito jogo de cintura de todos que eram responsáveis por esses setores.
Kubrick era um dos milhões de habitantes do mundo que, também assustado com a possibilidade de tal guerra, sempre dissertava sobre o tema, tanto que resolveu adaptar um livro chamado Red Alert, sobre um general perturbado que lidera um ataque não autorizado pelo presidente e põe em risco a vida de milhares. O assunto era sério e perturbador, e Stanley se propôs a fazer um filme com o mesmo clima, mas durante o processo de escrita do roteiro, viu que tudo aquilo que ele estava apurando e pesquisando não passava de uma completa loucura: “Stanley decidiu que faria de Red Alert um filme de humor negro, com Terry Southern no roteiro. Uma loucura. Achei que ele colocaria fim a sua carreira e decidi não produzir o filme.” Com a saída de Harris, Stanley abre sua própria produtora, a Hawk Films e parte para a produção do longa com 1.8 milhão de dólares e um elenco de grandes ícones da comédia: George C. Scott e Peter Sellers – representando 3 personagens no longa.
Com uma direção extremamente corajosa, um designer de produção primoroso, atuações incríveis, um roteiro forte e diálogos hilários, Dr. Strangelove causou frisson no público, que mesmo se identificando com aquela visão apocalíptica de futuro, conseguiam rir de toda a situação. “Mesmo os garotos mais conservadores, ou não entendedores de cinema, amaram o filme, e assistiram inúmeras vezes pois era incrivelmente engraçado.” – lembra Scorsese que admitiu: “Eu sai do cinema assustado e me sentindo culpado, pois estava rindo de algo que poderia ser muito trágico e não tinha um final animoso. Até hoje penso naquele final e o uso como inspiração para os meus.”
Rendendo quase 10 milhões nas bilheterias, Kubrick era quente outra vez e novamente não decepcionava.
Levando vários prêmios em todo o mundo e sendo indicado a inúmeros outros, Dr. Strangelove se tornou clássico absoluto imediatamente, apesar de dar o título de controverso e perversamente subversivo a Stanley Kubrick.
“Naquela época percebi que Stanley era único. Ou seja... claro, há diretores maravilhosos ao redor do mundo, mas, depois de Lolita e Dr. Strangelove, vi que tínhamos de esperar por um filme de Kubrick e sabíamos que quando fôssemos vê-lo, seria algo muito especial. Pra ser verdadeiro, esperávamos muito dele e “2001” não decepcionou. Nem um pouco. ” – revela Scorsese.
Em 1963, Kubrick tinha uma reputação tão alta no meio, que poderia escolher seu próximo projeto sem se curvar a hollywood. Sendo um diretor de filmes com sucesso de público e de crítica, Kubrick conquistara um grau assombroso de independência criativa. Stanley então se debruçou sobre um projeto que o consagraria como um dos maiores diretores de todos os tempos: Com 2001 – A Space Odyssey, o garoto baterista de jazz e enxadrista do Bronx escreveu um novo capítulo da história do cinema.
No início dos anos 60 começava a era da exploração espacial, quando Russos e Americanos puseram homens em órbita. A exploração do desconhecido tomou conta do imaginário popular da época. Stanley Kubrick capturou essa essência e junto ao autor de ficção cientifica Arthur C. Clarke, resolveu colocar o público em uma experiência sensorial e espiritual, algo que transmitisse um pouco do que é a imensidão espacial e o terror que a mesma pode proporcionar.
2001 trata um pouco da evolução humana, um pouco do contato e do choque de se saber que não somos os únicos nessa imensidão galáctica e de como o ser trata/interage com suas criações, sejam elas robôs ou outros seres humanos. Como será o homem daqui a 30 anos? Para melhor instigar isso, Kubrick nos leva para uma época onde nem tudo era tão rápido como é hoje. Nos anos 60, o “Homem” ainda lutava pelas coisas mais básicas. Como ele vive? Como ele interage com o horror de saber que existe algo talvez “superior” a ele no universo? Como ele usa seu meio e sua violência para sobreviver? A necessidade faz o homem, e vemos um simples osso, que se torna ferramenta por conta da necessidade, se tornar uma nave, que também é criada através da necessidade, desta vez de saber mais sobre o desconhecido.
As ferramentas evoluem tanto que é possível criar inteligência artificial, que é tão perfeita, que é passível de erros. A aurora dos novos tempos assusta o humano que está estagnado e cético. Quando se abre os olhos a algo que nunca se imaginou, renascemos.
Kubrick nos guia por diversos fragmentos de história, que ao serem conectados, não se encaixam muito bem, e esse não encaixar bem cria um certo suspense, um certo frescor a obra, que até hoje, permanece intacta.
Kubrick também disserta sobre os gêneros nesse longa que não é um documentário, não é um drama, não é necessariamente uma ficção cientifica e nem um terror psicológico, mas valsa entre os mesmos.
Tecnicamente falando, 2001 é impecável. Imagine que naquele período -1965 – não existia tantos artifícios físicos para a criação de efeitos especiais em tal proporção, e nem tampouco existia certeza de como – por exemplo- se parecia a Terra vista do espaço. Bilhões e bilhões de conceitos e técnicas tiveram de ser levantados do chão, tornando o trabalho de produção do filme uma enorme batalha que envolvia milhares de pessoas e milhões de dólares, especificamente 11 milhões – dinheiro demais pra época e dinheiro demais para Kubrick, que já fazia milagres com 2, ou 3 milhões.
Fechados em um gigante estúdio, Kubrick supervisionava a criação de cada milímetro do filme, de cenários a naves, de roupas a acessórios espaciais. Para tudo, Stanley tinha uma visão específica, algo extremamente detalhado. “Ele sabia até o quanto de sujeira e desgaste que cada nave deveria ter. Era assustador” – lembra Ian Harlan, seu cunhado e mais tarde produtor executivo de seus filmes.
O controle de Kubrick era enorme e ele gerenciava tudo com mão de ferro, o que o permitiu se debruçar sobre um projeto de 4 anos, sem interferência da MGM, que financiava parte do longa.
Em 2 de abril de 1968, 2001 era exibido pela primeira vez para o público, e como todo filme de Stanley Kubrick, dividiu opiniões.
“A pré-estreia de “2001” foi realmente assustadora, pois todos os executivos estavam lá, muitos deles velhos e eles não entenderam o filme, e saíram aos montes na metade da projeção e nós ficamos em pânico. Depois houve uma reunião enormemente catastrófica no nosso quarto no hotel em que Stanley ficou tão furioso que perdeu a voz. Nós ficamos “brigando” com executivos e donos de cinemas a noite toda e na manhã seguinte fui pra casa e eu deitei na cama, ainda com a bolsa na mão e desmaiei de sono, pois não havia dormido a noite inteira. Algumas horas depois acordei com a voz de um radialista falando que os cinemas estavam lotados, que as filas davam voltas e que 2001 era fantástico e o maior fenômeno que se tinha notícia até então. Corri para o telefone para tentar falar com Kubrick, que tinha ficado em Nova York para brigar pelo filme, porque era um sucesso e só os caretas e velhos executivos haviam odiado, pois não estavam preparados para vê-lo”. Diz Cristiane Kubrick, sua esposa.
“Gosto de citar os executivos da MGM, pois o que eles fararam foi inconcebível: “Bem. Achamos que esse é o fim de Stanley Kubrick”. Eles estavam tremendamente errados, ou mais, estavam certos. Stanley Kubrick a partir daquele momento seria para sempre reconhecido como lenda e não como um cineasta.” – lembra Arthur C. Clarke.
2001 faturou 190 milhões nas bilheterias, foi indicado a inúmeros prêmios e ganhou o Oscar de Melhores Efeitos Especiais para Kubrick, seu único prêmio pela Academia. O filme ainda ganhou o prêmio do Escritório Nacional Católico de Filmes pela maravilhosa visão imaginativa da criação divina. A mesma igreja que condenara Kubrick por aterrorizar as famílias católicas americanas com Lolita, agora se encantava.
Durante a produção de 2001, Kubrick mostrou o quão obcecado poderia ser por seu trabalho e quão perfeccionista poderia ser. Ele sabia que esperavam muito dele, e não queria decepcionar. Toma forma aqui o homem que não se barbeava mais durante o processo de seus filmes e mal dormia, pois sua mente trabalhava tão rapidamente e tão avidamente que as vezes mal conseguia acompanhar seu próprio intelecto.
Excelente artigo, Luan !!!
Excelente!! Parabéns!
Parabéns Luan Cardoso! Muito Bom!