A Hora do Pesadelo: Entre o Sonho e a Matança

A Hora do Pesadelo é certamente a obra mais conhecida da carreira do cineasta Wes Craven. O longa que mistura elementos de peça de horror sobrenatural com o conceito de de filme de matança  traz em seu personagem de destaque, Freddy Krueger, um assassino espiritual que conseguiu marcar época não só pelo medo inescapável de um serial killer atacando nos sonhos, mas também por ser comunicativo e bastante carismático, de uma forma que Jason e Michael Myers não eram.

Craven tem como prioridade mostrar como o medo cresce de acordo com a espera e expectativa, seja por parte do público que acompanha a fita, ou dos personagens internos a trama.

Na cena introdutória é mostrado o homem de vestes vermelhas com listras verdes montando uma luva com garras, arma essa que usaria para atacar os sonhos de suas vítimas. Esse movimento é lento, gradual e a espera ajuda a criar uma atmosfera de receio.

O início também mostra que a Elm Street, onde ocorrem os ataques, é habitada por adultos de vida dupla, quase todos apresentando uma casca conservadora, que por sua vez ajuda a esconder seus segredos terríveis.

Evidence Suggests 'A Nightmare On Elm Street' House Is In 'Halloween'

A geração de pais tem por hábito reprimir a sexualidade dos filhos, mas para si a atitude é diferente, uma vez que eles guardam manchas terríveis em seu passado, e parecem ter um motivo a mais para buscar a castidade nos meninos e meninas. Esse é um claro movimento de compensação, uma vez que o pecado antigo deles tinha a ver com um sujeito que matava crianças e que, em alguns tratamentos do roteiro, era tratado também como molestador delas.

Entre o elenco jovem, se destacam a bela Nancy Thompson (Heather Langenkamp), seu pretendente Glen (Johnny Depp em seu primeiro papel no cinema), além do outro casal Tina (Amanda Wyss) como o despiste para o papel de garota final e seu namorado, o latino Rod (Jsu Garcia), que pega emprestado o visual (e o estilo bad boy) de motoqueiro de Marlon Brando em O Selvagem. Quatro pessoas, jovens, de índoles e personalidades diferentes.

A Nightmare on Elm Street (1984)

O quarteto de personagens é a mais pura manifestação da normalidade da juventude, pois gastam seu tempo brincando, passando trote, conversando sobre besteiras tipicamente juvenis, consomem a música popular de sua época, são pessoas absolutamente comuns, obviamente com os hormônios em ebulição dada a puberdade.

O grande diferencial desse núcleo em comparação com seus pares em Halloween: A Noite do Terror ou Sexta-Feira 13, é que não parecem pessoas genéricas e sem almas, e por mais que lembrem os típicos adolescentes "trintões" de filme slasher, cada um tem seu próprio traço de personalidade marcante.

A trilha sonora de Charles Bernstein pontua bem os momentos de tensão, tanto o incidental com um piano e instrumento de cordas que ajudam a assustar e a criar um clima de mal se aproximando, como também a cantiga a respeito de Freddy Krueger, embalada por crianças pequenas, que declamam o hino em torno do mito enquanto pulam corda. A montagem desse quadro é tão macabra que para o público, é difícil de ignorar a sensação de medo.

A fotografia de Jacques Hatkin, ajuda a estabelecer essa aura de mal imperando, tanto nas cantigas, feitas em períodos diurnos e com muita névoa (aspecto esse que faz alusão aos sonhos), quanto nos ataques noturnos, seja tanto  no campo dos sonhos como na realidade, esse último, normalmente acompanhado de um gore criativíssimo, mostrando as pessoas sucumbindo à morte quase sem escapatória.

Outro bom ponto entre os atores é Robert Englund. Seu personagem é icônico muito por conta do dote dramático do  ator, que, apesar de não ser conhecido por ter feito grandes papéis, esbanja carisma e desenvoltura, sendo bom sabedor de seus defeitos e virtudes em relação a atuação. Englund se equilibra bem demais entre momentos de sustos e de risos.

A maquiagem é bem encaixada, ainda mais quando a luz é baixa, e por mais que as primeira cenas ele pareça "estranho", logo o espectador se acostuma com a sua figura.

A Nightmare on Elm Street (1984), Written & Directed by Wes Craven, by Jon Cvack - Yellow Barrel

É difícil escolher onde Freddy causa mais temor, se é assassinando ou fazendo testemunhas incrédulas verem a morte acontecendo a sua frente. Como seu cartel de assassinatos é vasto, com efeitos pesados e difíceis, é fácil para o fã de horror se afeiçoar pelo trabalho de Craven e sua equipe.

Há muito esmero e cuidado para que cada morte seja sentida pelo espectador.

Esquizofrenia, terror noturno, dependência química e até possessão demoníaca são maus cogitáveis em relação ao quadro das crianças, especialmente Nancy.

Há entre os fãs do horror até a crença de que os bules de café que a moça esconde são na verdade um eufemismo para o vício em cocaína, fato que até ajudaria a explicar as supostas alucinações dela e de seus amigos.

Há outros bons elementos de violência fora as mortos, como os degraus derretendo quando a heroína tenta fugir, ou cenas de Tina ensanguentada atrás de sua melhor amiga, elementos oníricos e até nojentos, como um dos mortos expilando germes e insetos.

O esforço de Craven em apelar para toda sorte de medo e nojo típico do público ocidental é bem demonstrado e essas sensações pioram por não se ter certeza se elas ocorrem no espectro real ou de sonho.

Há algo de inteligente nesse roteiro, e tal qual nos bons Aniversário Macabro e Quadrilha do Sádicos, Craven segue mostrando uma América sem esperança, dedicando sua carreira a desenvolver a melancolia e a inevitável chegada do mal.

Nem mesmo enquanto a pessoa está dormindo ela está fora de perigo. O direito ao sono dos justos é negado e a contribuição que esse filme tem é o de mostrar os adultos, sem confiança nenhuma em suas crianças (pois mesmo que assassinatos ocorram, elas seguem sendo desacreditadas), como pessoas mal resolvidas, ainda culpados pelo pecado anterior de ter matado Freddy, e inertes, anestesiados por conta do remorso, simbolizando assim uma geração incapaz de viver normalmente.

A razão e origem de Freddy demonstra como a sociedade é doente, tanto pela ineficácia da justiça, que rapidamente o liberou da prisão, quanto pelo espirito miliciano da população em fazer da lei do olho por olho a tônica do lugar.

A junção desses dois fatores talvez tenha sido o catalisador para o retorno à vida do assassino, o precedente espiritual pode ter sido aberto nessa situação onde a injustiça imperou. Claro que as razões "reais" para o retorno seriam exploradas em continuações, mas a essa altura em 1984, essa parecia ser uma razão plausível.

O roteiro apesar de inventivo, também apela para clichês próprios. Não se leva a sério o alcoolismo da mãe de Heather, tampouco a clara ausência paternal na família pesa dentro da trama central, embora possa colaborar para o estado de nervos aflorado de Heather, que curiosamente, é pintada durante o filme inteiro como a pessoa mais sã dentro da história, talvez a única com sanidade intacta.

Há dezenas de clichês de família disfuncional, mas esse aspecto ainda é passável, afinal, conversa com a condição de desconstruir a ideia de família americana perfeita. O que de fato é irritante é a mania que Craven tinha em inserir armadilhas caseiras, ao estilo Esqueceram de Mim.

Faz pouco sentido que um assassino espiritual seja tão tolo para cair em um ardil tão primário e infantil, ainda mais se tratando de um sujeito especializado em matar crianças.

O filme cresce ao longo da exibição, embora algumas manifestações do monstro sejam exageradamente cômicas. Próximo do fim ele volta a ser sério, dando gravidade e drama ao suposto surto psicótico que Nancy tem.

A Hora do Pesadelo foi tão bem recebido que marcou época e causou na New Line um boom que o fez se tornar um bom estúdio para produzir filmes, sem falar que fez Craven retomar os elogios que sempre mereceu por seu cinema extremo e inventivo. Além disso é assustador, e introduziu Freddy no hall dos grandes monstros do cinema moderno de terror.

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