A Hora do Pesadelo 2: um pesadelo fabulesco sobre sair do armário

Franquias de terror normalmente se desenrolam após o sucesso de uma obra primária, normalmente barata mas original e criativa o suficiente para fazer uma bilheteria considerável. O movimento natural então é o de repetir o que deu certo e exagerar na dose de sangue. A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy perverte essa lógica, já que muda todo o grupo de personagens centrais, apresentando um novo protagonista, Jesse Walsh, sendo um rapaz o alvo do horror de Freddy, pervertendo também a ideia de deixar sobre uma menina, a responsabilidade de ser o personagem final da mira do assassino.

O longa dirigido por Jack Sholder muda bastante o modo de agir de Freddy Krueger, e curiosamente não trata de vingança, mesmo que ela esteja no subtítulo do filme, já que o assassino já tentou fazer isso no primeiro capítulo da saga, e morreu nesse intento.

O roteiro de David Chaskin apresenta clichês de filmes de casa assombrada tal qual Poltergeist: O Fenômeno e Terror em Amityville, além de elementos de histórias de possessão, além de comentários sobre homossexualidade enrustida, aspecto esse jamais assumido pelo escritor.

Sholder traz um visual bem semelhante ao empregado por Wes Craven e traz consigo o fotógrafo de A Hora do Pesadelo. Jacques Haitkin, que assina a direção de fotografia junto a Christopher Tufty, que é especialista em efeitos especiais.

A dupla escolheu colocar dentro dos cenários comuns alguns elementos com as cores vermelha e verde, para referenciar as roupas de Freddy, como se o assassino estivesse sempre à espreita, e não somente nos sonhos.

Prime Video: A Nightmare on Elm Street 2: Freddy's Revenge

No filme anterior Freddy atacava os descendentes das pessoas que deram fim a sua vida. Dessa vez a assombração ocorre apenas por conta dos Walsh estarem ocupando a antiga casa de Nancy Thompson. Jesse tem ciência da origem do monstro através do diário de Nancy, que obviamente, jamais foi citado no outro filme.

Dessa vez, o assassino tem uma tática diferente, querendo tomar o corpo do filho mais velho da família, interpretado por Mark Patton, que vinha do teatro musical norte-americano e de filmes com a musa pop Cher.

A grande questão é que mais do que só assumir a identidade do rapaz, Freddy parece ser algo a mais do que "só" assassinar pessoas, ele também parece ser o símbolo de uma repressão pessoal.

Há referências sexuais a todo momento, falas ambíguas como "eu preciso de você", acompanhadas de toques das garras do serial killer na boca do garoto fazendo alusão a sexo oral. Os pesadelos aqui ocorrem praticamente só com Jesse, e envolvem símbolos fálicos, com9 cobras, porretes e bastões aparecendo em meio aos sonhos.

Sempre que acorda após ter contato com o monstro, Jesse está banhado em suor, tal qual ocorre com os homens no pós coito, além disso, seus gritos são poderosos e estridentes, e boa parte da crítica na época, afirmava que esse era c0mo um lamento feminino de tão agudo que era.

Ao ser perguntado sobre, o roteirista Chaskin dizia que seu script não tinha conotação sexual, tampouco subtexto homoafetivo, e que toda a "culpa" da obra ser encarada assim, era de Patton.

Fato é que o ator sofreu bastante perseguição após a estreia do filme. Boa parte das críticas atingiam seu desempenho, e uma carreira promissora foi aos poucos perdendo força, ao ponto dele chegar ao ostracismo.

Um bom material sobre essa condição é o documentário Scream, Queen! My Nightmare On Elm Street, que narra parte da jornada de Patton após A Hora do Pesadelo 2 para voltar a trabalhar com a arte que era sua vocação, mesmo após tantos traumas.

Scream, Queen! My Nightmare on Elm Street filme

Considerando a mitologia ainda em construção - esse era o segundo de uma série de seis filmes, que terminaria com um sétimo longa metalinguístico fora dessa cronologia, além de um crossover com Jason que não leva a sério a mitologia de nenhuma das franquias - havia a crença de que Krueger era na verdade um pedófilo, com seus crimes sendo suavizados por conta de classificação indicativa da década de 1980.

Considerando este subtexto implícito associar essa condição sexual criminosa a um garoto supostamente homossexual que tenta sair do armário é no mínimo complicado, para não dizer desonesto.

Ainda assim, boa parte dos cinéfilos fãs de terror que se assumem LGBT + considera essa obra algo transformador, potente, uma vez que trazia uma figura claramente gay não como vítima, e sim como alguém capaz de revidar o mal.

Nightmare on Elm Street Part 2: Freddy's…gay?! | 25YL

Muitas críticas ao avanço de poderes de Freddy no mundo externo aos sonhos foram proferidas em relação a esta parte dois, tanto nas questões de manifestação da casa mal assombrada como na encarnação do mal no corpo do jovem confuso.

Mesmo que boa parte dessas críticas sejam pertinentes, há bastante coisa para elogiar. Sholder conduz bem demais suas cenas, sendo possivelmente o segundo melhor entre os que conduziram longas na franquia, e seus acertos vão além do subtexto gay, pois há vários momentos realmente assustadores e surreais, especialmente no final, com figuras animalescas monstruosas, como os cães que servem de guarda-costas de Freddy/Jesse, ou os efeitos de Krueger se mostrando para sua vítima maior, méritos do especialista em efeitos especiais Mark Holstrom.

Stan Winston School on Twitter: "FX wiz Mark Shostrom performs as Freddy on the set of A Nightmare on Elm Street Part 2: Freddy's Revenge (1985). #practicaleffects #makeupeffects #behindthescenes https://t.co/ADyhiCAzMF" / Twitter

O que realmente segue estranho é como os adultos agem nesse filme, problema esse compartilhado com a obra anterior. Se Nancy Thompson não tinha crédito nem com os pais, Jesse também tem parentes omissos, que moram com ele, mas que não levam fé em nenhum de seus apelos.

O rapaz beira a esquizofrenia, é estridente, reclama o tempo inteiro e ninguém o leva para conversar com um especialista psiquiátrico. As pessoas na escola o jogam na vala comum de ser um adolescente em idade de puberdade, a única pessoa que o leva a sério é seu professor de educação física, o técnico Schneider, de Marshall Bell, cuja índole é intrigante, já que ele resgata o rapaz em um bar, e o leva para a escola a fim de puni-lo.

Vale lembrar que a boate entre Schneider e Jesse estão é claramente um ponto de encontro BDSM (sigla que denomina um conjunto de práticas consensuais envolvendo bondage e disciplina, dominação e submissão, ligadas ao sadomasoquismo), e o local da penitência do rapaz é o chuveiro compartilhado, onde, obviamente, o "herói" Freddy atacaria a figura de autoridade, afinal, somente Krueger pode brincar e punir o jovem Walsh.

A Nightmare on Elm Street 2: Freddy's Revenge (1985)

Se esse aspecto não é estranho, nada mais é. Pagar penitências esportivas a noite faz parecer que a intenção do docente era o de abusar do rapaz, não à toa ele tem um fim trágico. Ao menos, a partir desse momento as intenções do assassino são enfim desmascaradas.

Jesse por sua vez tem uma trajetória totalmente errática. Ele esquece seus bens como as chaves do carro, some o dia inteiro e retorna no meio da noite. Seus pais acreditam que ele está utilizando metadona, mas nem assim eles procuram ajuda médica. Toda a lógica do filme é invertida, os adolescentes agem com mais maturidade do que os pais.

O exemplo maior disso são os pais de Lisa Webber (Kim Myers), que dormem cedo, enquanto ocorre uma festa na piscina, e enquanto sua filha está prestes a ser deflorada por Jesse.

A Nightmare on Elm Street 2: Freddy's Revenge (1985)

É com Lisa que a cena mais claramente homoerótica ocorre, já que ao tentar beijar o belo corpo da moça, sai uma língua monstruosa, de Freddy, que o interrompe no meio de uma possível relação sexual.

Imediatamente depois dessa ação impotente, o protagonista surge no quarto de seu colega Ron Grady (Robert Rusler), que está seminu e suado, assim como Jesse. Dois rapazes, quase sem roupas e sozinhos sofrem com a ação de Krueger, que aparece de forma dolorosa.

Special Work to Do”: Inverting the Formula in 'A Nightmare on Elm Street 2' | by Nat Brehmer | Feb, 2022 | Medium

Jesse não consegue lutar contra sua própria natureza e se Freddy é a manifestação da sua sexualidade reprimida, faz sentido toda essa odisseia ocorrer.

Outra sequência muito criticada pelos fãs é a cena da piscina, onde uma chacina ocorre. Esse momento em especial quase tornou as continuações em algo proibitivo, mas os produtores resolveram ignorar para seguir a história.

Ainda assim, não há como negar a inventividade de Sholder, especialmente na utilização de efeitos especiais práticos, pois tanto a cena de transformação no monstro quanto o retorno a humanidade são momentos visualmente muito marcantes.

A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy é irregular, tem uma história bem nonsense e que só funciona por conta da linguagem sexual subliminar. É uma pena que a carreira de Patton tenha ficado tão negativamente marcada, com todo seu talento sendo escondido graças ao pensamento conservador e homofóbico da indústria, uma vez que ele tinha potencial para alcançar voos maiores.

 

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