Psicose de Robert Bloch, o livro que encantou Hitchcock

Psicose de Robert Bloch é um livro peculiar, marcante e curioso por abordar temas ligados ao terror e a instabilidades mentais. O romance é vanguardista ao tratar sobre crimes e problemas de ordem mental da maneira bastante humanizada. Adaptado para o cinema por Alfred Hitchcock, o romance foi ofuscado por sua versão cinematográfica, mas ainda assim vale bastante a leitura, por conta de algumas diferenças características entre obras, e por ter aprofundamentos dramáticos diferentes do longa de 1960.

A história começa apresentando Norman Bates, um homem simpático, que gasta seu tempo lendo sobre livros diversos, enquanto espera de hóspedes que quase nunca chegam em seu trabalho, o Bates Motel, local esse praticamente inabitado, já que uma grande estrada foi construída nos arredores, tornando a via onde fica o motel um lugar praticamente inabitado.

Já no começo se percebe uma mudança cabal em relação ao filme de 1960: o protagonista. Norman é descrito como caucasiano, de cabelos loiros e ralos, com um rosto largo e obeso, consideravelmente diferente do moreno alto e esguio que Anthony Perkins faz na versão mais famosa da história.

Bates tem 40 anos, é bastante retraído e um pouco tímido, apesar de ser bem prolixo quando conversa sobre algo que lhe interessa. Nas palavras que lhe cabem no começo, se percebe que ele provavelmente é virgem e também carrega uma dependência emocional bem intensa com sua mãe, Norma.

Mesmo sendo adulto, ele busca a aprovação da parente o tempo inteiro, de modo obsessivo até e toda sua vida e existência mira não só o serviço a ela, que é a dona do hotel, assim como a aceitação da mesma, já que até mesmo sua função profissional é resultante da ligação familiar, já que o Bates Motel é uma herança de seu clã.

Entre seus passatempos estão a leitura, incluindo ciências médicas e taxidermia. A casa onde os Bates moram é uma ode ao antigo, repleta de quinquilharias e lembranças da vida da matrona. O lugar é tão cheio de objetos que mal se dá espaço para transitar entre cômodos sem ter receio de quebrar algo por simplesmente esbarrar em algum enfeite ou objeto mais frágil.

É curioso como mesmo sem explicitar, Bloch expressa que Norma viveu muito e bem, enquanto Norman se tornou refém do lugar e da atenção dela, não se permitindo sair ou ter relações de amizade, que dirá românticas. Mesmo sem falar com todas as letras, se percebe que esse é um relacionamento baseado em culpa, onde um homem jovem se sacrifica motivado pelos sacrifícios de sua mãe que, mesmo na viuvez, cuidou dele a vida inteira.

A pergunta que fica em relação a ele é se essas atitudes vinham de fato do domínio de Norma, que sempre que é citada está ou mandando ou humilhando o filho, ou dele próprio, que por ser inseguro não se permite ter novas experiências.

A história descreve e reflete bem sobre os perigos da superproteção, além das referências óbvias a questões mentais.

Bloch não é muito sutil ao falar do Complexo de Édipo, inclusive o próprio Bates tem conhecimento a respeito do conceito filosófico e psicológico incestuoso, e obviamente, nega esse apelo. Diante disso, todos os personagens periféricos servem para ou tocar nas suas fragilidades sentimentais ligadas a essa insinuação, ou servem para confrontar o pensamento tímido de Norman, e isso inclui até mesmo Marion Crane.

O drama da moça é bastante detalhado aqui, Hitchcock e o roteirista Joseph Stefano decidiram mudar boa parte da motivação dela no roteiro do filme, deixando para o espectador preencher as lacunas a respeito do motivo dela ter roubado a quantia de 40 mil dólares de seu patrão.

No entanto, dentro do livro, Bloch insere referências a questões e problemas de ordem trabalhista, insinuações de abuso de poder e até referências a possibilidade de assédio moral e sexual.

É natural que em um filme, explicações relacionadas a um personagem periférico não sejam tão desenroladas e exploradas, mas o aprofundamento que Bloch faz no passado de Crane ajuda a aumentar a aura de suspense, além de aumentar a expectativa para que a ação retorne a rotina de Norman no Motel.

Há também uma quebra da ideia de que o mundo antigo era mais ingênuo e inocente, enquanto a realidade atual é cruel. Como Norman projeta uma visão de mundo meio infantil, ele acaba sendo pouco acostumado a qualquer confronto, e a verdade, por mais suavizada que pareça, soa torturante e incômoda nas conversas francas entre ele e Marion, mesmo que sejam breves.

Outra abordagem digna de nota é a caracterização do voyeurismo do personagem central. O livro foi publicado em 1959, e dada a época, é até esperado que haja uma demonização dessa condição, mas a mera abordagem do assunto já é algo notável.

Analisando hoje, todo o comportamento de Norman é o de um celibatário involuntário, um exemplar típico de um homem que culpa as mulheres por sua própria incompetência e impotência, e esse é outro aspecto ainda mais aprofundado em comparação com o filme.

Outras questões de conduta comum são discutidas, como o alcoolismo e negação do passado como um mecanismo de defesa. Alguns desses temas mais sentimentais e espinhosos sequer foram traduzidos para o filme de Hitchcock, especialmente os movimentos amorosos de Norma, além da possibilidade de existir ali uma relação incestuosa, abordada estranhamente na péssima sequência Psicose 4: A Revelação além de ser um dos motes principais do seriado derivado, de 2013, Bates Motel.

É válido destacar que Bloch escreve bem todas as essas questões. Mesmo esbarrando às vezes no sensacionalismo, há cuidado para que tudo faça sentido e não soe gratuito. Norman é complexo, e seu passado pavimentou sua condição de possível insanidade.

A versão que li era um pouco antiga, o termo escolhido pelos estudiosos para diagnosticar o protagonista era Transvestido Secreto, mas apesar disso Bloch não quis se aprofundar demais em questões de gênero. O epílogo dentro do hospital psiquiátrico traz a conclusão óbvia de múltiplas personalidades, que podem ou não ter sido desencadeadas pelo crime matricida dele, seguido da culpa e da simulação de suicídio de Norma.

Psicose não traz muita luz sobre quem está certo ou errado na história, é basicamente a jornada de um homem traumatizado, que alastra sua inquietude mental para quem tenta se aproximar dele, punindo eles com a morte. Sua mente é uma prisão, e ela se reflete no incomodo em sair do lugar, e mesmo mostrando um sujeito tão complexo, ele não é tratado como digno de pena. Não foi à toa que o mestre do suspense escolheu tal livro para adaptar, pois é assustador, tem bastante camadas e gera boas discussões.

Resenha: Psicose – Robert Bloch

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