“Não fugindo da regra, Tarantino nos presenteia com um excelente Western.”
Antes de embarcarmos em ‘Django Livre’, gostaria de salientar alguns fatores importantes que tornaram essa nova investida de Quentin Tarantino, uma das mais aguardadas nos últimos anos. Como vocês devem saber, o cineasta marcou seu nome na história da sétima arte por universalizar e recriar brilhantemente a linguagem narrativa cinematográfica contada de forma não-linear. Introduzindo vários personagens e os desenvolvendo eficientemente. Tal estilo necessita indiscutivelmente de um bom montador.
Nesse contexto, Tarantino tinha sempre ao seu lado, desde o ótimo ‘Cães de Aluguel’, a excelente cinematografa Sally Menke. Porém, em setembro de 2010, Sally veio a falecer. Logo, uma dúvida surgiu na cabeça dos fãs: Seria Menke a peça fundamental no modo de criação do diretor? Temos ciência que ele mesmo escreve, decupa e dirige seus filmes, mas certamente a curiosidade de vê-lo sem a companhia de sua parceira era cogente. E, também por, finalmente, conferirmos o seu tão esperado Western - estilo que permeou toda sua filmografia, mas que nunca foi literalmente empregado em um dos seus longas-metragens.
Três anos depois do extraordinário ‘Bastardos Inglórios’, Tarantino está de volta com um dos títulos mais prolixos de sua carreira. Obviamente, utilizando a mesma forma e estilo dos seus trabalhos anteriores, ‘Django Livre’ tem um humor excêntrico, é polêmico, romântico, possui referências precisas e um roteiro bastante ramificado. Sim, diria que essa é a grande história de amor orquestrada aos seus moldes. Contendo uma estética fílmica semelhante à de seu assumido mestre Sergio Leone. Até mesmo em ângulos, closes e travelings intencionalmente copiados, transpostos e adotados ao seu formato peculiar. Ou mesmo na fotografia do sempre excelente Robert Richardson (O Aviador) que, com graus estourados e sendo ela intensa na luz solar, nos faz lembrar imediatamente de clássicos do gênero.
E, claro, é uma assumida homenagem ao Western Cult ‘Django’ de Sergio Corbucci, lançado em 1966. Onde o ator Franco Nero – que faz aqui uma pequena participação - vivia o forasteiro Django, um sujeito que resgata uma jovem garota que iria ser assassinada e vai em busca de vingança pelo homicídio de sua mulher. Algo, de certo modo, parecido com o atual conto. Já que a estória traz um escravo, cujo seu nome também é Django (Jamie Foxx), que devido a seu violento passado, com relação aos seus antigos donos, o leva de encontro ao caçador de recompensas alemão Dr. King Schultz (Christoph Waltz).
O Dr. Schultz está à procura dos irmãos assassinos Brittle, e somente Django pode levá-lo a eles. O alemão então compra o escravo e lhe promete liberdade caso o ajude. Porém, ele torna-se algo além disso, e vira seu parceiro na captura de vários bandidos. Aprendendo a utilizar armas como ninguém e se portar distintamente entre a sociedade. Tendo como objetivo encontrar e resgatar a escrava Broomhilda (Kerry Washington), sua esposa, que ele não vê há muitos anos. Django descobre que ela agora é posse de Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), o dono de "Candyland", terra famosa pelo treinador Ace Woody, que treina escravos para lutas por pura diversão do seu senhor. O local é na verdade comandado pelo velho escravo de confiança de Candie, chamado Stephen (Samuel L. Jackson). Um vassalo que age sem dó nem piedade com os irmãos de sua raça.
Como puderam perceber, o filme conta com um elenco recheado de estrelas e figurinhas carimbadas, que já estiveram em outros trabalhos do diretor. Quando Quentin Tarantino escrevia sobre Django, pensava em Will Smith para viver o seu herói. O ator acabou não aceitando o papel e Jamie Foxx assumiu bem o posto de frontman. Realizando uma atuação que, antes de tudo, tenta não se comprometer e fazer apenas o designado. Diferente de Leonardo DiCaprio que é complemente overacting com seu Calvin Candie. Soando muitas vezes forçado. Já Samuel L. Jackson, mesmo realizando um papel extremamente caricato, está engraçadíssimo em cena e convence bem como Stephen. Mas o grande destaque da fita é novamente o fabuloso Christoph Waltz, sendo impagável. Quando em tela, domina completamente. O personagem do Dr. King Schultz é espetacular, tão de fácil identificação, quanto o Coronel Hans Landa – personagem de Waltz no, já citado, ‘Bastardos Inglórios’.
Voltando a questão da narrativa e montagem, felizmente não senti tanta falta da Sally Menke. Digo felizmente por saber que ela deixou bem seu legado e Tarantino captou sua essência. Engendrando, como sempre, uma narrativa dessemelhante e muito eficiente. Que através de diálogos perspicazes, constrói uma trama envolvente, que é pungente na violência humana e imprime até conceitos críticos, enxergados de maneira ridícula, sobre a época.
Quem assina a montagem é Fred Raskin, que já tinha sido editor assistente da Sally em ‘Kill Bill’ e participado de grandes obras como ‘Boogie Nights - Prazer Sem Limites’ e ‘Embriagado de amor’, também como segundo montador. Que não faz feio, construindo e levando o espectador até a próxima cena, através de interessantes raccords e colagens inteligentes. Contudo, talvez a película pudesse ter sido mais enxuta, poderiam ter cortado algumas cenas que soaram expositivas, já que 165 minutos é muito tempo para algo que quer parecer tão cool.
O que falar então da trilha sonora que como sempre Tarantino escolhe direto do seu Jukebox, músicas que serão fundamentais dentro da narrativa dos seus filmes. Não sendo aqui diferente. Inserindo o Hip Hop e o rei do Soul, James Brown, no velho oeste, criando uma válida rima sobre o gosto musical dos negros americanos. Um dos pontos altos e emocionantes é a bela canção Ancora Qui de Elisa Toffoli. Composições de Luis Bacalov e Ennio Morricone casam sublimemente com a proposta fílmica. Parecendo até serem feitas sob encomenda para tal. Os sons diegéticos são também de vital importância para criar o suspense desejado.
E, é seguindo esse ritmo e pegando um pouco de tudo que foi visto no estilo, que Quentin Tarantino nos presenteia com mais uma obra excepcional e mantem sua filmografia de configuração irretocável. Surpreendendo a cada título e utilizando sempre a mesma fórmula. Algo dificílimo diante de nossa visão, mas que perante a competência do cineasta, parece ser o segredo do seu sucesso. Dessa vez sem a Sally, provando quem de fato é o gênio por trás de tudo isso.
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