Sob Suspeita: A história do mafioso bufão feito por Vin Diesel

Sob Suspeita é um filme de drama e comédia, temperado com elementos de filmes de tribunal. É uma história sobre gangsteres, cujo motivo mais forte são os jargões de thrillers jurídicos. Lançado em 2006, foi o último filme rodado pelo brilhante cineasta Sidney Lumet, sendo conhecido também por ser um dos poucos filmes dramáticos que Vin Diesel estrelou.

Além dos gêneros citados, há também uma exploração do tema máfia. Também é uma cinebiografia, que narra a história de Giacomo "Jackie" DiNorscio, um homem de “família”, um representante de uma organização ítalo-americana supostamente criminosa. Ele é reside em Nova Jersey e resolveu assumir a própria defesa em uma investigação a respeito de crimes mafiosos seus e do seu bando.

Foi escrito por Lumet, Robert J. McCrea e T.J. Mancini, profissional esse que é associado a Diesel em diversas obras - Instinto Assassino e Riddick 3. Tem com produtores Mancini, Rita Branch, Bob DeBrino, Robert Greenhut, Roger Zamudio e Bob Yari. Teve como estúdios fiadores One Race Films e Yari Film Group. Foi distribuído pela Freestyle Releasing.

Em seu lançamento recebeu críticas positivas, mas não foi bem nas bilheterias, tendo arrecadado pouco mais de 10% do seu orçamento. Durante a pré-produção, o longa teve o título de Jackie Dee, que era o apelido do sujeito, mas acabou recebendo o nome Find me Guilty, que significa “encontre em mim a culpa”, ou algo que o valha.

Vale a pena desambiguar que esse não é o longa Sob Suspeita de 1987 (do original Suspect) com Cher e Dennis Quaid, ou o homônimo Sob Suspeita de 2000, (do original Under Suspicion) com Gene Hackman e Morgan Freeman. O título nacional é genérico demais, acaba causando essa confusão.

Em algum ponto do projeto se pensou em Joe Pesci para fazer o papel principal, no entanto, Jackie DiNorscio escolheu Vin Diesel para interpretá-lo, basicamente pelo que viu do ator em Velozes & Furiosos. Giacomo não viu a obra pronta, já que falece em novembro de 2004, durante a produção do longa.

Sidney Lumet respeitou a vontade do biografado, mas deu bastante trabalho ao ator. Diesel só lia o roteiro junto ao resto do elenco quando estava totalmente caracterizado. A ideia era familiarizar ao grupo de atores o visual diferenciado do ator, forçando ele a agir como um ator do método, que quase nunca largava a sua persona nova.

Vin Diesel ganhou mais de quinze quilos para o papel, passava duas horas por dia maquiando-se para se parecer com DiNorscio. A diferença de idade não era tão grande, Diesel tinha 37 anos quando filmou, era um pouco mais moço que Giacomo, com uma diferença de apenas três anos na época de seu julgamento, Jackie iniciou com 40 anos.

Uma peculiaridade é que esse foi o primeiro papel de destaque do ator em que ele não está de cabeça raspada. Usa uma peruca que o torna mais engraçado, o que é bom, já que o seu papel é todo pautado em humor exacerbado, na maior das vezes, funciona.

O desempenho dele foi tão bom que até Roger Ebert elogiou o interprete. O crítico afirmou que ele foi uma boa escolha para o papel, disse também que ele trouxe sinceridade e nobreza para a versão cinematográfica do mafioso. Na época, Lumet também foi elogiado por ter tirado todo o potencial dramático de Vin Diesel, que até então, era somente uma estrela de ação.

Lumet escolheu pessoalmente todos os figurantes do filme. Boa parte dos atores também apareceram em “The Sopranos” ou Família Soprano, série do canal pago HBO que também a história de um mafioso de Nova Jersey.

O caso real ocorreu em agosto de 1985. As autoridades de Nova Jersey indiciaram Anthony Accetturo, Martin e Michael Tattiva, além de dezoito dos homens que comandavam uma facção criminosa em Jersey, da família criminosa Lucchese, que tinha sede em Nova York.

Essa foi a primeira vez em Nova Jersey que uma família inteira do crime organizado foi indiciada num único processo. O caso foi a julgamento em novembro de 1986, com base em uma acusação de 65 páginas, começou o processo de convocação em março de 1987 no tribunal federal de Newark e terminou em 26 de agosto de 1988, com o nome oficial The United States v. Anthony Accetturo et al.

Foi o caso criminal mais longo já registrado nos tribunais federais do país. Custou milhões de dólares aos contribuintes e foi o resultado de uma acusação de 76 acusações da Lei de Organizações Corruptas e Influenciadas por Racketeer (RICO).

A narrativa começa com uma fala real, de Rudolph "Rudy" Giuliani, sujeito hoje conhecido por ter sido prefeito de Nova York e advogado de Donald Trump.

Na época, ele era advogado do distrito sul de Nova York, era bastante novo, e tinha um discurso contra organizações mafiosas. Após a fala inicial, é dada a notícia de que foram presos mais de cem pessoas envolvidas com o crime organizado.

A narrativa biográfica e se confundem com a documental, aos poucos se abre espaço para o lúdico. A ficção entra em cena quando começa a tocar a alegre canção When You're Smiling, na versão cantada por Louis Prima. Um sujeito claramente drogado entra em uma casa suburbana sem grandes luxos, mesmo que seja grande. Ele é Tony (Raúl Esparza), personagem que é primo do protagonista.

A cena em si é de um nonsense tremendo, completamente insana, Ele entra na casa, pergunta filha de Jackie, Marina (Aleksa Palladino), se o pai está em casa, e saca um revolver, acertando o parente algumas vezes, enquanto o mesmo repete que o ama.

A canção que Prima apresenta serve de representante do humor de Giacomo. É um resumo de sua postura, já que o mesmo não quer sangue e nem vingança contra o seu primo. Ele não faz isso por ser bom, mas sim por ter consciência da situação que vive, uma vez que está em regime de liberdade condicional.

Ele avisa a filha para não guardar raiva, para "viver e deixar viver", também pede para que ela não chame a polícia jamais. Na dúvida, deve chamar Sal, um dos associados da "família".

Como era de se esperar, os tiros alteram a condição dele como colaborador da lei. Entra em cena momentos de como ele foi pego, sua estadia na prisão e a cooperação junto aos policiais, mas sem entregar ninguém.

Nos trechos onde ele está em processo de julgamento, há algumas cenas nojetas, dadas em um curto espaço de tempo. Jackie é mostrado se aliviando no vaso, interrompido por um guarda em seu momento de intimide. Enquanto ele transita com tiras em um carro, ele solta flatulências para obrigar eles a abrir a janela do veículo, depois que eles se recusam.

Normalmente ele é um personagem simpático, mas também é capaz de dar demonstrações escatológicas de como é a sua ideia de comportamento ideal.

Ele sempre mira se mostrar como um homem cronicamente engraçado e despreocupado com própria vida. No entanto, ele se preocupa em tentar atalhar a sua estadia na prisão, tanto que demite Rizzo, seu primeiro advogado, interpretado por Jerry Adler.

Depois da decepção de ter que pagar encargos altíssimos para um profissional que parecia não estar tendo muito trabalho, ele decide defender a si mesmo, enquanto os outros investigados têm cada um o seu representante.

Em determinados pontos, ele pede auxílio a Ben Klandis, o advogado com nanismo, feito pelo icônico Peter Dinklage, que defende a maioria dos incriminados de Jersey.

Jackie é engraçado, metido a piadista, funciona como um showman no tribunal. Ganha o júri com anedotas, diminuindo sua parcela de culpa na história.

O quadro muda depois que Nick Calabrese (Alex Rocco), um chefão da máfia é absolutamente escroto com ele, assim que DiNorscio decide almoçar com seus comparsas, nos dias de julgamento.

Não fica claro se Nick já o encarava de maneira ruim antes, ou se ele acredita que Jackie cooperou para a condição de todos ali como réus, o que é injusto. Sempre que tem oportunidade, o protagonista relembra que jamais delatou ninguém, tampouco assumiu culpas.

A partir dali começa uma grande rivalidade no tribunal. Jackie se torna uma figura de ódio não só para o advogado de acusação, mas para Nick, para a sua defesa e até para o juiz em determinado momento. Ele quase é desmembrado do julgamento, por pouco as autoridades não optam por separar o caso dele do dos outros, mas é tão habilidoso que contorna isso.

A partir desse ponto o filme deixa de lado a veia cômica e parte para um lado dramático bizarro e inesperado. Em alguns pontos, o desenrolar dos trechos no tribunal se tornam enfadonhos. Os momentos que se salvam, são os que Vin Diesel participa.

O filme é dele, é sobre Jackie Dee, sobre suas tristezas, sobre as frustrações, sobre as perdas que ele não pôde acompanhar por estar preso, é tudo sobre ele, e o ator brilha.

A maior parte do elenco aparece apenas para servir de escada para o protagonista. Poucos coadjuvantes se destacam, entre esses poucos, há Annabella Sciorra, que faz Bella, a ex-esposa do personagem principal. Ela aparece em uma única cena, e é muito dedicada. Dá para sentir a raiva dela, a complexidade da situação que vive e as contradições que teve que passar ao ser esposa de um wiseguy.

O outro papel de destaque é de Peter Dinklage, que está soberbo como advogado da maioria dos mafiosos.

Ele faz uma ótima tabela com Diesel. Os dois tem química, é uma pena que tiveram poucas oportunidades de trabalharem juntos.

No final ainda há uma tensão gigante, já que o júri resolveu compensar o fato do julgamento ter se desenrolado por mais de um ano, decidindo o veredito rapidamente, em apenas 14 horas.

Esse é um filme sobre uma história conhecida, é desnecessário falar da inocência dos personagens. Chega a ser fútil discutir se eles estavam certos ou errados. Essa é uma uma história particular, não um documentário sobre as fragilidades do sistema judicial dos Estados Unidos.

Ainda assim, há espaço para uma celebração, de todos os julgados, acompanhado de uma trilha sonora repleta de jazz, que louva a liberdade conquistada por esses trabalhadores do submundo da contravenção nova-iorquina.

Sob Suspeita é feito para louvar a memória de um homem que não teve vergonha de ser o que era. Não cai na tolice de glamourizar a Máfia, pelo contrário, é pontual ao mostrar a jornada de um homem fiel aos seus princípios, que sabe de sua mediocridade e que convive bem com seus próprios pecados e defeitos. Vale muito a pena ver, especialmente para quem não gosta de Vin Diesel e uma boa direção de Lumet.