Sobrenatural: a versão de James Wan para Poltergeist

Sobrenatural: a versão de James Wan para PoltergeistSobrenatural é um filme de horror que acabou se tornando um pequeno clássico e de maneira instantânea. Lançado em 2010, o longa é dirigido pelo malaio James Wan e brinca com arquétipos do medo, variando especialmente entre questões de casas amaldiçoadas, assombrações, fantasmas e até possessão.

Do original Insidious, o filme nasceu de uma vontade de Wan em fazer uma obra que limpasse a barra do cineasta, da franquia Jogos Mortais, que ele e seu colega de faculdade Leigh Whannell conceberam nos anos 2000. Curiosamente não havia na filmografia do cineasta qualquer menção a Torture Porn fora o primeiro Saw, mas havia sobre ele a pecha de fazer obras muito violentas.

Essa é uma das produções da Blumhouse, que até então costumava fazer obras dos mais variados gêneros, entre comédias, histórias românticas etc. Sobrenatural foi um sucesso tão grande que o seu proprietário Jason Blum resolveu voltar a carga para franquias de filmes de terror.

A divisão que cuidou de Insidious foi a Haunted Movies, os produtores foram o próprio Blum, Oren Peli (produtor, escritor e diretor de Atividade Paranormal) e Steven Schneider, produtor parceiro de Shyamalan em Fragmentado, Vidro e Batem a Porta. Outros estúdios produziram também, entre eles Stage 6 Films, Alliance Films e IM Global. O longa foi rodado todo em Los Angeles, no centro da cidade, em Victoria Park Drive - especialmente a casa dos Lambert - e em Point View St.

Whannel e Wan não trabalhavam juntos desde Gritos Mortais. Aqui eles se reúnem aqui, usando o script original de Whannel para reverenciar materiais que narram histórias de casas cercadas por espíritos. A trama acompanha a família Lambert, os pais Josh, de Patrick Wilson, Renai de Rose Byrne e mais três filhos pequenos, dos quais o mais velho, Dalton (Ty Simpkins) acaba ficando em coma misteriosamente.

Uma trama de mistérios e eventos paranormais começa a partir daí e a partir daqui falaremos com spoilers.

Sobrenatural: a versão de James Wan para Poltergeist

Sobrenatural hoje é uma franquia, uma das principais marcas da Blumhouse, rivalizando pelo topo de popularidade com Atividade Paranormal. Foi importante para a produtora e estúdio, enriqueceu muita gente, mas esse foi um filme barato, que rendeu demais, tal qual ocorreu com o found footage de Oren Peli.

Dito isso, é bom explicar que os recursos eram bem escassos do que nas obras recentes de Wan e isso se percebe quando é necessário o uso de inserção digital e CGI.

O malaio já era um diretor renomado e Insidious foi uma ideia desafio, já que ele queria homenagear os filmes que ele gostava - Poltergeist: O Fenômeno, especialmente - mas sem gastar muito com estúdios, até por conta de essa não ser a época em que os estúdios dedicariam grandes orçamentos e elencos estrelados ele, como foi com Velozes e Furiosos 7 e Aquaman anos depois.

O filme começa uma grande cena contínua, que emula o formato de plano sequência. Na tomada são mostrados os elementos que permeariam a franquia, ainda que timidamente. Parte da casa dos Lambert é mostrada, assim como alguns desenhos do filho mais velho, Dalton, onde já se nota gravuras a respeito da porta vermelha.

É mostrada a familiar Lambert, em sua intimidade, também mostra a nova casa, além de dar um vislumbre da noiva macabra, a entidade que aparentemente vai assombrar a família de Patrick Wilson.

Logo aparece o nome do filme, de maneira agressiva, com letras vermelhas e em um fundo preto, com um baita susto arquitetado pelo diretor. A apresentação do nome da obra vem junto com a música grave original, composta pelo também ator Joseph Bishara, que além de pontuar a sensação de medo inicial, ainda interpreta o ser sobrenatural mais memorável do longa.

Os Lambert são apresentados como uma família comum e unida. A dupla de pais Josh e Renai parecem apaixonados, embora estejam muito cansados, já que acabaram de se mudar para uma casa maior, uma vez que a terceira filha deles nasceu.

Os outros dois filhos Dalton e Foster (Andrew Astor) brincam juntos, parecem crianças comuns, que não tem qualquer rivalidade entre si, mesmo sendo irmãos com tão pouca diferença de idade. Nutrem uma relação saudável, bem comum em famílias que são felizes, de cara o filme estabelece eles como gente que se ama, fugindo da pecha que só famílias desestruturadas sofrem com assombro.

A ação realmente começa quando Renai desperta na madrugada, após uma noite de sono abreviada. Ela vai ao andar de baixo e mexe nos álbuns antigos, se percebe o aspecto acinzentado da fotografia de John R. Leonetti e David M. Brewer.

A cor é lavada e desbotada no momento imediatamente posterior ao despertar do sol e esse aspecto de filtros seria uma marca nesse primeiro filme. As cores denotam diferenças narrativas e também sentimentos dos personagens.

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A mãe conversa com Dalton e os dois parecem ter uma certa sinergia, não à toa usam o mesmo pijama, em tamanhos diferentes. Byrne e Simpkins tem de fato um grande entrosamento, facilitado claro pela experiência do ator mirim, que ficaria famoso por papéis em grandes franquias, como em Jurassic World, Homem de Ferro 3, além de ter boas participações em filmes independentes, como em A Baleia onde ele já está adulto.

Esse foi o primeiro filme onde os clichês comuns ao Invocaverso apareceram. Wan utiliza muitos sustos falsos, os tais jumpscares, a música é sempre alta, também é explorada bastante a temática de terror familiar. Nessa época esses não eram artigos cansativos, afinal, não eram tão utilizados como ocorreria após Invocação do Mal.

O que particularmente depõe contra essa obra é a utilização dos tais filtros, especialmente por conta de antecipar muito os sustos, que aparece sempre que algo ruim acontece ou acontecerá.

A cena em que Josh descobre que o primogênito está apagado é assim, toda a sequência no hospital também. O uso exagerado desse aspecto faz ele perder forçar, há um efeito bom no início, mas depois, não.

Há bons elementos visuais, especialmente nos detalhes de caracterização, como nos penteados de Renai. Assim que o seu filho mais próximo não acorda mais é notável que ela não cuida mais dos cabelos, deixando eles desgrenhados, demonstrando que não está preocupado com o seu visual. Para ela, sua aparência é algo subalterno, uma vez que a pessoa mais importante para ela não está mais presente.

Seu estado de melancolia é muito bem flagrado pelo diretor. Wan sabe filmar momentos tensos, certamente não precisaria reduzir tanto seu escopo histórico a um regime de obviedade. Não bastasse a tristeza de ter "perdido" um filho, desacordado e acamado por razões que os médicos não explicam, a casa passa a sofrer com efeitos bizarros.

Nesse ponto o filme passa a parecer ainda mais com uma refilmagem de Poltergeist de Tobe Hooper, com o acréscimo de uma modernidade com alarmes de segurança e mais equipamentos de vigilância, como babá eletrônica. Mas Wan segue insistindo nos filtros, usando um filtro escarlate quando o espírito malvado surge no quarto da menina caçula.

Apesar do protagonismo da história recair sobre o núcleo familiar, é inegável que Josh é o personagem mais intrigante. É dado que ele desde criança detestava tirar fotos, ele é desconfiado e introspectivo, mas as pessoas sabem lidar com as suas peculiaridades, tanto que Renai se irrita com o fato dele ficar até tarde no trabalho basicamente por que ele usa isso como modo de fuga. Nem passa pela cabeça dela que ele a esteja traindo.

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No entanto, ele é um personagem criado para ter camadas, tanto que é compreensivo. Normalmente em filmes com assombração os maridos são o arquétipo do homem cético e escroto, mas ele não. Ele simplesmente aceita mudar de casa, mesmo que eles tenham acabado de chegar na nova residência, mesmo que isso custe dinheiro que a família claramente não tem.

O roteiro de Whannell não enrola, vai direto ao ponto, mostra que algo está errado, rapidamente a família se convence das manifestações espirituais estranhas e tentam remendar os problemas.

A partir desse ponto novos personagens são introduzidos. A maioria é tem funções pontuais, mesmo que não tenham a mesma importância dos Lambert em matéria de tempo de tela. O maior exemplo disso é a mãe de Josh, Lorraine Lambert (Barbara Hershey), que está na trama para ser a figura expositiva, que explicita ao público o passado de Josh, que teve envolvimentos com forças sobrenaturais.

Os coadjuvantes que ganham tempo de tela são a dupla de estudiosos de paranormais Specs (Whannell) e Tucker (Angus Sampson). Os dois são caricatos, lembram a equipe universitária que acompanha a dra. Lesh em Poltergeist, mas tem personalidade própria, especialmente no sentido de ser muito engraçados, já que são o alívio cômico do filme. Tucker é o sujeito que maneja a câmera, que registra tudo em vídeo, enquanto Specs é responsável pelo texto, por escrever os roteiros da abordagem, por pautar as sessões e por fazer os relatórios.

A maior função da dupla é servir de anteparo para Elise Rainier, a idosa médium que se tornou o maior símbolo da saga Sobrenatural. Eles mapeiam a família antes da chegada da força superior que é a patroa deles.

Elise é feita pela veterana Lin Shaye, atriz carismática e icônica, que já esteve presente em alguns filmes de terror, desde clássicos como Noite de Pânico e A Hora do Pesadelo, até peças trash Estrada Para o Inferno, Serpentes a Bordo, Lua Negra. Fez também alguns filmes em outros gêneros, como Quem Vai Ficar Com Mary, no entanto é mais lembrada por ser irmã do produtor e fundador da New Line Cinema, Robert Shaye.

Aqui ela finalmente tem a chance que precisava para brilhar, uma vez que é austera, convincente e misteriosa na medida. Sua personagem fala pouco e parece ter muito conteúdo, além de uma vasta experiência com o mundo dos mortos.

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Elise tem boa memória, lembra já de ter visto Josh, ainda que ele não se recorde dela. Ela é simpática, tanto que consegue naturalizar o anúncio de um diagnóstico sobre os problemas do menino.

Ela afirma que o problema não era a casa e sim o rapaz, fala também que algo veio do mundo espiritual para pegá-lo, explica para a família que Dalton faz viagens astrais, através do sono. Faz todo um discurso a respeito de uma dimensão que ele chama de Além ou Further no original.

Ainda assim ela não convence o pai da família, que tenta ser racional, já que é isso que lhe cabe enquanto homem e chefe de um grupo de parentes. Ele acaba aceitando a ajuda deles, depois de verificar os desenhos de Dalton. Certamente a postura não invasiva e compreensiva de Elise pesou para que ele aceitasse o auxílio dela.

Não é muito surpresa que algo no passado de Josh evoca uma intimidade com o tal Além. O tempo inteiro é dado que existe um segredo ali, bem guardado. Toda a postura de sua mãe Lorraine parece assim. Ela é demasiadamente compreensiva, mesmo parecendo distante de Renai ela se presta a ajudar o tempo inteiro, tanto que cede sua casa para a família assim que eles mudam.

Ela sente culpa, acredita ter responsabilidade já que algo vindo do sobrenatural tragou seu neto e isso se dá por conta de um evento paranormal do passado, envolvendo Josh criança.

Apesar do tempo ter insistido em afastar esses eventos, os segredos vieram à tona e nada ficou oculto. Elise parecia saber desse causo pelo simples motivo de ter participado do ritual, mas o que eles viveram anteriormente claramente não garantiria sucesso em uma nova empreitada ao Além.

O ritual é bem diferenciado, Elise consegue ser ainda mais caricata que a Tangina de Zelda Rubinstein, já que utiliza uma máscara de gás, com um fone acoplado que fica com Stephen (nome civil de Specs, alcunha essa só dita pela chefe do bando paranormal), que por sua vez, desenha e anota todas as frases ditas por sua mentora.

A máscara tem uma aparência pitoresca, lembra o artefato utilizado por Morpheus na revista Sandman, de Neil Gaiman, gibi esse que voltou a ser popular graças a série homônima da Netflix. Wan e Whannell acertam em referenciar um material popular e que também lida com o especulativo espiritual e como isso é sútil, não parece algo forçado.

O contato que ela tem com os espíritos impressiona, pois houve um grande cuidado em mostrar os fantasmas. Eles são bem caracterizados, apesar de serem assombrações simples, que tem pouco tempo de tela, mas que são marcantes ainda assim.

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As sequências de ida ao Além são assustadoras e bem representadas, mesmo que sejam bastante simples. As sequências se tornaram base para várias cenas de ritual, para o bem ou para o mal, quase toda obra que lidava com bandeja ouija dali para frente no cinema de horror imitaria isso, como visto na comédia de horror A Babá e no péssimo Ouija: O Jogo dos Espíritos. Josh também entraria em contato com esses espíritos, até teria a origem de alguns deles explicada.

No entanto a problemática da mediunidade reprimida do pai dos Lambert abriu espaço não só para a evolução da franquia, mas também é a raiz da maior parte dos graves problemas da saga e do filme.

O primeiro deles é que a pauta dramática está sobre Wilson. Ele não era mau ator, Menina Má.com é uma prova disso, mas seus desempenhos sempre foram melhores quando não se exigia muito dele. O Ed Warren que ele faz em Conjuring funciona por ser tímido e comedido. Aqui, na maior parte do filme a lógica segue igual, exceto na viagem do personagem ao além.

Wan filma quase sempre em cenários escuros, para cortar custos, apresenta então versões mais assustadora ainda das duas casas que a família Lambert morou. A percepção de que algo está errado não é tão bem passada por Wilson e como há simplicidade visual do cenário, já que o Further é só breu com eventuais luzes coloridas vindo das extremidades, acaba não tendo um despiste dessa fragilidade dramática.

Como essa é uma obra barata, certamente não haveria muito como fazer uma outra dimensão muito elaborada, já que demandaria um grande custo isso. A escolha sábia do cineasta foi a de colocar os fantasmas em poses estáticas, que revelam como eles faleceram, fato que explica um pouco como e porque eles estão ali, diferenciando esses de meras aparições genéricas.

Pelo menos o efeito é bom, gera medo e receio, mesmo sendo simples. A produção é madura e esperta o suficiente para não exagerar nessa participação, dando a ele um tempo de tela curto nesse período, preenchendo a maior parte dos momentos com tomadas de um vermelho escuro característico, que parte do esconderijo da entidade rubro negra, creditada como Lipstick-Face Demon.

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A composição visual do personagem é legal, mesmo que atualmente hajam muitas comparações maldosas, que igualam ele ao Darth Maul de A Ameaça Fantasma ou a Caipora de Castelo Rá-Tim-Bum.

O fantasma tem uma boa caracterização, mora na parte alta do além, tem uma cabana particular onde ele confecciona bonecos terríveis, que fazem lembrar o clássico trash Bonecas Macabras de Stuart Gordon.

O ser interpretado pelo compositor da trilha Joseph Bishara é um artesão, tal qual seu interprete, e certamente é uma das marcas mais lembradas de toda a saga, não à toa o seu susto na cena em que aparece repentinamente atrás de Josh é possivelmente mais famosa que a obra em si.

Se a junção entre música e cenas de susto funciona, o mesmo não pode-se dizer dos efeitos especiais. As interferências digitais não envelheceram bem, especialmente nos momentos finais. O trabalho da equipe de Fractured FX, INC comandada por Justin Raleigh, assim com a maquiagem de efeitos, de Kelly Golden sofreram claramente com a falta de recursos. É uma pena, já que as caracterizações dos espíritos feitas com maquiagem prática beira o sensacional.

Próximo do final acontece muita coisa, inclusive o espírito ludibriando a família, exceção a médium que é Elise, afinal, ela não é uma iniciante nesse tipo de abordagem. Por mais que Wan e Whannell tivessem uma ideia de fazer algo simples há um óbvio apelo para uma continuação, um gancho que dificilmente não seria seguido. Essa seria outra marca da franquia, que sempre termina apontando para a próxima desventura espiritual.

O que realmente foi polêmico no desfecho foi o destino da personagem mais icônica entre os humanos. Boa parte dos fãs se divide com o fato dela ter sua participação encerrada aqui, embora ela retorne de outras formas, nas sequências. Fato é que o desempenho de Shaye é o mais brilhante entre os atores e certamente faz muita diferença tê-la em tela.

Sobrenatural é um filme que fez muito dinheiro com um investimento ridiculamente pequeno e que ajudou a pavimentar a carreira dos envolvidos, especialmente de diretor, roteirista e produtores. Apesar de ter gerado uma quantidade exorbitante de filhos bastardos, o que se vê aqui é uma produção sóbria, inteligente e bem desenvolvida, com mistério, tragédia, drama e muitos sustos. É sem dúvida alguma a melhor versão legado de Poltergeist e ainda melhoraria a saga no filme seguinte, solidificando essa como uma das franquias mais lembradas pelos fãs de cinema B.

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