Amityville An Origin Story é uma série em formato de documentário que descortina as diferenças entre o que é realidade e o que é ficção sobre a tragédia que acometeu a casa da Rua Ocean, no subúrbio de Amtityville - Long Island, imortalizada no filme e no livro Horror em Amityville.
Produção original do streaming MGM+, tem quatro capítulos, todos dirigidos pelo mesmo realizador, Jack Roccebono.
A obra tem a missão de trazer relatos das testemunhas e investigadores que estiveram envolvidos nos dois casos de violência que ocorreram na cidade que dá título ao filme, livro e franquia, falando com gente que conhecia Ronnie DeFeo Jr., o homem que matou sua família em 1974, além de detalhar todos os casos de abuso da segunda família que viveu ali, comandada por George Lutz.
Aos poucos são expostas mentiras, anedotas, falácias e versões conflitantes sobre o primeiro e o segundo caso. São levantados também temas espinhosos como abusos familiares, envolvimento com o crime e até incesto são apresentados, finalmente falados de maneira mais direta, inclusive com relatos de pessoas que viveram parte daquela história, ao menos entre os que ainda estão vivos.
A ideia da produção da Inventend by girls production e da B17 Entertainment é descortinar os segredos por trás do produto cultural, mostrando as faces reais de quem viveu o furacão emocional que foram os anos 1970 na residência famosa de Long Island.
Alguns dos entrevistados já foram mostrados em outros registros documentais e de making off, outros falam pela primeira vez. Há relatos inéditos de pessoas próximas das duas famílias, entre elas, Tommy Maher, um amigo motociclista de George Lutz, que viajava com o mesmo sempre, além de Carol Soviero, amiga do casal que até teve uma contraparte no filme clássico Terror em Amityville e Carol Beamer, uma amiga da vítima fatal Dawn DeFeo.
Entre as figuras que já deram depoimentos antes estão a comunicóloga Laura Didio, apresentadora de um programa que explorava o tema de fantasmas e que produziu My Amityville Horror de 2012, Paula Uruburu, amiga de Dawn DeFeo, que já apareceu em Very Scary People, Joe Vetter, amigo de Ronnie esteve em Shock Docs, o jornalista Joel Martin que esteve em The Real Amityville Horror de 2005, no especial em 3 partes Shattered Hopes: The True Story of the Amityville Murders que se iniciou em 2011, no já citado My Amityville Horror, em High Hopes: The Amityville Horror Murders de 2014 etc. Michael Race também é figurinha carimbada, esteve na maioria desses especiais citados.
No entanto, a figura principal do seriado dividido em quatro partes é sem dúvida nenhuma Christopher Quaratino, o segundo filho de Kathy, que foi adotado por George e recebeu o nome pelo qual sempre foi conhecido, Chris Lutz.
Há imagens de arquivo exclusivas, outras recém-descobertas, com fotografias originais que foram utilizadas para "provar" que houve uma interferência sobrenatural na casa, há também uma série de argumentos que desmente boa parte dos argumentos utilizados nos filmes e no livro que Jay Anson escreveu.
Como era de se esperar, a mitologia em torno dos casos documentados não é só revisitada, mas também bastante desconstruída.
O seriado conta com produção executiva de Blaine Duncan, Brooklyn Hudson, Amanda Raymond, Rhett Bachner, Brien Meagher, Jill Burkhart, além de Lesley Chilcott produtora de Uma Verdade Inconveniente, e Michael Wright, produtor executivo do sucesso recente Origem, ou From no original.
Jack Riccobono também é produtor executivo, é mais conhecido por ter dirigido o curta Killer, The Seventh Fire e por ter escrito Afterward.
A equipe técnica é boa, com destaque especial para o compositor Paul Haslinger, profissional experiente, que vem de filmes populares como Anjos da Noite, Turistas, Adrenalina, Corrida Mortal, A Perfeição, Monster Hunter e também da série Fear The Walking Dead.
Os capítulos começam sempre com uma citação, e o piloto cita o filósofo Jean Paul Sartre: O Inferno são os outros, em atenção ao fato de que essa é uma história de vários lados, onde todos se julgam o detentor da realidade, o paladino da palavra verdadeira.
O capítulo viaja até Long Island, com uma tomada aérea feita por drone, que demonstra Amityville como um lugar comum, bucólico, tal qual outros tantos lugarejos pelo mundo.
O formato imita o estilo de um docudrama (termo que designa a mistura entre documentário e drama ficcional) mostra imagens reais, mistura com trilha incidental sensacionalista e gravações de 1976, varia entre cenas do filme original, conversas em talk show que envolvem George e Kathlen 'Kat' Lutz, o casal real em que se baseou a história dos filmes mais famosos.
Há também um breve trecho, que aborda a visita do casal famoso Ed e Lorraine Warren, em fitas datadas de 1976.
Dentro dessas imagens de arquivo, o que mais chama a atenção é o prefeito dizendo que não passará o filme na cidade, graças a má fama que o mesmo trouxe a localidade.
É sabido que até mesmo a família que morou no lugar depois, os Cromarty, se viram obrigados a vender a residência, mesmo não tendo relatado nada de anormal, espiritual, sobrenatural ou fantasmagórico.
As falas mais reveladoras são as de Christopher Quaratino. Ele começa descrevendo que sua mãe tinha origem irlandesa e que se separou do seu pai biológico quando o menino era novo, com apenas cinco anos de idade.
Cita que a diferença cultural entre os progenitores- o pai biológico tinha ascendência italiana - como motivo principal para o divorcio, mas não se aprofunda demasiadamente sobre essa separação. Depois se fala que talvez houvesse violência física. Ele era o segundo de três filhos, antes dele havia Danny e depois, a caçula Melissa ou Missy.
Para sustentar a família, Kathy trabalhava como garçonete. George a conheceu assim, flertava com ela enquanto a mesma estava de serviço e viu uma oportunidade de dar uma carona para a mesma, quando o carro dela quebrou na estrada. Kathleen então subiu na Harley Davidson do homem e eles engataram um romance a partir daí.
A aproximação dele com o trio de crianças foi amistosa e rapidamente eles se juntaram, casando rapidamente. George tomou a iniciativa de adotar legalmente Danny, Chris e Missy. Claramente tinha uma ideia rígida de controle, que incluía não só a esposa, mas também os filhos do primeiro casamento dela.
Para abrigar uma família grande, era preciso um lugar amplo, com espaço. Em áudios mostrados no documentário, Lutz se vangloria da barganha que fez, comprando a antiga casa dos DeFeo por 80 mil, muito abaixo do preço de mercado, abaixo até da estimativa da imobiliária.
A casa tinha 1219 metros quadrados, piscina aquecida, subsolo, ancoradouro, garagem. O inconveniente claro eram os buracos de bala que tinham em seu interior.
Nesse trecho também é levantado o argumento de que George levava bastante a sério o hobby de motociclista. Joe Vetter, um amigo seu fala bastante dos moto-clubes que ambos frequentavam.
Nesse trecho, Christopher deixa pela primeira transparecer uma certa admiração por seu padrasto, já que ele via no triciclo dele uma associação com o velocípede infantil que tinha. Havia ali uma ligação óbvia infantil, que era superestimada claro pela mentalidade boba do menino.
Ele parece se empolgar ao falar da experiência, até tem certa ternura ao falar dessa época. Nessa mesma empolgação ele fala dos papéis de parede da casa, coloridos, com desenhos estranhos embaixo. A descrição dele dá conta de que boa parte da decoração antiga permaneceu na casa.
Fala-se também das crenças em meditação transcendental que George aderia. Ele gostava de Mahatishi Mahesh Yogis, guru religioso famoso entre os hippies, tão conhecido que teve até interações com os Beatles, estampando capas de revistas como a Time e a Mad.
Também é dito que George foi um veterano da Guerra do Vietnã, entrevistam Erik Davis, estudioso e autor de livros sobre ex-combatentes, que associa o comportamento de moto clubes com os de pelotões do exército. Ambos eram grupos dos quais George fazia ou fez parte.
Tudo isso é explanado de maneira sucinta, mas não de maneira rasa. Há várias citações, como o interesse de Lutz por ocultismo, é dito que ele lia os livros de Raymond Buckland, ou seja, é dado que ele sempre gostou de assuntos de fé e credulidade.
O episódio passa rapidamente por relatos da filha mais nova, que diz ter sonhado com porcos estranhos, passa por imagens do padre Raymond "Ray" Pecoraro no filme de 79, que foi uma vez a casa e se recusou a voltar e cita outros episódios estranhos que estiveram nos filmes.
Não há nada muito elucidativo, mas a música grave de Haslinger ajuda a manipular o público, de modo que o insere nos argumentos de que algo de errado ocorreu ali, mesmo que esses pareçam rasos.
Uma entrevista que acrescenta mesmo é a de Tommy Maher, amigo de Ronnie DeFeor Jr, que conversa no final desse capítulo e no início do outro. Ele diz que não queria se envolver na investigação, mas fala da última noite que viu Ronnie, em 13 de novembro de 74.
Se o primeiro capítulo foi bastante complacente com o relato dos Lutz, o segundo começa citando Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo e do livro onde se baseou o polêmico Os Demônios, que desmente uma história de possessão na França do século XIX. A frase é O pecado mais profundo da mente humana é acreditar nas coisas sem evidências.
Ele começa com Maher comentando a chegada dos DeFeo, vindo do Brooklyn, nos anos 1960. Há um trabalho legal de pesquisa, colocando imagens de arquivos de 1965, para ilustrar o momento da cidade. Também aparecem fotos da famosa placa High Hopes, na frente da casa.
Amityville é uma cidade velha, que cresceu em paralelo com Nova York e Long Island. Houve problemas com contrabando, é dito até que Al Capone morou lá. Mas acabou se tornando um lugar suburbano, virou parte do estilo de vida americano, servindo de reduto para muitas pessoas que trabalhavam na Big Apple, especialmente depois da 2° guerra mundial.
Aqui se dedica um bom tempo ao crime de DeFeo em 1974. Seis pessoas foram mortas, sem qualquer reação, fuga ou tentativa da parte das vítimas, nem após os primeiros disparos. Há boas conversas, com Joel Martin, repórter da época e atual dono de rádios locais.
Também falam com Gloria Cangitano, uma vizinha da família, com Ellen Stark, a filha do juiz do caso, Thomas Stark e claro, com Carol Beamer, amiga de Dawn, que descreve a família bem, cita as irmãs Dawn e Allison, os meninos Marc e John Matthew, a mãe Louise, além de Ronald, o pai.
A dúvida levantada pelo episódio é sobre qual foi o motivo para Ronnie Jr. fazer o que fez e como ele conseguiu convencer seus parentes a não reagir, já que os disparos foram feitos de perto, possivelmente por alguém que os parentes não estranhariam.
É dado que Ronnie mudou seu depoimento várias vezes, mas essas condições citadas, ajudaram a incriminar ele, mesmo que haja um agravante ignorado pelo tribunal.
O dia das mortes foi estranho. O delegado disse que nunca viu algo como aquilo, pessoas em andares diferentes, não apresentando qualquer resistência, sem acordar, fugir ou algo que o valha.
A família era comum, Ronnie Sr era um homem super protetor, mas não se sabe de nenhuma conduta suspeita sua. Não é dado que ele foi abusivo ou agressivo com ninguém da família.
Michael Race, filho do detetive e investigador particular do caso Herman Gace Race, afirma que seria impossível uma pessoa só fazer toda a rotina empregada naquela noite, ainda mais graças a ao fato da casa ter dois andares, com corpos espalhados em ambos os pavimentos.
O detetive - e consequentemente seu filho também - acreditava que havia no mínimo outra pessoa acalmando as vítimas. Ela poderia ser morta depois, vai saber. Para o tribunal, pouco importava o caso já estava decidido na prisão preventiva de Ronnie Jr.
Herman havia sido contratado pelo pai de Louise, Michael Brigante. O avô de Ronnie suspeitava - como muitas pessoas de Amityville - que Ronald Sênior pudesse ter envolvimento com criminosos mafiosos.
Há fitas de Race que são explanadas aqui e Michael Race lamenta que as conclusões de seu pai não foram levadas ao tribunal, já que o julgamento já partia do princípio de confissão de Ronnie Jr.
As deduções e o trabalho investigativo dele sequer esteve em voga no tribunal e para Race, havia no mínimo mais uma pessoa na casa casa, pelo menos para recolher as cápsulas da bala.
O rifle usado fazia muito barulho, seria preciso total cooperação das vítimas, elas teriam que voltar a dormir imediatamente quando o assassino pedisse. Parece implausível que só um tenha feito tudo aquilo, sem falar que na arma cabiam apenas seis balas e foram seis mortos, o assassino teria que ser um exímio atirador, acertando absolutamente todos os tiros.
Dawn confidenciava a sua amiga Carol Beamer que o que o irmão mais velho tinha problemas com álcool e drogas. De fato, ele tinha questões sérias, o próprio assume nas imagens de arquivo.
Vale lembrar que ele morreu em 2021, de modo que não deu entrevista para a MGM+. Todas as suas falas são retiradas de entrevistas antigas.
Na cadeia Ronnie assume que era viciado em heroína, disse também que sofria apagões e muitas vezes eram terceiros que avisavam ele dos momentos de desmaio. Boa parte desses episódios desacordados ocorriam a revelia de sua percepção tardia.
Já cumprindo a pena ele diz que jamais levantou a mão para seus pais, mas confessou a polícia na época que odiava os parentes.
Ele teria falado a verdade? Poderia ter sido manipulado ou obrigado pelos policiais? São possibilidades abertas aqui. O documentário já vale só por essa gama de situações levantadas.
No julgamento, no outono de 75, uma das motivações apontadas como possível gatilho foi o fato dele ter visto A Defesa do Castelo, um filme de Sidney Pollack, lançado em 1969. A obra é uma comédia dramática de guerra que combina surrealismo com realismo trágico.
A edição de Andrew Ford foi bastante esperta, já que escolhe uma cena surrealista em que mulheres se mexem em um quadro, deixando o personagem que toca piano confuso. Isso acaba evocando o imaginário não normativo do cinema para esse documentário, nada mais justo que ao falar de estados alterados da mente, hajam cenas irreais em tela.
O argumento do psiquiatra contratado pela defesa, o doutor Daniel Schwartz, miravam um quadro de psicose paranoica, desencadeada por este filme. Já o psiquiatra que falou no tribunal, dr Harold Zolan disse que DeFeo tinha uma personalidade antissocial.
Independente de qual era o quadro de Ronnie, ele afirma, com todas as letras, que a questão da casa mal assombrada de algo nonsense e mentiroso.
O capítulo três começa com uma citação de Mark Twain, Você não precisa se lembrar de nada, que remete a memórias esquecidas dos personagens centrais das famílias Lutz e DeFeo.
Muitos videntes e pessoas que supostamente tem contato com o sobrenatural visitam a casa. Frases pesadas são proferidos, de que o lugar era "puro mal", também se falava que a casa escolhia suas vítimas. A vidente Mary Pascarella diz que teve a impressão de ter visto uma jovem alma vagando por ali.
O documentário possui boas imagens, consegue de forma simples capturar a sensação de morar em um cenário bucólico, tranquilo e suburbano como é ali em Long Island, passando sua câmera pelas estradas e pelas ruas repletas de árvores.
Também se fala que William Weber, o advogado de Ronnie DeFeo, estava escrevendo um livro sobre o caso de 1974. Partiu dele a ideia de reunir a história de quase tragédia dos Lutz a o que ocorreu com Ronnie.
Sua ideia era inserir em um romance elementos de satanismo, como havia sido sucesso em O Bebê de Rosemary, A Profecia e principalmente O Exorcista, mas também quis juntar a temática da máfia, usando o boato de que Ronald Sênior era da Cosa Nostra. Reuniria assim clichês de O Poderoso Chefão e O Exorcista, dois sucessos estrondosos de bilheteria, ambos baseados em livros.
É mostrado um rascunho de uma capa, com autoria dele, de Neal Hirschfeld - autor de thrillers jurídicos e livros sobre crimes reais - e de Herman H. Race, o detetive particular, que Brigante contratou. Também há algumas gravações de áudio, onde George diz que foi levados a conversar com o jurista, que desejava que incluíssem o surto de Ronnie junto.
Essa questão até hoje é bem discutida. Em entrevistas de arquivo, Weber afirma que tudo o que rolou no livro de Anson era pura ficção. Christopher assume que os pais exageraram em diversas partes do relato.
Da parte dele, há sempre a fala de que algo espiritual de fato ocorreu, mas ele poderia ser ludibriado por uma lembrança infantil e por uma memória de uma época em que sua família era unida.
O número grande de inserções de áudio se explica pelo fato de que os Lutz gravaram seus depoimentos em fitas cassete, para não precisa repetir tudo de novo. Foram 26 fitas no total.
Entre os "estudiosos" paranormais, haviam Hans Holzer, autor de livros como de A Verdade Sobre Reencarnação, O Lado Psíquico dos Sonhos e Janelas Sobre o Passado. O casal Ed e Lorraine Warren também acompanhou a família, inclusive tiveram uma relação estreita com Christopher.
Já Jay Anson apareceu na história graças ao conluio feito com Weber. Os Lutz estavam endividados e resolveram embarcar na história, teriam então exagerado sinais de assombração na casa, para incrementar horror a sua história pessoal, mas ao final do processo, Weber não tinha mais participação, nem como assessor, idealizador e nem autor.
Quando o livro foi lançado o sucesso foi instantâneo, tanto que Anson se incumbiu de vender os direitos para o cinema, fato que gerou outro sucesso rápido.
Christopher diz que tentou ver o longa de 1979, mas não aguentou, não só por ser muito novo - tinha dez anos apenas - mas também por conta dos traumas revividos ao verificar a história na grande tela.
Sua principal reclamação no entanto é que as pessoas confundiam a ficção com a realidade, achavam que entendiam as complexidades da família do rapaz, quando só viram uma versão adaptada para o cinema.
Depois ele teve que conviver com o fato das pessoas acharem que sua vida era como o filme abordava.
O último capítulo cita Voltaire, Todo homem é culpado de todo bem que não fez. Começa falando de uma suposta sala vermelha, na parte de baixo da casa. Esse é um clichê de terror tão batido que certamente inspirou a Porta Vermelha da saga Sobrenatural de James Wan.
Se entrevista pessoas do cotidiano dos DeFeo, em especial Daniel Genis, colega de cela de Ronnie, Patty Camarato, amiga de Dawn, da época dos assassinatos.
Também recolhe depoimentos mais uma vez de Tommy Maher dizem que pode ou não ter tido uma conexão sobrenatural com os dois casos, Maher inclusive afirma que havia uma parede de concreto, pintada de vermelho, mas não um cômodo inteiro.
O próprio casal aparece em imagens de arquivo, comentando as acusações. George tenta tirar o corpo fora, dizendo que não escreveu o livro, já Kathy fala em tom solene, que tem participação nos lucros. Calmamente nega que expôs sua família de maneira deliberada, mas fala tão lentamente que parece estar dopada na ocasião.
Há quem defenda que ela era manipulada pelo marido, fato que é corroborado por laudos encontrados sobre o primeiro casamente de George.
Fato é que a família ganhou pouco nessa história. Os direitos de imagem das crianças foi de 275 dólares cada uma. Segundo Christopher, Anson recebeu mais de 16 milhões de dólares, enquanto seus pais receberam 400 mil, aproximadamente.
Aqui há um escracho total sobre a figura de George. Seu enteado desconstrói a ideia de família feliz e unida, diz que o padrasto tentou ser um herói, mas que jamais atingiu esse status, já que era um perpetrador, um agressor.
Aos poucos ele explana a sua linha narrativa particular, diz que encontrou o armário onde Ronnie escondia as drogas, em um painel atrás do quarto que acabou sendo o seu. Anos depois da tragédia, Christopher abordou o assunto com George, que se surpreendeu, como se tivesse sido pego fazendo algo errado.
Christopher acha que George usava as cápsulas de Metaqualona e que isso explicaria o fato dele ficar parado na frente da lareira obcecado pelo fogo, assim como seria um bom pretexto para ter deixado de cuidar da própria aparência.
George começou a confeccionar um segundo livro, junto ao escritor John G. Jones. Sua ideia era fazer uma não ficção e o autor/ghostwriter conversaria com todos os envolvidos. No final, Jones assinou não só esse The Amityville Horror Part II como Amityville: The Final Chapter e Amityville: The Evil Escape.
Carol Soviero se mudou para San Diego, para ajudar nessa empreitada, mas assim que descobriu que estava grávida, resolveu abandonar os Lutz, já que não queria passar para o bebê nenhum tipo de proximidade espiritual igual ao que ocorreu pós saída de Long Island.
Laura Didio, a repórter investigativa e apresentadora foi chamada também, já que Lutz acreditava que a entidade os perseguiu até a Califórnia. Até os Warren entraram nessa história, acompanhando a família para testar as habilidades psíquicas das crianças.
Esse capítulo é o que tem mais informações e discussões. Chega a ser um pouco bagunçado com a quantidade gigante de explanação, também por variar entre os escândalos das família DeFeo e Lutz. Com relação ao primeiro grupo familiar, há uma conversa com a atriz Diane Franklin, interprete de Patrícia Montelli, baseada em Amityville 2: A Possessão.
Essa foi uma produção em polêmica, pois adaptava a história dos DeFeo, mudando o nome deles para Montelli. Na trama principal há uma exploração de relação incestuosa entre irmãos.
A montagem do documentário é esperta, colocando essa fala da artista logo antes de Ronnie afirmar que jamais teria chances de liberdade, uma vez que o cinema alardeava que ele foi um assassino movido pelo Diabo. Segundo ele, as pessoas de júris de condicional olhavam para ele como se fosse o personagem do filme/livro.
Genis, que foi colega de cela dele entre 2004-07 afirma que não passavam os filmes na prisão de Green Haven, opinião essa jamais compartilhada por ele. Em seu relato, ele também afirma que DeFeo culpou sua irmã Dawn de matar todos da família. Ele teria cometido o homicídio em legítima defesa, segundo essa tese.
O documentário é esperto ao colocar Ellen Stark falando sobre isso logo depois de Genis. Ela relembra que Ronald Jr. deu várias versões para os assassinatos ao longo dos anos, e que isso foi um dos principais pontos do livro Horrific Homicides: A Judge Looks Back at the Amityville Horror Murders and Other Infamous Long Island Crimes escrito por seu pai, o juiz Thomas Stark.
Também se fala bastante com amigas e colegas de Dawn, que refutam a possibilidade dela ter cometido assassinatos, assim como também negam a possibilidade de relação incestuosa, levantada no infame Amityville 2 que Dino De Laurentiis financiou.
Aliás, o autor Jonathan Greenaway comenta como a história desse escapou das mãos dos Lutz, e em como as invenções do roteiro se confundiram com a versão real de um crime do qual George, Kathy e Christopher não tiveram nada a ver, nem como escritores ou como produtores.
Toda a exploração do tema também atormentou a família Lutz. Brolin deu entrevistas dizendo que as crianças pareciam treinadas a falar o que o padrasto queria, quando conversaram com o elenco.
O que não se sabia é que George batia nelas constantemente. Ele era faixa preta em jiu jitsu, e passou a atormentar Christopher, quando começou a crer que ele possuía habilidades mediúnicas.
George acreditava que Christopher tinha trazido o mal de Amityville para o novo lar deles, na Califórnia. Em outro ponto da vida, acreditava que ele havia plantado uma doença neural em sua cabeça
Ao falar sobre isso, o entrevistado até pede um tempo, se retira por um breve momento do cenário, que é cuidadosamente pensado para evocar a imagética da casa e do tal quarto vermelho. Parece forçado, meio teatral, mas é um bom artifício.
Sovieiro acha que, caso fosse verdade que Christopher era médium, talvez George o culpasse por trazer o mal a família até mesmo na época de Amityville.
É dito com todas as letras que ele via o segundo filho como um possesso, que tentava explodir a cabeça do seu pai postiço, através de demônios.
O segundo livro começou com uma ideia sobre o exorcismo a que George realmente se submeteu. Ele foi até a Inglaterra, conversou com um padre da Igreja Anglicana de São Salvador em South Hampstead, Londres. Recebeu uma benção de Christopher Neill Smith.
Em gravações George assume que aquilo pode ser encarado também como um exorcismo, mas para ele não importava. Na prática, a benção/exorcismo serviria como um efeito placebo, que daria alento e esperança para a família, tal qual é dito no seriado pelo estudioso da universidade de Santa Barbara, o phd William Chavez, que destaca esse efeito em rituais de exorcismo nas igrejas evangélicas e católicas. Esse argumento foi usado pelo padre Karras em O Exorcista.
Christopher tinha decidido mudar de nome, rumou para o anonimato, especialmente depois que sua mãe morreu, já divorciada de George.
Toda o fim de relação foi conturbado, ela não queria se separar, não queria ser mal falada, afinal, esse seria um segundo divorcio. Também se levanta a possibilidade dela ter receio do retorno do pai biológico dos três filhos, provavelmente por conta dele ser um homem violento, que batia nela.
Christopher então seguiu como pôde, esteve ao lado da mãe por um tempo, mas depois se isolou, mudou de nome, seguiu em frente.
O sujeito só retornou a falar sobre seu passado quando soube que George tentava fazer um filme em 2003, uma sequência onde um dos filhos de Lutz volta a casa 25 anos depois, para tentar matar o personagem de George Lutz por telepatia.
Christopher se irritou, porque isso se baseava em uma briga entre enteado e padrasto e foi para internet. Comprou o domínio theamityvillehorror.com e começou a expor a sua verdade.
O projeto de filme não saiu do papel, talvez pela exposição da tragédia familiar, talvez por conta de a história de Horror em Amityville ser possivelmente uma fraude, ou mais provavelmente graças a força dos estúdios, que financiaram até esse documentário em quatro partes. Ganharam dinheiro com ficção e também com esse estudo de caso.
No entanto não há qualquer reflexão de Christopher a respeito da MGM ou dos estúdios que fizeram os filmes. Ele ficou bem triste de fato com Ed e Lorraine Warren, que foram consultores criativos em Amityville 2, além de terem ganho muito dinheiro com o caso, embora não tivessem literatura própria sobre isso, ao contrário de Hans Holzer, Jones e Anson.
TK Young é neta da secretária do padre Ray ainda traz uma notícia bombástica no final. O sacerdote que visitou a casa em Amityville e corroborou que tinha algo errado na casa, foi o mesmo que anulou o primeiro casamento de George.
Há documentos escritos por um terapeuta, que declaram que ele "treinou" a antiga esposa, que não tinha direito a falar em casa. Ele batia nela e foi dito que na época desse casamento, ele sofria de um grave transtorno de personalidade, ou personalidade antissocial.
Os estudos psicológicos e psicoterapêuticos evoluíram bastante dos anos 1960-70 para cá, mas é curioso como foi dito no laudo que ele teve esse transtorno apenas nessa época. Coincide também com o diagnóstico de DeFeo.
George morreu do coração em 2006, pouco depois de ganhar o processo contra a MGM, por conta da refilmagem Horror em Amityville, com Ryan Reinolds.
Jamais fez o segundo filme que queria, mas Christopher, em uma de suas últimas falas, afirma que há 32 obras associados ao nome da cidade e ao caso de sua infância, possivelmente em uma conta conservadora, já que todo ano tentam surfar nessa onda.
O documentário acerta demais em mostrar toda uma gama de possibilidades sobre essa história, abarcando várias versões, mas aparentemente, faltou alguém para falar a favor de George Lutz, que obviamente não poderia falar por conta de estar morto.
No entanto, até Ronnie DeFeo (também falecido, em 2021) tem chance de se defender, já George não. Se há um vilão estabelecido nesse seriado, esse é o padrasto de Christopher.
Amityville An Origin Story entretém bastante, mas trata de especulações espirituais como se fossem fatos e isso causa no espectador menos crédulo uma sensação estranha, que derruba qualquer suspensão de descrença, fator que deveria ser primordial, ainda mais em uma história tão cheia de reviravoltas. Ainda assim vale a pena ser consumido, especialmente por dar voz a pessoas que foram ignoradas toda a vida, além de exibir um bom panorama sobre uma história que evidentemente é uma farsa.
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